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DA ANTROPOFAGIA E DA ATUALIDADE DA ANTROPOFAGIA

No documento Arte e antropofagia (páginas 65-69)

Hoje pensamos a simultaneidade de carroças à tração animal e humana, catadores de restos do consumo, metrô, trem, ônibus, bicicletas, helicópteros, aviões, câmeras por toda parte, o tráfego aéreo de drones, os corpos em movimento pela cidade com seus aparelhos celulares, tecnologias móveis. Entre a mobilidade nas ruas e nas redes, velocidades de deslocamento e de conexão, os fluxos e trânsitos de corpos e dados, nas vias e infovias, os descolamentos e a mobilidade em relação direta e mediada.

Para os organizadores do livro “Antropofagia Hoje?”, na atualidade, diante da multiplicidade de estímulos, a Antropofagia seria “a capacidade de apreender experiências simultaneamente, a capacidade de lidar de maneira produtiva com essa simultaneidade, com o diverso, sem estabelecer hierarquias, nem exclusões a priori”. E complementando a argumentação sobre a atualidade da antropofagia, os autores dizem ser “o homem antropofágico um cibernético avant la lettre que se adequa à atualidade”.

66 Compreendendo as atuações no atual, real e virtual, nas absorversões e atraversamentos no analógico e no digital, buscamos os REDEmensionamentos dos corpos e presenças, nos trânsitos entre as ruas e as redes, isto é, redes sociais off-line e nas redes sociais

online (Castells).

Para Nascimento a Antropofagia hoje “é o modo como cada um de nós, artistas, professores, intelectuais, vivenciamos esse legado oswaldiano e como utilizamos evidentemente isso” conforme a entrevista em anexo (NASCIMENTO, 2013).

Em entrevista em Anexo com Rejane Cantoni e Leo Crescenti questionam a antropofagia em suas obras ao afirmarem que tanto na maneira de produzir como nos diálogos que estabelecem tanto local quanto globalmente, estão pautados “na ideia da evolução e da troca”. Assim, não estariam “devorando nada, mas (...) trocando o tempo inteiro” (CANTONI e CRESCENTI, 2013), portanto, pensam mais numa antropotroca que numa antropofagia.

Nesse sentido, a noção de antropotroca de Rejane Cantoni e Leo Crescenti, se aproxima da noção de antropofagia para além da noção clássica de absorção da força do outro ao absorver a carne e as qualidades do inimigo guerreiro, pois pressupõe a troca, assim como no perspectivismo ameríndio fala sobre a troca de pontos de vista, troca de perspectivas, pensamos as antropofagias, assim como as antropotrocas, como nutrir as relações, nutrir-se nas relações, nesse sentido, aproxima-se da noção de antropofagia como compartilhar.

Rejane Cantoni fala sobre o corpo e a relação entre o corpo e a obra, num mundo onde segundo a artista, estaríamos num mundo onde “todo o corpo está se integrando” (CANTONI E CRESCENTI, 2013). Ainda em relação entre o corpo e as tecnologias, para a artista, teríamos:

(...) interfaces táteis o tempo inteiro avisando a gente coisas, o telefone vibra, a gente tem muitas informações por todos os sentidos, para todos os sentidos, desenhados cada vez mais para todos os sentidos, então neste momento a gente pode dizer que os discursos são múltiplos. Eles estão operando todos os canais da percepção humana, e isso é um avanço, eu vejo isso como um processo evolutivo, não como um processo devorativo. E o processo da troca onde a gente desenhando melhor para o corpo, entendendo melhor o corpo, a gente consegue desenhar dispositivos de comunicação mais eficientes e isso naturalmente implica em novas trocas, maiores, mais positivas, mais expandidas (CANTONI E CRESCENTI, 2013).

A expansão e ampliação da noção de corpo e de obra na relação com as tecnologias e seus REDEmensionamentos a partir das tecnologias, isto é, linguagens, criadas para o aparato sensorial corporal.

67 Os corpos e as obras de Arte, as obras tendo interfaces que redimensionam e potencializam os corpos com seus sentidos, as obras de Arte e o sensório, as tecnologias e o sensorial, o corpo absorversa as tecnologias e multiplica-se criando corpos.

Em entrevista em anexo, Michel Melamed fala da relação entre a antropofagia hoje e a internet:

A internet, por exemplo, se tornou um fórum permanente de desenvolvimento e debate do movimento, (...) então todo mundo se deglutindo, isso no melhor sentido, obviamente, sempre, mas... (...) nunca é tarde para realçar o aspecto da antropofagia e da deglutição, como uma loa, uma louvação, como um elogio do que você se apropria. Então não é uma coisa destrutiva, é ao contrário, você está se alimentando desse outro que é o guerreiro, então (...) antropofagia ontem, porque é o modo de operação que você vê predominante no mundo todo, em comunicação através da rede, as pessoas se alimentando umas das outras, através da edição, da tecnologia editando, misturando todos os materiais, se alimentando de tudo, rompeu-se até essa questão geracional, cronológica, tem tanta coisa que está em jogo com esse... aí não é atoa, eu naturalmente já ia falar esse vômito, eu estou sempre pensando essa Antropofagia como Regurgitofagia, mesmo que seja a mesma coisa de alguma, maneira, mas é a palavra, é um vômito constante para todos os lados, acho que a gente está comendo e vomitando ao mesmo tempo, é uma coisa incessante (MELAMED, 2013).

A noção de antropofagia apresentada por Nicolas Bourriaud em entrevista realizada mim em 201528 ao comparar a noção de multiplicação de energia Altermodernidade proposta pelo autor como a metáfora da relação energética atual, comparo a possibilidade da Antropofagia na Altermodernidade ao compartilhar, proposto por Evando Nascimento em seu questionamento da Antropofagia. Apesar do autor compreender a “antropofagia como compartilhar” em algum sentido, ao ser questionado sobre aproximação que faço entre a antropofagia atual como compartilhar, e as características da Altermodernidade proposta em seu livro Radicante, pensando uma possível antropofagia altermoderna, o autor responde:

Eu acho que pode ser, eu só estou pensando alto, que poderia ser uma antropofagia sem substância, privado da noção de substância, porque o antropofágico, a antropofagia clássica, era sobre assimilar a substância

28 Original em Inglês: Diego Azambuja: You are talking about the multiplication and i thought about an interview that i did with a

Brazilian philosopher called Evando Nascimento, and he asked me what is my notion of anthropophagy? And he proposes another lecture of the anthropophagy today, and he said about the word and the act of share as this new way, we are sharing all the times on internet. Nicolas Bourriaud: Anthropophagy is a sharing in a way. Diego Azambuja: So how could be the altermodern anthropophagy? So perhaps share could be an altermodern anthropophagy? Nicolas Bourriaud: I think it might be, I just thinking loud, it might be an anthropophagy without deprived of the notion of substance, because anthropophagic, the classical anthropophagy, was about assimilating the substance of this contained into the body you are actually consuming. In New Guiné, for example, some tribe, Dayak, were eating or reducing the heads of the hunters or the warriors of the other tribes to acquire their physical abilities, to acquire the power, in a way, that´s substance! The idea that there is substance contained into the body, by the body, actually. I think if there is any anthropophagical thought today, it might be anthropophagy without substance. Where the notion of substance doesn´t exists anymore. And maybe is just... what could it be that? And that would be the interests of the question! But I think the notion of substance, which is the idea of origins, in a way, it´s not equal, but it´s linked with the notion of origins, it´s metaphysical belief in the inner power of the body, I think this idea of the body without origins, without substance, might be a thread to follow.

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contida no corpo, ou seja, na verdade você está consumindo. Em Nova Guiné, por exemplo, uma tribo, Dayak, estavam comendo ou reduzindo a cabeça dos caçadores ou dos guerreiros das outras tribos para adquirir as suas habilidades físicas, para adquirir o poder, de certa forma, isso é substância! A idéia de que há substância contida no corpo, pelo corpo, na verdade. Eu acho que se houver qualquer pensamento antropofágico hoje, pode ser a antropofagia sem substância. Onde a noção de substância não exista mais. E talvez é apenas ... o que poderia ser isso? E isso seria do interessante da pergunta! Mas penso que a noção de substância, que é a idéia de origens, de certa forma, não é igual, mas está ligada à noção de origens, é a crença metafísica no poder interior do corpo, acho que essa idéia do corpo, sem origem, sem substância, pode ser caminho a seguir (BOURRIAUD, 2015).

Em Nicolas Bourriaud a Antropofagia é compreendida a partir da antropofagia clássica, da qual Oswald de Andrade e os artistas escritores da Revista de Antropofagia se nutrem para escreverem tanto o manifesto quanto os outros textos que compõe as duas edições-dentições da Revista e, portanto, ao comparar a antropofagia atual à uma antropofagia altermoderna, questiona a atualidade da antropofagia na altermodernidade por considerar que em termos energéticos, os tempos altermodernos, ao contrários dos tempos modernos e pós-modernos, a metáfora energética desses tempos seria a radicalidade e a explosão, enquanto os tempos altermodernos, a metáfora energética não seriam mais a explosão, mas a multiplicação de energia a partir da radicância, isto é, ao caminhar e criar suas raízes em movimento, o que nos aproxima da noção de

absorversão e atraversamento, a ainda com as relações entre o movimento nas ruas e

nas redes, e os trânsitos reais e virtuais, a que se refere como trajetórias e Oswald de Andrade como roteiros, a relação da Antropofagia no atual, altermoderno ou não, seria entendida não como absorção e acúmulo, nem como transformação de energia (conversão), mas como multiplicação de energia, versões com, com versar, versar ações, multiversos, multiversalidades, multiversais, nesse sentido, atuamos fagicamente no atual REDEmensionado e multiversado na criação de energia comum e com muitos, na relação direta e mediada.

Portanto, para Bourriaud, a questão da antropofagia seria a substância, ou seja, ao colocar a antropofagia em questão, e nesse caso, a antropofagia clássica, ao questionar a substância e a própria noção de corpo, um corpo sem origem e sem substância, põe em questão as noções de corpo e de presença, pois, que corpo é esse sem substância? Que absorversões são estas entre corpos? Poderíamos pensar a relação entre o corpo carne e o corpo-luz da telepresença como sem substância? No entanto, quando pensamos na antropofagia como compartilhar, se não há substância, então o que

69 se compartilha? Ainda que na relação atual, entre o real e o virtual, nos atraversamentos entre o analógico e o digital, haja a desmaterialização e digitalização desses corpos e presenças que se REDEmensionam em seus atraversamentos e absorversões nas ruas e nas redes, esses corpos carne e esses corpos luz, teriam substância. Há uma origem, ainda que essa presença seja sem substância nas redes, isto é, corpo-luz, ele tem uma origem, o corpo-carne. Nesse sentido, nos atraversamentos entre o real e o virtual, no atual nos REDEmensionamentos dos corpos e presenças, criam-se corpos, de outras substâncias, luminosa em absorversões entre corpos e presenças.

No documento Arte e antropofagia (páginas 65-69)