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Capítulo 5: Análise da Representatividade e Eficiência das Unidades de

2. Caracterização das unidades de conservação selecionadas

2.1. APA Estadual dos Recifes de Corais RN

A Área de Proteção Ambiental Estadual dos Recifes de Corais, foi criada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, através do Decreto Estadual nº 15.476, de 6 de junho de 2001, sendo a mais recente UC criada no ecossistema recifal. Corresponde a “região marinha que abrange a faixa costeira dos Municípios de Maxaranguape, Rio do Fogo e Touros”. A APA está inclusa em um polígono demarcado por 6 pontos que inclui a plataforma rasa em frente a linha de costa que vai desde o Cabo de São Roque até o Cabo Calcanhar na porção nordeste do estado do Rio Grande do Norte (Mapa 4 – Encarte do cap. 3).

Trata-se de uma área composta por águas mornas (temperatura média de 26o C) rasas e límpidas na maior parte do ano, e por isso mesmo, submetida a um crescente processo de uso desordenado, sendo procurada por turistas durante todo o ano. O distrito de Maracajaú, no município de Maxaranguape, já é considerado o terceiro destino mais procurado do Rio Grande do Norte, perdendo apenas para Praia de Pipa e a capital, Natal (Marcelo Zsigmond, Maracajaú Divers, com. pess.).

Por ser uma unidade de conservação estadual, sua gestão cabe ao órgão estadual de meio ambiente, sendo nesse caso o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente – IDEMA o órgão responsável pela gestão das unidades de conservação do estado do Rio Grande do Norte. O IDEMA, da mesma forma que outros órgãos estaduais de meio ambiente, não possui estrutura compatível com suas atribuições e responsabilidades. Esse fato é principalmente notado uma vez que não existe a designação de um gerente ou gestor, ou mesmo qualquer técnico do órgão, para trabalhar na APA. O IDEMA pretende implantar postos avançados em algumas regiões costeiras e, segundo dados internos, a área da APA será uma das prioridades (Ana Marcelino, IDEMA, com. pess.). No entanto não há qualquer previsão da implantação desses postos.

Apesar da reconhecida riqueza e importância dos ambientes recifais em geral, não houve qualquer tipo de levantamento biológico, ecológico ou sócio-econômico antes

da criação da unidade e seus limites foram “planejados” apenas tomando-se como referência a carta náutica disponível com a localização aproximada dos parrachos (nome regional dado à formação recifal existente na área).

Para suprir a carência de informações, o IDEMA desenvolveu uma parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte no sentido de desenvolver um projeto específico para o mapeamento dos recifes locais, o “Projeto Mapeamento da APA dos Recifes de Corais”, que tem como proposta conhecer o meio físico da área, tendo, em sua etapa inicial, executado o mapeamento preliminar da porção meridional da APA, mas especificamente do Baixo de Maracajaú (Amaral et al, 2001 e Lima e Amaral, 2002, conforme já comentado no capítulo 3). O IDEMA pretende que os resultados desse estudo possam servir como subsídios aos demais estudos que levarão à elaboração do Plano de Manejo da APA.

A principal tentativa de implantação da APA foi quando, no próprio ato de criação da UC, o IDEMA incluiu (nos Artigos 6º a 10) a criação e instituição de um conselho gestor, de caráter consultivo, da APA. O Conselho já se reuniu quatro vezes, desde a sua criação em 2001. É formado pelo IDEMA (presidente), UFRN, Câmara de vereadores dos três municípios, Colônias de pesca dos três municípios, representante dos empresários, representante dos mergulhadores recreacionais, um membro da comunidade, SPU e Capitania dos Portos. Algumas ausências são marcantes na formação do conselho quando notamos que não existem representantes do IBAMA, órgão que continua sendo o responsável pelas ações de fiscalização na área da APA. Além disso, vale ainda comentar que a instalação do conselho se deu por pressão absoluta dos empreendimentos turísticos instalados na área de Maracajaú.

Devido a crescente procura turística à praia de Maracajaú a criação da unidade foi claramente precedida por pressão exercida pelos empresários que já estavam estabelecidos na região e necessitavam de licenciamento para suas atividades de turismo com mergulho, por isso mesmo a ausência de dados e estudos anteriores a sua criação. Esse fato levou com que o IDEMA criasse a UC visualizando, assim, uma oportunidade de ordenamento da área, bem como a possibilidade de atender aos diversos pedidos de licenciamento feitos por parte dos empresários locais.

As atividades turísticas na área de Maracajaú consistem, principalmente, do uso de flutuantes instalados no meio dos recifes (sendo 5 flutuantes e 5 catamarãs), distando aproximadamente 7,0 km da praia. Desse modo, algumas empresas fazem o translado dos turistas em lanchas rápidas e os desembarcam nos flutuantes que servem como base de apoio sobre os recifes (figura 23), enquanto que outras empresas transportam os turistas nos catamarãs. Atualmente existem sete empresas já instaladas na região (existiam até março de 2003 10 lanchas funcionando em Maracajaú).

Com base em um relatório fornecido por uma das operadoras de mergulho que atuam na área (Maracajaú Divers), foi verificado um aumento no número de “snorkeling” de cerca 4 vezes entre os anos de 1995 e 1997 (334 em 1995; 776 em 1996 e 1.402 em 1997); de mais de 20 vezes, entre 1995 e 1998 (7.082 em 1998); de mais de 80 vezes, entre 1995 e 1999 (27.275 em 1999) e foi de cerca de 100 vezes entre os anos de 1995 e 2000 (aprox. 30 mil visitantes no ano de 2000). Atualmente esses números chegam a capacidade máxima das empresas instaladas que é de 1.300 pessoas/dia, sendo que só a Maracajaú Divers chegou a atender 400 pessoas/dia, nos meses considerados de pico (dezembro-janeiro).

Figura 23: Turistas nas redondezas dos flutuantes sob os parrachos de Maracajaú (RN), ao fundo se vê mais 3 flutuantes. APA Estadual Recifes de Corais. (Foto: Ana Paula Prates)

Flutuantes

Antes da assinatura do decreto de criação da UC, os empresários reunidos com a prefeitura do município de Maxaranguape conseguiram suspender, por um prazo de 180 dias, a instalação e ampliação de quaisquer novos empreendimentos de visitação turística na área do baixo de Maracajaú (Decreto municipal nº 006/2001, de 19 de janeiro de 2001). O Decreto estipula o prazo de 180 dias para que sejam verificadas as condições de funcionamento dos equipamentos já instalados; disciplinadas as atividades turísticas e realizados levantamentos das condições ambientais dos ecossistemas existentes. O Decreto diz, ainda, que durante o período de suspensão, os atuais empreendimentos já instalados deveriam solicitar sua licença de funcionamento. No entanto, nem os estudos nem os licenciamentos foram sequer iniciados. Atualmente os parrachos de Maracajaú foram incluídos no programa de monitoramento dos recifes de coral – Reef Check Brasil. Quanto ao licenciamento, apesar de ter sido solicitado inúmeras vezes pelos empresários, o IDEMA ainda não se manifestou a respeito.

Nesse caso a situação é mais crítica quando notamos que todas as iniciativas de ordenamento partem exclusivamente dos empresários locais, que apresentaram ainda um documento ao IDEMA contendo uma “Proposta de limitação da atividade de mergulho recreativo, turístico e de lazer na APA dos Recifes de Corais, nos parrachos de Maracajaú”23. Nesse documento a maioria dos empresários solicita ao IDEMA que sejam realizados estudos de capacidade de carga dos recifes quanto ao turismo, incluindo a elaboração de diagnósticos da flora e fauna locais, solicitam ainda que sejam limitadas as atividades de mergulho recreativo, turístico e de lazer explorado pelas próprias empresas, e apresentam uma proposta de redução imediata de 50% da capacidade diária de cada empresa em receber turistas. O documento aponta, ainda, outra solução como a manutenção de 650 pessoas/dias nos 3 meses de maior procura turística

23 a autora teve acesso a esses documentos durante a visita de campo à área realizada em fevereiro de

(jan/fev/julho), e redução de até 50% em alguns meses do ano. O documento é datado de 03 de julho de 2002 mas até fevereiro de 2003, não tinha sequer sido avaliado oficialmente pelo IDEMA e nem pelo Conselho Gestor da APA.

Conforme descrito, vários impactos são observados no local, desde o crescente número de turistas até a prática corrente de atividades predatórias de pesca. Os dados sobre a contribuição da vazão de efluentes domésticos dos municípios que compõem a APA estão na tabela 14.

TABELA 14: Municípios da APA Estadual Recifes de Corais (RN) com respectivos valores de população total, vazão de esgoto doméstico (m3/d) e carga orgânica (kg/d) lançada na zona costeira do estado.

Municípios

APA Recifes de Corais

População Vazão Esgoto (m3/d) Carga Orgânica (kg/d) Touros 21.290 4.258 1.278 Rio do Fogo 8.349 1.670 501 Maxaranguape 6.593 1.319 397 Totais 36.232 7.246 2.176 Fonte: Cadastro Municipal - IBGE, 1997 e adaptado de Inventário das Principais Fontes Poluidoras/Contaminantes da Zona Costeira – GERCO/MMA, 2000.

As atividades turísticas não foram ainda avaliadas quanto ao impacto causado pelos mergulhadores aos recifes de coral das áreas visitadas. Como grande parte dos visitantes não conhece os procedimentos básicos de mergulho, os mesmo, freqüentemente, pisam ou esbarram nos recifes, deixando suas marcas nos corais quebrados encontrados no local. Nesse caso, a empresa Maracajaú Divers teve a iniciativa de aderir a Campanha de Conduta Consciente em Ambientes Recifais (comentada no cap. 1) e treinou seus empregados no sentido de alertar os visitantes quanto aos cuidados que devem ser tomados. Isso não é verdade para as demais empresas e o IDEMA apenas contribuiu no sentido de imprimir alguns folders com os princípios da campanha sem no entanto acompanhar sua distribuição. Além disso não existe, ainda, uma avaliação quanto ao alcance da campanha na mudança de comportamento dos visitantes.

Outro impacto observado se deu durante a visita de campo, realizada em fevereiro de 2003, quando um dos flutuantes instalados estava sendo rebocado para a praia pois tinha se “soltado” de suas amarras e permanecido 02 dias a deriva (preso apenas por uma das amarras), esse fato nos deu a oportunidade de testemunhar um verdadeiro estrago no local onde o flutuante tinha ficado preso. Porém, segundo relatos das empresas essa foi a primeira vez que ocorreu um incidente desta natureza desde que as atividades de turismo tiveram inicio na região em 1994.

Tanto as atividades pesqueiras, já tradicionais, quanto as turísticas, em franco processo de expansão, representam as principais fontes de recursos da população local (Ana Marcelino e Ricardo Amaral, com. pessoal). A intensa pressão de uso nestas áreas tem levado a um crescente processo de degradação, por vezes irreversível. A situação é agravada pela falta de fiscalização e de informações necessárias a um efetivo manejo, embora já despontem pesquisas isoladas, principalmente sobre produção pesqueira, que discutem a sustentabilidade da região.

A criação da APA acirrou ainda mais os ânimos entre os pescadores locais e os empresários uma vez que no decreto de criação está escrito, em seu Art. 4º: “Ficam

proibidas as seguintes atividades: I – pesca submarina na área de domínio da APA,

através de mergulho livre ou utilizando quaisquer equipamentos de ar comprimido; II – captura de peixes ornamentais, lagostas, e qualquer organismo aquático, exceto no caso do inciso IV do Art. 3º(24); III – pesca de todo e qualquer organismo aquático, utilizando os seguintes aparelhos: a – covos nos baixos de Maracajaú, do Rio do Fogo, da Sioba e do Cação; b – redes de artefatos de pesca que possam acarretar qualquer degradação ambiental ao ecossistema marinho local; c – arrastos com rede de porta; e, d – outros artefatos de pesca que possam causar qualquer degradação ambiental ao ecossistema marinho local” (Rio Grande do Norte, 2001). São proibidas ainda outras atividades como a coleta de substratos, a lavagem de embarcações e a alimentação de peixes com produtos de origem industrializada.

Ora, nessa região, a pesca tradicional, se dá por meio exatamente da pesca de lagosta utilizando-se de compressor de ar comprimido, que apesar de já ter sido proibida pelo IBAMA desde 1980 (com a publicação da Portaria nº 11/80 pela antiga SUDEPE), ainda é prática corrente na região, principalmente nas localidades de Rio do Fogo e Caiçara do Norte. Outra prática corrente é a pesca de polvos e lagostas com redes e “bicheiro” (petrecho de pesca tipo espeto), atos também proibidos pelo Decreto de criação da APA. A maneira com que foi criada a APA fez com que fossem acirrados os conflitos já existentes entre pescadores e empresários de turismo aquático, onde só na localidade de Maracajaú existem mais de 70 jangadeiros (Marcelo Zsigmond, com. pess.).

O IBAMA, em todos os seus anos de criação, desde 1989, nunca conseguiu coibir totalmente as práticas predatórias de pesca, ao longo de todo o litoral brasileiro. Em alguns locais, a única solução tem sido dada por meio de gestão participativa dos recursos, onde o poder público e as comunidades locais discutem seus problemas e chegam a consensos quanto ao uso dos recursos naturais (MMA, 1997). Desse modo, podemos inferir que o poder público perdeu uma grande oportunidade de iniciar as possíveis resoluções de conflito, devido à forma como ocorreu a criação da APA Estadual dos Recifes de Corais.

Sendo assim, apesar de alguns esforços pontuais do órgão gestor, o IDEMA, a unidade ainda não saiu de fato do papel. Não existe funcionário dedicado á área, nem no local nem na sede do IDEMA, em Natal (RN). Não existe sede administrativa, nem tão pouco qualquer outra infraestrutura mínima de administração que possam fazer parte de uma avaliação de efetividade da UC.

24 Diz o Art. 3º ”Na APA dos Recifes de Corais serão permitidos os seguintes usos: I – exclusivamente a

pesca artesanal, com utilização de linha e anzol; II – visitação aos bancos de recifes de coral; III – o ecoturismo submarino para observação de peixes e dos recifes de coral, utilizando equipamentos autônomo ou em apnéia; IV- a pesquisa científica de instituições com competência comprovada em estudo do ambiente marinho.” (Decreto Estadual nº 15.476, de 6 de junho de 2001).