• Nenhum resultado encontrado

Ao iniciar este memorial acadêmico, ficamos imaginando quantas coisas foram aprendidas e quantas ideias equivocadas que tínhamos a respeito de avaliação, políticas públicas, pesquisa social e da relação pesquisador e pesquisado foram desconstruídas ao longo das disciplinas com as quais tivemos contato no Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP). Estas deram lugar a novos modos de pensar a realidade, tão flexível e mutável.

Aqui, pretendemos falar um pouco sobre como certos pensamentos estudados contribuíram para que melhor pensássemos nosso objeto de estudo, no caso, a assistência estudantil no IFCE, campus Fortaleza.

Foram de grande importância, para a análise do nosso objeto, as discussões realizadas na disciplina de políticas públicas no Brasil sobre o porquê do nascimento das políticas públicas. Estas, basicamente, serviam para “promover o crescimento econômico, acelerando o processo de industrialização” (BACELAR, 2000, p. 262) que vinha se afirmando, no Brasil, desde os anos 1940. Já o Estado tinha o papel de fornecer subsídios para que a acumulação privada se propagasse.

Com isso, inferimos que tal lógica das políticas públicas em geral, de impulsionarem o crescimento econômico do País, também pertence ao contexto da política de assistência estudantil, já que esta, além de minorar as desigualdades sociais, bem como a evasão escolar, também reforça a questão da oferta de mão de obra qualificada, principalmente naquelas áreas onde os profissionais são poucos (como telemática, mecatrônica), para propulsionar o crescimento econômico.

Soubemos, ainda na referida disciplina, mediante os estudos realizados com Bacelar (2000), que as políticas sociais não receberam a devida atenção das políticas públicas, sendo aquelas essencialmente compensatórias. Tal consideração nos fez pensar no porquê do caráter compensatório, e não de uma política pública de direito, que possui a assistência estudantil, já que esta é compreendida como “ajuda aos discentes mais pobres”, noção totalmente contrária à ideia da política pública como direito universal.

Ao falar sobre a universalização das políticas públicas, concordamos com Sposati, autora também estudada na supracitada disciplina, quando ela explana que aquela

não é só igualdade de acesso (a dita porta de entrada), mas, também, a igualdade da qualidade do padrão de atenção (a porta de saída). A universalização supõe a

aceitação da diversidade na entrada e o alcance da equidade de respostas

Tal afirmativa corrobora nosso pensamento quanto a quem a política de assistência estudantil deve atender. Nesse caso, deve atender a todos os alunos que dela precisarem, não devendo tal política ser direcionada apenas pelo critério “aluno que possui renda mais ínfima”, mas também por outros critérios que não levem em conta somente a questão econômica dos discentes, analisando também o contexto social, cultural no qual se encontram tais alunos.

Foi-nos esclarecido, ainda, que a concretização das políticas públicas se dá com

A identificação de um problema e a construção de uma agenda. Nesse sentido, a tomada de decisão não representa o ponto de partida das políticas públicas. Ela é

precedida de ações e processos que constroem o campo e o tema dessa política [...]

(FLEXOR; LEITE, 2007, p. 205, grifo nosso).

Assim, pudemos ver que a expansão do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e a entrada de alunos oriundos de classes sociais menos abastadas foram os “terrenos”, o processo de onde germinou a necessidade da criação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010, não sendo tal programa idealizado à toa, com uma finalidade encerrada em si mesmo.

Na disciplina de fundamentos do trabalho científico, ficamos surpreendidos e ao mesmo tempo encantados por termos deixado para trás certa ideia que tínhamos como correta, ideia esta formada através de leituras realizadas na graduação: a de que o pesquisador devia se manter neutro em relação ao seu objeto de estudo para que este não fosse maculado com suas suposições; graças às leituras realizadas em tal disciplina, descobrimos que é preciso, sim, ter uma interação entre sujeito-pesquisador e sujeito-pesquisado, já que “a própria realidade social é ideológica, porque é produto histórico no contexto da unidade de contrários, em parte feita por atores políticos, que não poderiam – mesmo que o quisessem – ser neutros” (DEMO, 2011, p. 19).

Enfim, foi-nos oportuno saber desse pressuposto porque ele traz consigo a obrigação de possuirmos um posicionamento político e ético quanto à finalidade da nossa pesquisa, quanto ao compromisso que possuímos com os atores sociais pesquisados (alunos que estão inseridos na política de assistência estudantil do IFCE, campus Fortaleza) que precisam do nosso estudo para melhor conhecer a realidade em que estão inseridos e, consequentemente, terem uma maior participação e entendimento da política voltada para eles.

Também na supramencionada disciplina, pudemos saber da importância de haver um “estranhamento” em relação àquilo que estamos pesquisando, pois nossa “familiaridade” com algo que sempre esteve à nossa volta pode fazer com que deixemos passar fatos e verdades

que compõem a realidade estudada simplesmente por acharmos tudo “muito natural”. Achamos que isso não ocorrerá na realização de nossa pesquisa, já que não trabalhamos diretamente com os sujeitos implicados na questão da assistência estudantil no IFCE, campus Fortaleza. Todavia, achamos necessário ter esse “aviso” em mente para não perdermos o foco de “estranhar” todos os elementos que formam nosso objeto de estudo, tendo, assim, um olhar mais apurado sobre as questões contraditórias (ou não) que o rodeiam.

O contato que tivemos com o texto “De que lado estamos?”, de Howard Becker (1977), na disciplina de fundamentos do trabalho científico, nos chamou a atenção quando o autor falou sobre a simpatia que porventura poderíamos ter em relação aos sujeitos que estávamos estudando e como essa simpatia poderia prejudicar nossa pesquisa se refutássemos, por exemplo, certos estereótipos que foram confirmados, na pesquisa, daqueles sujeitos estudados.

Daí, ficamos a pensar: temos uma grande simpatia por determinados sujeitos da nossa pesquisa (os alunos que estão na assistência estudantil), inclusive chegamos a deixar, bem claro, em uma entrevista com um deles, sobre a empatia que tínhamos por esse segmento, mas respiramos aliviados ao chegar à conclusão de que não teríamos coragem de ‘esconder’ certas descobertas sobre os discentes que poderiam nos decepcionar, pois acreditamos que é aí que está a beleza da pesquisa: descobrir que certos fatos sobre nossos sujeitos de estudo, que achávamos que não poderiam de nenhuma forma acontecer, aconteciam sim (ainda bem!), para nosso espanto e encanto. O que seria da pesquisa se não fossem esses “imprevistos”? Na nossa opinião, são exatamente eles que dão uma maior importância aos resultados que aquela trará.

Outra contribuição de grande valia tivemos com as leituras que realizamos na disciplina de métodos qualitativos. O texto “Meninos de rua: registros de uma etnografia”, de Hélio Silva (2001), nos mostraram as “surpresas” que a nossa pesquisa poderia conter e com as quais precisávamos saber lidar. O referido autor descobriu, ao adentrar o local onde seus sujeitos de estudo (os meninos de rua) se encontravam, que a rua era um local “seguro” para aquelas crianças, já que, em casa, a violência e a extrema pobreza não deixavam que lá permanecessem. Mais uma vez, foi-nos ratificado que nosso objeto de estudo pode ser uma “caixinha de surpresas”, não nos apresentando aquilo que parecia ser tão óbvio.

Ainda em tal disciplina, através da leitura do texto “Uma incursão pelo lado ‘não respeitável’ da pesquisa de campo”, de Caldeira (1981), tivemos conhecimento sobre a relação pesquisador-pesquisado. Tal relação, segundo a autora, seria uma

“relação de poder”: relação em que um requer um depoimento e o outro se vê na contingência de responder; em que um pede que tudo seja dito nos mínimos detalhes, e o outro se esforce por dizer a verdade que, no entanto, só o primeiro poderá revelar (CALDEIRA, 1981, p. 334).

Essa situação, segundo a autora, é aceita devido o pesquisador ser o “detentor” do saber científico, sendo tudo justificável “pelo bem da ciência”. Sendo assim, o pesquisado acaba ficando numa posição subordinada em relação àquele. Porém, acreditamos que tanto o pesquisador como o pesquisado são importantes e ambos possuem informações válidas que ajudarão a definir os resultados de uma pesquisa. Também acreditamos que eles possuem, igualmente, o conhecimento necessário para que a realidade seja desnudada. Portanto, o contato com a referida autora nos foi relevante para corroborarmos o pensamento que tínhamos em relação aos nossos atores sociais que serão pesquisados (discentes atendidos pela assistência estudantil e profissionais que operacionalizam tal política): que estes são tão necessários (ou até mais) quanto nós para que a pesquisa seja possível.

O texto de Alba Zaluar, “A aventura etnográfica: atravessando barreiras, driblando mentiras”, de 1984, também estudado na disciplina de métodos qualitativos, nos deixou muito pensativos ao expor certa situação que poderia acontecer na nossa pesquisa, mas que, em nenhum momento, tínhamos cogitado a possibilidade de acontecer conosco: mentiras que poderiam ser contadas pelo ator social pesquisado, durante uma entrevista. Zaluar (1984) passou por isso e só soube que tinha obtido mentiras na sua entrevista porque um dos seus assistentes lhe disse que o entrevistado havia mentido o tempo todo.

Sendo assim, ficamos a indagar: caso algum dos nossos entrevistados minta, como vamos saber? Não teremos nenhum assistente conosco como a referida autora, então, pensamos que a situação poderia se complicar muito para nós; todavia, para nos preparar perante esse empecilho, faz-se necessário ter em mente que “[...] as entrevistas eram discursos sobre significados, cujo sentido eu deveria buscar fora do dito [...]” (ZALUAR, 1984, p. 9). Portanto, aqui caberia a nossa capacidade de captar o que havia nas entrelinhas daquilo que nos era dito, não aceitando como suma verdade tudo o que nos afirmavam. Enfim, era preciso ir além das palavras; era preciso saber seu significado dentro de determinado contexto. Há também a possibilidade de fazer o confronto com documentos, relatórios etc.

Sobre a avaliação de políticas públicas (a alma do nosso estudo, acreditamos), muito aprendemos no decorrer da disciplina de planejamento e avaliação de políticas públicas. Ao estudarmos os vários tipos de avaliação, pudemos chegar à conclusão de que nossa avaliação

será a de impacto, já que pretendemos avaliar de que forma a assistência estudantil está incidindo sobre a vida dos discentes por ela atendidos e se houve uma mudança social.

Pudemos perceber que a avaliação possui uma dimensão muito maior do que imaginávamos. Aquela não é apenas definida como um instrumento que vai dizer se um projeto é bom ou ruim. Ela vai tentar compreender, de forma ampla, aquela realidade específica em determinado momento, tentando delinear os interesses em jogo, o dito e o não dito pelos atores sociais inseridos nessa realidade e surtir mudanças nesta. Aprendemos ainda que a avaliação não pode ser vista como algo simples, possuindo apenas um caminho para que seja bem feita, ela é permeada por contradições, por incertezas.

A avaliação de políticas e programas está embasada em duas dimensões (a técnica e a política), sendo um importante instrumento que possibilita aos sujeitos sociais o controle social das políticas públicas. É exatamente tal fato que nos ajudou a encontrar um motivo forte para fazermos a avaliação da assistência estudantil no IFCE, campus Fortaleza, pois desejamos, com a avaliação desse programa, tornar os sujeitos sociais que estão ligados a tal programa (alunos inseridos na assistência estudantil, assistentes sociais que operacionalizam essa política) conhecedores da forma como vem se desenvolvendo o programa e como ele poderia melhorar, expondo-lhes as potencialidades e deficiências da referida política naquele espaço onde se concretiza.

No MAPP, através da disciplina planejamento e avaliação de políticas públicas e das leituras que realizamos para realizarmos a seleção do mencionado mestrado, pudemos conhecer a avaliação em profundidade, que considera a avaliação não “como julgamento de valor, mas como compreensão” (RODRIGUES, 2011, p. 48). Sendo assim, segundo a autora, essa avaliação não está interessada se os objetivos de determinada política pública foram atendidos, mas prima, essencialmente, pela compreensão, pela vivência dessa política. Isso é muito importante para a realização da nossa pesquisa, pois faz com que fiquemos atentos a todas as facetas que compõem a política de assistência estudantil, ou seja, a reconstituição da trajetória dessa política, o contato com todos os atores sociais que nela estão envolvidos, o perfil dos alunos que estão inseridos na assistência estudantil etc.

Já que precisaremos saber tais facetas para termos uma compreensão ampla da assistência estudantil no IFCE, campus Fortaleza, precisaremos, certamente, de várias técnicas de pesquisa, e é justamente isso que a avaliação em profundidade defende, corroborando, assim, mais uma vez, a utilidade que tal avaliação terá para nossa pesquisa.

A disciplina de seminário de trabalho discente final foi imprescindível para melhorar nossa discussão acerca da assistência estudantil. Trabalhar as questões educação e cotas para

alunos hipossuficientes nas instituições federais foi essencial para que pudéssemos ter ideias mais claras sobre o porquê da necessidade da assistência estudantil.

Enfim, todo o caminho trilhado no MAPP possibilitará a construção de uma avaliação que permita um bom conhecimento sobre o objeto de estudo escolhido, não havendo, é claro, a ideia de que “tudo será descoberto”, de que nosso estudo esgotou todas as discussões que porventura possam suscitar sobre a assistência estudantil no IFCE, campus Fortaleza. Pelo contrário, desejamos que nosso trabalho possibilite outras reflexões acerca da problemática levantada e que tais reflexões possam contribuir, mais ainda, para que assistência estudantil seja ratificada como direito do discente dessa instituição de ensino e fortalecida nas suas ações através de uma avaliação organizada, que dê notoriedade a todos aqueles que estejam nela envolvidos.