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Antraz (Bacillus anthracis)

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (páginas 173-177)

5. ATUALIDADE E PERSPECTIVAS: ÉTICA E BIOÉTICA

8.10 Classificações dos bioagentes infecciosos

8.10.1 Antraz (Bacillus anthracis)

O antraz é uma bactéria, que pode ocasionar uma doença infecciosa. Foi modificada em laboratório para uso em guerra, sendo uma das únicas a serem utilizadas no intuito de bioterrorismos, na forma em pó, por terroristas em 2001, que

encaminharam correspondências pelos correios com o esporo (Bacillus anthracis da cepa Ames), em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

O termo antraz é derivado do grego Anthrax que significa carvão, pelo motivo de causar manchas na cor preta na pele (lesões), e conhecida também por carbúnculo por esta característica218. No quadro 25 veem-se agentes biológicos e dados característicos.

É uma doença que os historiadores acreditam que ser as pestes descritas na Bíblia, no Êxodo, sendo a 5ª e 6ª pestilências. Naturalmente ataca animais de casco, domésticos ou selvagens (gado, ovelhas, cabras, antílopes e outros herbívoros), nos séculos XVI e XVIII causou vários prejuízos agrícolas na Europa. Está disseminada em todos os continentes, mas atualmente contamina países subdesenvolvidos e com problemas de higiene, sendo as regiões América do Sul e Central, Leste Europeu, Ásia, África, Caribe, e Oriente Médio.

O Bacillus anthracis é uma bactéria Gram-positiva, aeróbica e uma das maiores, medindo aproximadamente de 8 por 3 μm (micrômetros), na forma de bastonete, onde a sua formação vem de um esporo, que sobrevive no solo por décadas, quase indestrutível, resistente a desinfetantes, ao calor, a desidratação e ao frio (gêneros resistentes os Bacillus e Clostridium), geralmente se aloja em gramíneas no solo e quando ingeridos desenvolve-se em célula vegetativa e são produzidos antigenos. A esporulação é derivada somente quando da exposição das secreções, corpos ou sangue em contato com o oxigênio do ar. Os esporos podem ser destruídos a uma temperatura de 120°C por 15 minutos219.

O quadro 26 traz um resumo dos principais e prováveis agentes biológicos para uso como bioarma.

218 ERCOLE, F. F.; COSTA, R. S. Protocolos de cuidados frente a doenças decorrentes de bioterrorismo. Rev.

Latino-Am. Enfermagem, v. 11. n. 4, ago. 2003; Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104- 11692003000400015>. Acesso em: jul. 2014.

219 HEADQUARTERS, Department of the army, the nay, and the air force, and commandant, marine corps.

Quadro 25 - Agentes biológicos conhecidos como possíveis candidatos a bioarmas. * = Tempo de ação para as toxinas

Fonte – Adaptação elaborada pelo autor de Lindler e França220,221.

Um dos fatores de virulência do antraz é uma cápsula antifagocítica e, quando no hospedeiro, produz 03 proteínas termolábeis e duas exotoxinas. A toxina letal (LF de 90 KDa), é citotóxica e a toxina de edema (EF de 89 KDa) reconhece o receptor da célula alvo.

220 LINDLER, L. E. et al. Biological Weapons Defense – Infectious Diseases and Counterbioterrorism, Human

Press, Totowa, New Jersey, 2004.

221 FRANÇA, T C C; SILVA, G R; CASTRO, A T. Defesa Química: Uma Nova disciplina no Ensino de

Química. Rev. Virtual Química, 2010, v. 2, nº 2, p. 84-104, p. 102. abr/jun. 2010. Disponível em: <http://www.uff.br/rvq>. Acesso em: jun. 2014.

Tipo Nome Incubação*/Duração/Mortalidade Dose efetiva Profilaxia/tratamento

B act ér ia s Bacillus anthrazis

(antraz) 1-6 dias/1-2 dias/muito alta 8.000 a 50.000 esporos

Tratável com antibióticos antes do início dos

sintomas. Vacina disponível. Yersinia pestis

(peste bubônica) 2-20 dias/1-2 dias/variável organismos 100 a 500

Tratável com antibióticos dentro de 24 horas antes do início dos sintomas. Vacina

disponível. Brucella suis

(brucelose) 5-60 dias/variável/ 2 % organismos 100 a 1000 Tratável com antibióticos. Não há vacina disponível. Coxiella burnetti

(febre Q) (Rickéttsia) 2-14 dias/2-14 dias/1% 10 organismos Tratável com antibióticos. Vacina disponível.

V

írus

Vírus da varíola semanas/35% para indivíduos não média de 12 dias/várias vacinados

10 a 100 organismos

Não existe terapia específica. Vacina disponível, mas em

quantidades limitadas. Vírus da encefalite

eqüina venezuelana 1-5dias/1-2 semanas/baixa organismos 10 a 100

Não existe terapia específica. Vacina disponível. Vírus da febre

amarela 3-6 dias/1-2 semanas/5% 1 a 10 organismos

Não existe terapia específica. Vacina disponível. Vírus do ebola 4-16 dias/7-16 dias/50-90% Desconhecida Não existe vacina disponível.

T

ox

ina

s

Saxitoxina (produzida

por algas azul-verdes) minutos a horas/fatal após inalação de dose letal 10 µg/Kg de peso corporal Não existe tratamento. Toxina botulínica

(produzidapela bactéria Clostridium

botulium)

24-36 horas/24-72 horas/65 % 0,001 µg/Kg de peso corporal administrada cedo. Vacina Tratada com antitoxina se disponível. Ricina (obtida a partir

da mamona) poucas horas/3 dias/alta 3 a 5 µg/Kg de peso corporal Não há antitoxina ou vacina disponível. Enterotoxina

estafilocócita B (produzida por Staphylococcus

aureus)

Esta é internalizada por endocitose, que são efetoras, e se combinam com o antígeno protetor (PA de 83 KDa). Este é o mediador, e a união destes fatores possibilita a virulência bacteriana. Atualmente com o avanço da biotecnologia e a descoberta dos mecanismos de ação das toxinas e das ligações com as células, novos estudos estão sendo conduzidos para inativação e cura das infecções, inclusive com as descobertas de novos fármacos222.

Uma dose mortal do Antraz corresponde aproximadamente de 10 a 20 mil esporos e com 1 grama é possível a produção de 100 milhões de doses mortais, mas a propagação de pessoa para pessoa é difícil, podendo ser através do contágio por fluidos, dejetos ou sangue contaminados.

A contaminação em humanos é decorrente da exposição ou contato com secreções, carne contaminada, pelo ou pele de animais, ocorrendo de 03 (três) formas: a cutânea, que corresponde a 95% das infecções, é quando a bactéria passa pela pele, através de uma corte ou por abrasão, tendo como início dos sintomas uma mancha vermelha, aparentando uma picada de inseto, decorridos 1 ou 2 diais há o aparecimento de vesículas, progredindo para úlceras, mas indolor, com 1 a 3 cm de diâmetro, com uma área preta no meio, já necrosada. Inflamam as glândulas linfáticas das regiões adjacentes, pode haver febre, mal-estar, náuseas e dor de cabeça e se não forem tratadas em torno de 20% dos casos resultam em morte223,224.

Contaminação do antraz por inalação é mais raro e fatal, porém, a cepa foi modificada em laboratório sendo utilizado na modalidade em pó, a priori são os mesmos sintomas iniciais de um resfriado comum e passado alguns dias evolui para graves problemas respiratórios, levando a choque, variando entre 24 a 36 horas, sendo que um raio x do torax mostra o alargamento característico do mediastino, consequentemente, a meningite representa 50% dos casos. Não sendo tratado no início, leva-se ao óbito. Antigamente era conhecida como “doença dos classificadores de lã” e o grupo de risco era formado pelos operadores de moinho que utilizavam o pelo de cabra, lã, ou curtumes.225

222 GUIMARÃES, A. P. e colaboradores. Design of New Chemotherapeutics Against the Deadly Anthrax

Disease. Docking and Molecular Dynamics studies of Inhibitors Containing Pyrrolidine and Riboamidrazone Rings on Nucleoside Hydrolase from Bacillus anthracis. Journal of Biomolecular Structure and Dynamics, 455-469, sep. 20, 2010.

223

USA. HEADQUARTERS, Department of the army, the nay, and the air force, and commandant, marine corps. Treatment of biological warface agent casualties. Washington, 2000, p. 122.

224 DIXON, T.C. et al. Anthrax. The New England Journal of Medicine, v. 341, p.815, 1999.

225 NEGRÉ, W. S. Proposta de protocolos de segurança para a prevenção, a convenção e a neutralização de

agente agressor bioativo em incidentes bioterroristas e estudo por docking molecular do fator letal do Baccilus antracis (Antraz). 2010. 116 f. Dissertação (Mestrado em Biotecnologia) – Biotecnologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010.

Infecção gastrointestinal é em decorrência da ingestão de carne contaminada (cru ou mau passada), aparecendo os sintomas de inflamação aguda do trato gastrointestinal, perda de apetite, náuseas, febre com dores abdominais, vômitos com sangue e diarreia severa. Este tipo de contágio resulta de 25 a 60% de mortes.226

Atualmente há informações como uma quarta forma de infecção pelo antraz, com o uso de drogas injetáveis, que caem diretamente na corrente sanguínea, podendo ser disseminado em diversas partes do corpo, onde provoca infecção grave nos tecidos moles e abscesso profundo sob a pele ou músculo onde houve a injeção, necrosando e por ser uma infecção sistêmica, o tratamento é difícil. Tal infecção foi percebida na Inglaterra, sendo vítimas usuários de heroína. O diagnóstico é realizado por coloração de Gram e a cultura de tecido ou sangue, e com teste por PCR e para tratamento usam-se antibióticos, no geral, e como uma terapia alternativa a cirurgia, para retirada o local afetado. Estes casos foram no Reino Unido, com sete casos, um na Escócia e no País de Gales.

Houve teste durante a segunda guerra mundial pelo exército britânico lançando esporos de antraz, contaminando o solo de uma ilha perto da Escócia durante 36 anos. Nos anos 40 o Japão utilizou o antraz como arma biológica contra a China, e em 1979 pelo menos 68 pessoas morreram na União Soviética em um acidente com o antraz em um laboratório na cidade de Sverdlovsk, e também, no Zimbábue entre os anos de 1978 a 1980, com 10 mil casos.227

O diagnóstico poderá ser realizado utilizando a técnica de coloração de Gram com, por exemplo, da pele contaminada, do sangue ou líquido cefalorraquidiano (LCR), e também através da visualização de bacilos Gram positivos encapsulados, sendo que a cultura em ágar sangue tendo a incubação entre 18 a 24 horas, apresentando colônias de cor acinzentadas, na forma plana, entre 2 e 5 mm de diâmetro, possuindo as bordas irregulares, mas as referidas colônias devem ser encaminhadas para laboratório para confirmação. Outro diagnóstico mais rápido é realizado com técnicas como ELISA e PCR, mas caso haja suspeita de contaminação deve-se iniciar o tratamento o quanto ante, mesmo sem a confirmação228.

Para tratamento, infelizmente não há estudos clínicos com comprovação cientifica com uso de metodologia e em especial por inalação, mas geralmente incluem doses muito altas de antibióticos como a penicilina, tetraciclinas, eritromicina ou cloranfenicol, mas para o

226

DIXON, T.C. et al. Anthrax. The New England Journal of Medicine, v. 341, p.815, 1999.

227 Cuña, E. Saúde.com.br. Antraz: conheça a arma do terrorismo biológico. Disponível em:

<http://www.saude.com.br/site/materia.asp?cod_materia=196>. Acesso em: jul. 2014.

contágio pulmonar, o melhor tratamento é com doxiciclina ou ciprofloxacina, mas administrado logo após o contágio, mas esta última não sendo administrada em humanos, apenas cobaias.

A profilaxia, após a exposição, deve ser seguida de um regime com antimicrobianos como no caso de tratamento de casualidade em massa e obrigatoriamente ser administrado por 60 dias.

Existe uma vacina, porém, não há padronização, tendo alto custo de produção e com necessidades de repetidas doses, além de efeitos colaterais. A vacina provoca reações alérgicas com 30% consiste em vermelhidão, inchaço do antebraço e reações sistêmicas menos de 0,2% dos pacientes, onde mulheres grávidas devem ser vacinadas somente quando indispensável. A administração da vacina é longa em terno de 18 meses, apenas pessoas expostas a alto risco de contaminação, trabalhadores rurais e as forças armadas americanas.229

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (páginas 173-177)