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Limiar epidêmico controle da infecção

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (páginas 157-161)

5. ATUALIDADE E PERSPECTIVAS: ÉTICA E BIOÉTICA

8.5 Limiar epidêmico controle da infecção

Estes conceitos são muito importantes particularmente no caso de bioterrorismo onde, após o ataque, o gerenciamento da crise estabelecida se baseia essencialmente no controle da infecção.

A propagação da epidemia pode ser medida conforme uma lei geral de ação das massas, alastrando-se rapidamente quando houver grande concentração de pessoas suscetíveis ao agente causador da infecção, onde esta taxa de infecção pode ser expressa teoricamente como a taxa de reprodução do patógeno (R0), a qual é definida como sendo o número de

infecções secundárias do indivíduo infectado dentro de uma categoria particular de risco, onde a epidemia é expressa pela equação196:

R

0

=βcD

Nessa equação, β é a probabilidade média de sucesso de infecção de um contaminado; e

c

o número médio de susceptíveis expostos a um indivíduo infectado durante o período médio (D) da fase contagiosa.

Conforme derivação desta expressão, quando o R0 > 1 a quantidade dos infectados

crescerá exponencialmente (cadeia de infecção), criando uma epidemia; se R0 < 1 a epidemia

não se auto sustenta e é propensa a desaparecer; se o R0 = 1 o agente agressor persiste

endemicamente, mas de forma estável, na população, podendo ocasionar epidemias, persistir ou se extinguir conforme as flutuações de R0 neste estado. Como exemplo, podemos citar o vírus da poliomielite que antes da vacinação o seu fator era R0 = 5.

Em outras palavras, Ro > 1 é o fator que permite o vírus invadir uma população. R. M. May197 também o define como uma propriedade Darwiniana do patógeno. Para um patógeno invasor persistir numa população é preciso que o número de suscetíveis seja suficientemente grande para garantir a permanência da infecção na população. Se uma população é pequena, o patógeno invasor rapidamente se espalha causando epidemia e, em seguida, desaparece. Isto

196 GOMES, M. C. Dinâmica de Doenças Infecciosas; Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa;

Disponível em: <http://webpages.fc.ul.pt/~mcgomes/aulas/biopop/Mod7/Text%20%20Model.pdf>. Acesso em: jul. 2014.

197 MAY, R.M. Ecology and evolution of host-virus associations. In: SS Morse ed., Emerging viruses. Oxford

resulta do alto grau de imunidade na população (imunidade de grupo), restando uma fração mínima de suscetíveis incapaz de sustentar a manutenção do patógeno viral na população. Este só voltará se for reintroduzido outra vez. Por outro lado, se a população for suficientemente grande para restar uma fração de susceptíveis que garanta a manutenção da infecção na população (renovação de susceptíveis por nascimento), o patógeno se mantém em baixo nível de infecção até que, num futuro, a taxa de suscetíveis atinja um limiar suficiente para garantir novas epidemias. Um exemplo típico eram as epidemias de sarampo e caxumba no início dos anos escolares antes da era vacinal. Portanto, um patógeno infeccioso só se mantém numa população quando esta possui uma massa crítica de suscetíveis.

M.S. Bartlett198 mostrou que o vírus do sarampo só consegue se mantiver numa população quando esta tem um tamanho mínimo de 300 mil pessoas, o suficiente para que um mínimo de 30 nascimentos novos por ano proporcione o número mínimo de susceptíveis capaz de manter o vírus do sarampo circulando na população. Este número também é o de susceptíveis que resulta, em média, após uma epidemia (considerando a transmissão deste vírus eficiente, com período de incubação de 12 dias e período de contágio de 6 dias). Esta e outras doenças com semelhante epidemiologia não teriam existido na época em que éramos caçador-coletores, exceto como zoonoses, sendo provável que estas doenças tenham aparecido quando os primeiros povoados foram criados e a população assentada aumentou. De fato, essas doenças têm hoje nos humanos seus únicos reservatórios.

Numa epidemia, a fração de susceptíveis torna-se progressivamente muito pequena, até a transmissão cair a zero, quando então acaba a epidemia. As epidemias não retornam rapidamente porque a imunidade de grupo é mantida elevada na população após o ataque, até que surjam suscetíveis suficientes para uma nova onda de contágio viral. Este fenômeno é conhecido como Teorema do Limiar (formulado por Kermack e McKendrick em 1929)199, cujo enunciado é o seguinte: “deve haver um número crítico (limiar) de suscetíveis numa população para que uma epidemia possa ocorrer”. Isto significa que se introduzirmos alguns indivíduos infectados numa população, isto não resultará em epidemia se o número de suscetíveis estiver abaixo do valor crítico; do contrário, teremos uma epidemia.

A erradicação de uma doença viral de uma população através de vacinação periódica em massa está baseada no fenômeno limiar. Procura-se manter a imunidade de grupo

198 BARTLETT, M. S. Measles periodicity and community size. J. Roy. Stat. Soc (Ser. A). v. 120, p. 48-70, 1957. 199 Kermack, W.D.; McKendrick, A.G.; A contribution to the mathematical theory of epidemics. J. Royal Statist.

(artificialmente induzida) constantemente elevada através de campanhas periódicas. Não é necessário que 100% da população seja imunizada, senão que o seja numa proporção significativa, digamos, em torno de 80%, o suficiente para manter a população persistentemente abaixo do limiar epidêmico, ou seja, com Ro < 1.

Isto levou à erradicação da varíola no mundo e à supressão da poliomielite no Rio de Janeiro.

O conceito convencional de limiar epidemiológico está baseado na idéia de que a população em estudo está em equilíbrio (steady-state), ou seja, se mantém mais ou menos fixa, variando tão lentamente que podemos considerá-la constante, quando a escala de tempo do fenômeno examinado é bem menor que a do crescimento da população, como é o caso de uma epidemia, que em geral pode durar dias, semanas ou alguns meses na vida de uma comunidade. Este é o raciocínio comumente utilizado em ecologia de populações e tem por fundamento a dinâmica do crescimento logístico.

Dentro deste raciocínio, a fração de susceptíveis é previsível e mais ou menos fixa, portanto, sendo a natureza dos princípios epidemiológicos determinística. Populações, contudo, não têm o equilíbrio como regra ou lei, e podem exibir comportamento oscilatório ou, em alguns casos, caótico. Como exemplo, vamos considerar uma população de insetos com gerações não superpostas, sendo λ a taxa de reprodução por geração. Considere que parte desta população é infectada por um vírus e morre no estágio de desenvolvimento antes de atingir a idade de reprodução200.

A dinâmica desta infecção letal será dada pela equação discreta:

N

t+1

= λN

t

[1 – I(N

t

)]

sendo I(Nt) a fração de indivíduos infectados removidos na geração λNt. A relação 1 – I(Nt) é uma forma do Teorema do Limiar218 cuja expressão é:

1 – I = e

(-INt/NT)

200 MAY, R. M. Regulation of populations with non-overlapping generations by microparasites: a purely

Tal que:

[1 – I(N

t

)] ~ [1 – I] = e

(-INt/NT)

logo,

N

t+1

= λN

t

e

(-INt/NT)

A iteração desta equação revela uma dinâmica não-linear típica, variando seu comportamento segundo a faixa de valores assumidos pelo parâmetro de controle (λ), portanto, exibindo comportamento de equilíbrio, oscilações variadas ou caos (dinâmica instável sensivelmente dependente do estado inicial).

Por exemplo, as epidemias imprevisíveis de viroses infantis agudas (ex.: sarampo) que ocorriam antes da vacinação coletiva, entre os períodos inter-epidêmicos, mostravam uma dinâmica caótica216. Ora, isto nos chama a atenção para a emergência e re-emergência do vírus ser um fenômeno possivelmente decorrente de uma dinâmica caótica, o que explicaria a imprevisibilidade destas ocorrências e as típicas oscilações irregulares que exibem durante o seu curso.

O comportamento não linear das epidemias questiona o conceito de limiar epidemiológico como um parâmetro determinístico, isto é, sua natureza previsível. A teoria do caos ensina que populações podem exibir comportamentos distintos segundo o valor de seus parâmetros, que podem mudar p. ex., se a reprodução é afetada ou se um determinado comportamento social passa a ser adotado pelo grupo (convivência com outros rebanhos, povoamento de novos ambientes, aquisição de novos costumes sexuais ou alimentares, dentre outros). Esta é uma questão muito importante a se considerar, para evitar cair no jargão de responsabilizar as infecções emergentes ou re-emergentes a “alterações ecológicas”, “invasão

de nichos ecológicos”, “miséria do terceiro mundo”, etc., que são nada mais que expressões

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (páginas 157-161)