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APARECIMENTO DAS ESCOLAS DE SAMBA – UM POUCO DE HISTÓRIA Falando do aparecimento das escolas de samba no carnaval recifense disse o Snr Irak

2 – A TRADUÇÃO DA TRADIÇÃO: intelectuais e a presença das escolas de samba no carnaval em Recife.

APARECIMENTO DAS ESCOLAS DE SAMBA – UM POUCO DE HISTÓRIA Falando do aparecimento das escolas de samba no carnaval recifense disse o Snr Irak

Santos, que é fundador de Estudantes de São José, que muito contribuiu para isto uma exibição, em 1945, das Mimosas em Folia, escola de samba integrada por marujos do cruzador <São Paulo>.393 (Grifos meus).

Já num material distribuído pela Prefeitura da Cidade do Recife, na parte destinada ao samba, novamente a questão da primazia das escolas de samba foi colocada em debate. De acordo com as informações colhidas junto a este folheto, quem aparece como a ‘mais antiga’ escola de samba do Recife é a Gigantes do Samba:

[...] Fundada em 16 de março de 1942, no Alto do Céu, em Água Fria, a Escola de samba Gigantes do Samba provavelmente é a mais antiga que desfila no carnaval do Recife [...].394 (Grifos meus).

393

Estudantes de S. José gastará Dez Milhões no carnaval deste ano. Jornal do Commercio, 28 de janeiro de 1965, p. 08. (Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano – APEJE).

394

GRES Gigantes do Samba. Carnaval. Impressão digital do Recife. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2003, p. 19, apud: LIMA, Ivaldo Marciano de França. Entre Pernambuco e África. História dos

Maracatus-nação do Recife e a espetacularização da cultura popular (1960 – 2000). Tese de Doutoramento em

Os conflitos em torno da primazia do samba em Recife estavam atrelados a um processo de busca pela legitimidade e de um espaço maior perante uma sociedade hostil ao que considerava ‘estrangeiro’, mas que, ao mesmo tempo, valorava palavras como ‘tradicional’ e ‘tradição’. Assim, seja ela a Quatro de Outubro ou a Cuíca de Bambu, a

Gigantes do Samba ou a Garotos do Céu, ou mesmo a Limonil, ou a Mimosas da Folia,

nessa disputa pela primazia o que estava em jogo mesmo era ocupar o posto de destaque, de visibilidade, demonstrar que estavam na terra há muito tempo, a fim de barganhar um lugar dentro do conjunto das tradições carnavalescas do Recife. Era a busca por um espaço dentro da ‘Tradição’.

Vale salientar que não dou relevância ao processo de busca pelo primevo, pelo primeiro, ou mesmo pelo lugar de ‘mais antiga’. O importante é compreender como se deram esses conflitos e essas tensões, analisar como determinados sujeitos, ou grupos sociais, posicionavam-se diante do fato, atentando para o que estava em jogo nessas questões e interpretando essas disputas como as ações, os movimentos dos sambistas para conquistar espaços e poder numa sociedade que se lhes apresentava hostilmente.

3.2 Na Ginga do Samba

Mesmo tendo sua prática combatida, muitos sambistas agiam, movimentando-se diante daquele cenário de condenação. Como recebiam a menor porcentagem da verba destinada para a organização do carnaval pelos cofres públicos da Prefeitura do Recife, durante os anos de 1950 e 1960, os construtores de samba criavam táticas e estratégias para driblar as ações das elites, que procuravam extirpar as escolas de samba do carnaval. Pensar o movimento dos sambistas na capital pernambucana para resistir e defender a sua prática me fez lembrar as palavras de Michel de Certeau, quando afirma:

[..,] a tática é movimento “dentro do campo de visão do inimigo”, como dizia von Büllow, e no espaço por ele controlado. Ela não tem portanto a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões” e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas.395

395

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: I Artes de Fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994, p. 100.

Com a greve das agremiações carnavalescas ocorrida em 1947 no Recife, (episódio comentado no capítulo I deste trabalho) os sambistas souberam tirar proveito daquela situação e procuraram colocar sua prática em evidência. Em meio àquelas lutas do acaso, as escolas de samba começaram a ganhar visibilidade na cidade.396 Dessa forma, já no ano posterior, foi criada, por iniciativa do jornalista Jamesson Araújo, ‘A União das Escolas de Samba de Pernambuco – UESP’.397 Este acontecimento pode ser interpretado como o movimento dos sambistas para defender, num cenário intelectual de crítica, sua prática, sua música e história.

A União das Escolas de Samba de Pernambuco – UESP, criada em 1948 só foi oficialmente registrada, de acordo com uma publicação dos sambistas, disponível na sede da Federação das Escolas de Samba de Pernambuco – FESAPE, em 28 de fevereiro de 1954 e sua sigla foi modificada para UNESP.

A União das Escolas de Samba de Pernambuco foi fundada em 28 de fevereiro de 1954, onde foi criado um estatuto pelos sambistas Manoel José da Silva, Hermegildo Batista da Silva e Antônio Batista da Silva (todos já falecidos). Seu primeiro presidente foi o Sr. Danilo Vieira da Silva. Mesmo organizada a UNESP não conseguiu apoio político para seu crescimento, pois, naquela época, havia um grande preconceito em relação aos sambistas. A maioria da imprensa condenava o samba com unhas e dentes, preferindo sempre divulgar o ritmo da terra – O Frevo. O samba era considerado um intruso no carnaval de Pernambuco. No ano de 1988 o presidente da UNESP, Sr. Ranulfo Silva (já falecido), convocou uma reunião na Rua da Concórdia, Nº 20, surgindo daí, o nome do Professor Newton Elias de Santana para assumir os destinos da Entidade. Em 1988 durante uma Assembleia Geral realizada no Sindicato da Construção Civil, localizado na Rua da Concórdia, Nº 829, a UNESP – transformou-se em FEDERAÇÃO DAS ESCOLAS DE SAMBA DE PERNAMBUCO – FESAPE, para euforia dos sambistas presentes.398 (Grifos meus).

É interessante destacar que em 1954 a União das Escolas de Samba de Pernambuco ganhou personalidade jurídica, e no ano de 1955 – data da promulgação da Lei municipal que oficializa o carnaval do Recife – ela apareceu como uma das instituições organizadoras dos festejos momescos. O fato de a UNESP figurar na Lei que oficializou os dias de momo na capital pernambucana, como demonstrei no capítulo dois deste trabalho, causou estranheza em muitos intelectuais recifenses. A Lei Nº 3.346, de 07 de junho de 1955, mencionava o seguinte:

396

VIDAL, Francisco Mateus Carvalho. A fresta do Estado e o brinquedo para os populares: histórias da

Federação Carnavalesca Pernambucana. Dissertação (Mestrado em História). Recife: Universidade Federal de

Pernambuco, 2010, p. 190.

397

União das Escolas de Samba de Pernambuco. Jornal do Commercio, 24 de janeiro de 1948, p. 04. União das Escolas de Samba de Pernambuco. Diário da Noite, 07 de fevereiro de 1948, p. 05. Será fundada a União das Escolas de Samba. Diário de Pernambuco, 29 de janeiro de 1948, p. 03. (Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano – APEJE).

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A Prefeitura Municipal do Recife, por intermédio do Departamento de Documentação e Cultura, organizará, patrocinará e promoverá os festejos carnavalescos do Município, a partir do ano de 1956, dentro dos moldes folclóricos, preservando sobretudo: os clubes de frevos; os maracatus, em sua forma primitiva e os clubes de caboclinhos. Deverá também o Departamento de Documentação e Cultura da Municipalidade, ajudar técnica e financeiramente, todos os blocos, troças, escolas de samba e demais organizações carnavalescas que contribuírem para animação e grandeza do carnaval do Recife. [...] A Federação Carnavalesca Pernambucana, a Associação dos Cronistas Carnavalescos do Recife, a União das Escolas de Samba de Pernambuco e outras organizações carnavalescas porventura existentes, serão consideradas como entidades auxiliares do Departamento de Documentação e Cultura na organização do Carnaval do Município do Recife.399

Caso a Lei Nº 3.346 não fosse modificada logo no ano posterior a sua homologação, em 1956, por determinação do Prefeito Pelópidas Silveira, os sujeitos que representavam a União das Escolas de Samba de Pernambuco estariam organizando o carnaval da cidade, defendendo os interesses dos sambistas, lutando pela legitimidade da sua prática, Eles enfrentariam, assim, em igualdade seus oponentes, representados em sua maioria pelos membros da Federação Carnavalesca Pernambucana.

Os objetivos em torno do carnaval do Recife eram diferentes para estes dois grupos, representados pela Federação Carnavalesca Pernambucana (FCP) e a União das Escolas de Samba de Pernambuco (UNESP). A imprensa veiculava matérias que procuravam construir uma imagem dos festejos momescos da cidade atrelada aos ideais da FCP, onde uns foliões se reconheciam, enquanto outros não. Assim, instituía-se um campo de luta, de disputas em torno dos alegres dias de momo. As forças que digladiavam naquele momento apontavam para:

Um combate “pela verdade” ou, ao menos, “em torno da verdade” – entendendo-se, mais uma vez, por verdade não “o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”, mas o “conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui aos verdadeiros efeitos específicos de poder”; entendendo-se também que não se trata de um combate “em favor” da verdade, mas em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-politico que ela desempenha.400

A leitura dos jornais sinalizou que a UNESP pareceu-me sem ‘forças’ para lutar pelos direitos e objetivos dos sambistas. De acordo com matérias nos jornais, bem como com uma publicação da Federação das Escolas de Samba de Pernambuco, essa entidade foi criada em 1948 e foi oficialmente registrada em 1954. No entanto, encontrei matérias nos jornais que

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Essa e outras Leis e Decretos-Leis da capital pernambucana (1955-1972), estão disponíveis na Biblioteca Setorial do Departamento Jurídico da Prefeitura do Recife, 3º andar do edifício sede, no Bairro do Recife.

400

FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In: Microfísica do Poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 13.

apoiavam a criação de outra entidade para defender os sambistas, a ‘União das Escolas de Samba do Recife’.