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ANTROPOFAGIAS COMO COMPARTILHAR

No documento Arte e antropofagia (páginas 69-73)

Alexandre Nodari questiona sobre a versão clássica da antropofagia diz que a “absorção de propriedades ou qualidades do outro diz muito mais a respeito ao Ocidente que aos ameríndios. Trata-se de uma concepção intimamente ligada às de acumulação e identidade: incorporar características do outro para si” (NODARI, 2007:120). Nesse sentido, buscamos afirmar outras relações entre corpos e presenças na antropofagia, nas conexões e questionamentos que estabelecemos, REDEmensionando nossos corpos e presenças na relação com o outro, nos questionamentos entre corpos, nas absorversões e

atraversamentos entre corpos em relação imediata e mediada por tecnologias.

Michel Melamed, ao ser questionado em entrevista sobre a atualidade da Antropofagia, fala sobre a sua aproximação com o tema da Antropofagia a partir do espetáculo Regurgitofagia:

o que me ocorre quando você me pergunta Antropofagia hoje? É que... claro que sim, antropofagia amanhã, mais do que nunca. Desde o advento da globalização e das velhas mídias, o que se convencionou de chamar novas mídias principalmente a internet e todas as tecnologias que estão associadas à ela, então mais do que nunca esse modelo de deglutição de tudo é o que todos compartilham o tempo todo, não é atoa que usei inconscientemente a palavra compartilhar (MELAMED, 2013).

A Antropofagia como compartilhar em Michel Melamed, assim como em Evando Nascimento, mas a metáfora do compartilhamento em Melamed parte da relação com os compartilhamentos em rede da internet, não como um modelo, mas como atuar no atual real e virtual, analógico e digital.

70 No entanto, se pensamos a Antropofagia como tradição brasileira, pensamos conforme Evando Nascimento que “se modelos são inevitáveis, que pelo menos se deixem multiplicar” (NASCIMENTO, 2011: 352) e, portanto, conforme João Cezar Castro Rocha, talvez seja necessário desnacionalizar e desoswaldiar a Antropofagia, para além do Brasil, para além do autor, Oswald de Andrade, para que a Antropofagia se deixe multiplicar em Antropofagias.

Mas o que eu estava dizendo é que em tese ou ao menos fazendo uma força para que isso seja verdade, nós somos especializados ou já temos experiência prévia com essa lógica em vários níveis, seja com o nosso modelo de colonização ou de barbarização, seja qual for a palavra que a gente queira escolher, mas que é feito de todos esses atravessamentos até o próprio Manifesto do Oswald de Andrade e a Arte moderna brasileira, então essa lógica que hoje pode ser em muitos países do mundo uma novidade, do espírito da época da contemporaneidade no Brasil é uma coisa que a gente está pensando e se relacionando há muito tempo. Então poderia ser uma vantagem, ou é uma vantagem ou é mais um atributo para nós brasileiros e um conforto para se relacionar com o mundo. O mundo contemporâneo e o mundo por sua vez (MELAMED, 2013).

A partir da riqueza da Antropofagia de Oswald de Andrade, aqui antropofagias, referindo-se às diversas devorações da Antropofagia e à Antropofagia em questão proposta pelo filósofo Evando Nascimento que considera a conceituação de Tecnofagias, no plural e na pluralidade de suas nutrições a partir da (in)versão da relação de predação, de devoração do outro, a partir da noção de compartilhar-se com, pois considera a possibilidade das Tecnofagias, com as tecnologias atuais, reais e virtuais, analógicas e digitais, seria

um termo belíssimo, desse modo, que é uma tecnologia alimentando a outra, não para destruir, é o alimentar para reproduzir, o diferencial do meu pensamento ensaístico sobre a Antropofagia é (...) não tanto a devoração, que a devoração seja apenas um dos elementos, mas o compartilhar, (...) é o comer junto (...). Nessa tecnofagia que está se propondo a falar não é a devoração, por que a imagem que se tem do devorativo é eu devoro, destruo o outro e o assimilo, e eu penso muito mais no compartilhar, no comer junto, no banquete, na orgia corporal, que pode ser metafórica e pode ser real e concreta evidentemente. E às vezes a diferença entre uma e outra é complexa e difícil de ser estabelecido (NASCIMENTO, 2013).

O autor parte da Antropofagia de Oswald de Andrade para propor sua própria Antropofagia devorada, a Antropofagia como compartilhar. No entanto, devoramos a Antropofagia como compartilhar, para multiversar as antropofagias como tecnofagias onde o matar torna-se atuar com o atual e a fagia como energia nutriz e motriz se daria nas redes sócias online e off-line, no compartilhar, nos atraversamentos e absorversões em movimento por ruas e redes e nos REDEmensionamentos do atuar o atual,

71 antropofágico pois tecnofágico, onde o sufixo fagia ´compreendido como compartilhar, seria todo o contrário da versão de absorver para acumular as qualidades alheias, mas no compartilhar, REDEmensiona-se no nutrir-se com.

No compartilhar, as antropofagias como tecnofagias, REDEmensionam a multiplicidade de vorações, seja nutrir-se da voz ou nutrir a voz na relação direta e mediada com as multidões nas ruas e nas redes, seja no nutrir-se e no nutrir dessas e nessas multidões de corpos, presenças e vozes, cantos, em movimento polifônico,

multivoro, onde voro seria simultaneamente voz e comer, alimentar-se e alimentar,

cantar, falar, gritar, sonar multiversos, multi-alimentação, isto é, a multiplicidade de possibilidade de compreensão das noções de antropofagia(s) com tecnofagias nas conexões que estabelece e nos compartilhamentos, no nutrir e nutrir-se nas redes (online e off-line).

Para Evando Nascimento “a questão que aflora de imediato, se haveria outra forma de se relacionar com o outro, autóctone ou não, europeu ou não, que não implica simplesmente de devorá-lo? ” (NASCIMENTO, 2011:331) e questiona a Antropofagia de Oswald de Andrade é “um gesto de compartilhar, ao invés de devorar o outro, comer junto, compartilhar” e para exemplificar, usa a obra de Lygia Clark “Baba antropofágica”:

(...) aquilo é compartilhar, é uma experiência corporal, múltipla, são diversos indivíduos ali, a relação entre sujeito e objeto se perde, que é uma coisa fundamental no meu trabalho, essa quebra de fronteira sobre quem é sujeito ativo e quem é objeto, esta todo mundo ali, misturado na baba antropofágica e você tem um elemento ali que une todos os participantes ou participadores que é uma categoria do Oiticica que eu adoro, em vez do espectador o participador. Então enquanto participador o que é fundamental é poder compartilhar, acho que é a multiplicidade da Antropofagia (NASCIMENTO, 2013).

Em relação à atualidade da Antropofagia de Oswald de Andrade, Evando coloca-se “(...) não como autoridade da Antropofagia, e nem especialista em Antropofagia”, se é que isso existe, mas fala do lugar de “interessado, de participador desse tema” (NASCIMENTO, 2013), isto é, ao invés de autoridades em Antropofagia, pensamos as alteridades nas antropofagias como tecnofagias, na atuação no atual das antropofagias como tecnofagias. O autor continua sobre a proposição da Antropofagia como compartilhar e propõe-se a:

pensar ao invés de necessariamente ser o sujeito que toma o outro como um objeto que devora, assimila e faz outra coisa, compartilha, come junto, é trazer (...) para o banquete, ao invés de devorá-lo, que faça, enquanto vivo e não enquanto morto, parte do banquete, então

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isso é mexer um pouco na versão tradicional simbólica do gesto antropofágico ou antropófago (...) (NASCIMENTO, 2013).

Nascimento afirma a relação com outras noções de Antropofagia, o que nos aproxima da possibilidade das antropofagias como tecnofagias, ambas no plural, uma vez que no texto “Antropofagia em questão”, o autor questiona, isto é, come a antropofagia, a antropofagia absorvida, absorversada, que faz parte do Livro “Antropofagia Hoje? Na parte intitulada “RELEITURAS”, outras perspectivas, onde apresentam outras perspectivas da Antropofagia e sobre ela. Pensamos as antropofagias com tecnofagias em e com todos os sentidos e sentires, em relação direta e mediada simultaneamente, não uma em substituição da outra, não a mediação substituindo a presença direta, mas seus atraversamentos e absorversões que REDEmensionam as antropofagias como tecnofagias e as noções de corpo e presença para a dimensão relacional e em rede, questionando, isto é, absorversando as assimentrias. Nascimento pensa em primeiro lugar em

romper com essa diferença entre sujeito e objeto, que todos possam ser sujeito e objeto, que possa devorar e ser devorado, a coisa orgiástica que é maravilhosa, tanto simbólica quanto física, e ao mesmo tempo há algo em comum que nós compartilhamos que é essa baba antropofágica, então o meu verbo seria devorar sim, mas sobretudo, compartilhar o ato de devoração (NASCIMENTO, 2013).

Evando Nascimento a respeito da Antropofagia, no texto “Antropofagia em Questão”, questiona uma leitura única da Antropofagia, ou seja, ainda que Evando Nascimento diga que não sabe se subscreveria a noção de Tecnofagias, tanto de Giselle quanto a noção de tecnofagias pensada, em minúscula, mas ainda no plural, diz que o termo “soa bem, tecnofagia, é forte” (...) e continua dizendo que percebe na escolha do termo tecnofagias, no plural

um princípio que é ao mesmo tempo uno e plural, já forjodo numa palavra que coloca no plural e impede que se feche isso como categoria identitária. (...) E concidera o que chama de uma das vertentes, vertente não como corrente, mas vertente como possibilidade ou como virtualidade da antropofagia é a questão do gênero e da sexualidade, em sua multiplicidade (...) (NASCIMENTO, 2013).

Da Antropofagia de Oswald de Andrade às Tecnofagias (2012) de Giselle Beiguelman, questiono a síntese e afirmo o diálogo e o compartilhar entre corpos, presenças e linguagens na criação artística para a multiplicação das antropofagias como tecnofagias, na simultaneidade das relações entre o humano e as linguagens, ambos abertos ao transitar entre diversas possibilidades, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros,

73 roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros... caminho. Absorverso ao atraversar caminhos, REDEmensionando-(me).

Antropofagias como tecnofagias não apenas a partir da absorção do outro, mas da absorção com o outro. Nutrições mútuas. Nesse sentido, a noção de compartilhar aparece tanto em Evando Nascimento quanto em Michel Melamed, no entanto, enquanto Nascimento pensa o gesto antropofágico, isto é, a Antropofagia hoje como compartilhar, Melamed assim como Nascimento pensa a devoração, isto é, o gesto antropofágico, como o aquilo que compartilhamos. A palavra compartilhar aqui não qualifica o gesto antropofágico, mas a devoração qualifica o gesto de compartilhar. A Antropofagia compartilhada, e não a Antropofagia como compartilhar. O que nos interessa, pois as devorações compartilhadas multiplicam a antropofagia a cada singularidade e a cada novo compartilhamento. O compartilhar permite a devoração, a voração online e off-line, vorar como comer e como falar, nesse duplo sentido. O pensamento de Nascimento e Melamed se complementam, e a possibilidade de trocas, de alimentar-se do outro e alimentar o outro, em relação direta e mediada, se dariam através das redes sociais online e off-line. Na internet e nos compartilhamentos.

No documento Arte e antropofagia (páginas 69-73)