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Diante da imprescindibilidade de averiguar como a decretação de incapacidade e curatela vem realmente sendo operada pelos magistrados no escopo do processo de nomeação de curador sob a égide do CPC/15 e EPD, o Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência da DPE/RJ fez uma análise dos processos de curatela distribuídos entre março de 2016 e agosto de 2017 no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Estes totalizaram 127 processos, dos quais 31 não foram analisados em virtude do falecimento do interditando ou inércia da parte interessada, 55 ainda estavam em andamento quando foi feita a consulta e 41 já contavam com sentença de procedência do pedido, concedendo a curatela (DPE/RJ, 2017, p. 2).

A cartilha publicada pela instituição traz o levantamento de muitos dados de alta relevância para a apreciação da efetividade do EPD, cabendo registrar neste trabalho que, dos 41 processos de curatela sentenciados, apenas em 8 o EPD é mencionado expressamente na

fundamentação da sentença, demonstrando a ainda pequena adesão e conhecimento dos juízes sobre sua importância. Ademais, a despeito da extinção da categoria de maiores absolutamente incapazes em virtude do disposto no art. 114 do EPD, duas das sentenças prolatadas afirmam que o curatelando é absolutamente incapaz (DPE/RJ, 2017, p. 6).

No tocante à atuação do curador, nenhuma das sentenças estabelece a assistência para os atos sob curatela, sendo que 10 delas especificam que o curador deve representar o curatelado para todos os atos sob curatela – contraditoriamente, como dito acima, apenas duas julgaram presente a incapacidade absoluta, que corresponde à categoria de suprimento de incapacidade da representação – e as demais não fazem qualquer menção a isso (DPE/RJ, 2017, p. 4).

Já quanto aos limites da curatela, verificou-se que somente 6 dos casos a aplicaram para todos os atos patrimoniais e negociais e 2 para os que não sejam de mera administração (art. 1.782, CC/02). Das 33 restantes, só se elaborou plano individual apropriado às circunstâncias da pessoa em uma única sentença e em outras 5 foi estabelecida a curatela para atos patrimoniais e existenciais, enquanto a grande maioria de 27 sentenças não especificou o alcance da curatela (DPE/RJ, 2017, p. 3).

Pela análise desses dados, é notória a discrepância entre o que diz a lei e o que entendem os aplicadores do Direito, tendo em vista que o art. 85, do EPD é de clareza solar ao impor a limitação da curatela aos atos patrimoniais e negociais, ao passo em que o TJRJ apenas aplicou essa regra em oito do universo de quarenta e uma sentenças estudadas pela Defensoria Pública, chegando inclusive a estender explicitamente a curatela ao âmbito extrapatrimonial em cinco oportunidades, de forma diametralmente oposta à disposição legal em vigor.

Poder-se-ia pensar que isso foi uma ocorrência isolada, uma coincidência que não deve continuar a acontecer como regra geral nos julgados do Rio de Janeiro nem nos demais estados, no entanto, antes mesmo de encontrar a cartilha supracitada, movida pela preocupação com o direito que efetivamente chega para os destinatários da norma ora estudada, consistindo a via judicial no único meio para tanto, pesquisa jurisprudencial foi realizada sobre os processos de curatela nos quais foram prolatados acórdãos em sede de apelação pelo TJSP com o EPD vigente, e lá a realidade não é muito diferente do primeiro grau do TJRJ.

O interesse pelo referido tribunal se deu por ser do estado mais populoso do Brasil, contando com 45.919.049 habitantes, segundo a mais nova estimativa feita em agosto de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ESTADÃO CONTEÚDO, 2019), número que representa aproximadamente 21,85% da população total do país. Por consequência, é provável que o TJSP seja a corte estadual que mais julga processos no país, e assim, impreterivelmente, é a que pode afetar diretamente a vida de mais pessoas. Explica-se que não

se cogitou escolher os tribunais superiores para a pesquisa em comento por lhes ser vedado reanalisar matéria de fato, além da menor probabilidade de que uma ação de curatela se prolongue até tão altas instâncias.

Sendo assim, a consulta ao site do TJSP foi feita da seguinte maneira: o campo “Pesquisa livre” foi preenchido com “curatela OU interdição”; como assuntos se selecionou Tutela e Curatela (código 7657), Curatela (12241) incluindo Levantamento (12242), Remoção (12243), Dispensa (12244) e Nomeação (12244); na classe foi marcado o filtro “Apelação”; quanto à origem, só foi selecionada a opção “2º grau” e no tipo de publicação, apenas “Acórdãos”, ordenando-se pela data da publicação.

Como resultado, foram encontrados 229 acórdãos, sendo que somente os 87 primeiros foram prolatados após a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, ou seja, a partir de 6 de janeiro de 2016, até o dia 15 de outubro de 2019, que foi a data em que se encerrou a pesquisa para fins do presente trabalho.

Desses 87, foram retirados todos os acórdãos que se ativeram a questões como prestação de contas, substituição ou destituição de curador, improcedência do pedido de curatela por constatação na perícia de capacidade plena ou problemas processuais civis como ausência de preparo, representação processual ou rito adequado, pois tais casos seriam decididos da mesma forma, independentemente da existência do EPD, e/ou não interessam ao estudo dos limites da curatela e da teoria das incapacidades.

Depois disso, sobraram apenas 10 acórdãos que passaram a ser verdadeiramente o objeto da pesquisa realizada. Pode-se dividi-los em três grupos: aqueles que aplicam a curatela nos exatos moldes determinados pelo EPD, somando 4 acórdãos; os que reputam a pessoa que se sujeitará à curatela como absolutamente incapaz e/ou fixam os limites desta para além dos efeitos patrimoniais e negociais, contrariando as disposições expressas do EPD, que totalizam também 4 acórdãos; e os outros 2 casos contêm elementos que implicam na aplicação da legislação no tempo, o que enseja uma análise apartada. Verificando que os entendimentos das duas primeiras categorias, coincidentemente, foram exarados na mesma quantidade, é possível inferir a patente divergência dentro do próprio tribunal sobre o assunto.

Começando pelos casos em que se deferiu a curatela na concepção desejada pelo EPD, cronologicamente, a Apelação Cível 1003765-94.2015.8.26.056433 é o mais antigo julgado a

33 AÇÃO DE INTERDIÇÃO. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.

114, DA LEI Nº 13.146/15. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INTERDIÇÃO ABSOLUTA. REFORMA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADEQUAÇÃO DA LEI À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. STATUS

ser analisado e, curiosamente, o mais correto em termos técnico-legais e completo no sentido de abordar muitas das questões discutidas neste trabalho.

Trata-se do único que enfrentou a (in)constitucionalidade do art. 114 do EPD utilizando a Convenção de Nova York como parâmetro e concluindo pela constitucionalidade do dispositivo, passando a reformar a sentença de primeiro grau, que havia decidido de modo contrário. Com isso, reconheceu a incapacidade relativa no caso mediante o enquadramento da pessoa com deficiência em um dos incisos do art. 4º, do CC/02, com a redação dada pelo EPD (especificamente, no inciso III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade) a fim de, só então, aplicar-lhe a curatela restrita aos efeitos patrimoniais e negociais, nos termos do art. 85, do EPD.

Outro acórdão que faz parte desse primeiro grupo é a Apelação Cível 1009363- 69.2015.8.26.000134, cuja pretensão recursal não teve relação com a incapacidade relativa ou extensão da curatela definidos pela sentença do juízo a quo, mas ainda assim a 10ª Câmara de

QUANTO AOS DIREITOS DE NATUREZA PATRIMONIAL E NEGOCIAL. APELAÇÃO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDA. 1. A sentença declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade parcial do art. 114, da Lei nº 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e decretou a interdição absoluta da apelada. 2. Recurso do Ministério Público. Hipótese de provimento. 3. A Lei nº 13.146/15, no que tange ao estabelecimento da incapacidade relativa para os portadores de deficiência, está em conformidade com a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, e com status equivalente ao de emenda constitucional (art. 5º, §3º, CF). 4. Interditanda tem 91 anos, é portadora de doença mental, de prognóstico incurável, e não exprime nenhum pensamento, nem vontade. 5. Reforma da r. sentença para afastar a declaração incidental de inconstitucionalidade, decretar a interdição nos termos do art. 114, da Lei nº 13.146/15 e do art. 4º, III, CC, bem como para manter a nomeação da curadora, que poderá praticar os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, conforme art. 85, da Lei nº 13.146/15. 6. Apelação do Ministério Público provida.

(TJSP; Apelação Cível 1003765-94.2015.8.26.0564; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/03/2017; Data de Registro: 14/03/2017) (grifos acrescidos).

34 NULIDADE - Cerceamento de defesa - Não configuração - Pretendida produção de prova oral - Irrelevância -

Prova pericial que deu subsídio suficiente para o deslinde do feito - Preliminar afastada. NULIDADE - Perícia judicial - Laudo técnico claro e conclusivo - Ausente demonstração de eventuais vícios que pudessem macular a confiabilidade da prova técnica - Valoração segundo a convicção do magistrado perante o contexto probatório - Preliminar afastada. INTERDIÇÃO - Propositura pelo filho em face da genitora, que é portadora de quadro demencial - Perícia médica conclusiva - Laudo a apontar que a patologia que acomete a interditanda a incapacita à prática dos atos da vida civil - Com o advento da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a pessoa com deficiência mental ou intelectual deixou de ser considerada absolutamente incapaz, porquanto a deficiência não afeta a plena capacidade - Hipótese de incapacidade relativa - Medida excepcional e restrita aos direitos de natureza patrimonial e negocial - Disputa entre os filhos quanto à curadoria da mãe - Interditanda que, há quase 5 (cinco) anos, está sob os cuidados do filho - Conjunto probatório a indicar que o encargo vem sendo feito a contento pelo varão - Inviabilidade do exercício

compartilhado da curatela, diante do extenso conflito entre as partes - Necessária fixação dos limites da curatela, à luz do artigo 755 do Código de Processo Civil - Inconformismo da filha que prospera, neste ponto - Por outro lado, mostra-se descabida a imposição para que o curador proceda à especialização de hipoteca legal, por ausência de previsão legal - Honorários advocatícios - Oferecida resistência pela impugnante à pretensão deduzida pelo autor, ela deverá arcar com os ônus da sucumbência - Sentença reformada, em parte - RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

(TJSP; Apelação Cível 1009363-69.2015.8.26.0001; Relator (a): Elcio Trujillo; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 4ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 28/05/2019; Data de Registro: 29/05/2019) (grifos acrescidos).

Direito Privado do TJSP reforçou a mudança legislativa que extirpou a possibilidade de decretação de incapacidade absoluta de adultos do nosso sistema jurídico e adotou a curatela restrita aos atos patrimoniais. Pode-se perceber que, apesar de a sentença ter sido confirmada na parte em que se fundou no art. 4º, III do CC/02, não foi pormenorizado o motivo para considerar o demandado como relativamente incapaz (todavia, como isso não foi objeto de recurso, a mencionada omissão é justificável).

O terceiro caso condizente com o regramento do EPD analisado é a Apelação 1111495-67.2016.8.26.010035, na qual foi prolatada sentença de parcial procedência da ação de interdição ajuizada, para decretar a interdição parcial, restrita aos atos patrimoniais, em razão de o requerido ser relativamente incapaz. A autora recorreu sob o argumento de que o interditando seria absolutamente incapaz para os atos da vida civil, acarretando a sua ampla interdição, contudo, o acórdão manteve os termos da sentença, sob o fundamento de que a incapacidade absoluta decorre apenas da idade, devendo ser o caso de incapacidade relativa, sujeita à curatela com a limitação do art. 85, caput, do EPD.

No mesmo sentido, o acórdão proferido na Apelação Cível 1003981- 06.2018.8.26.022336 reformou a sentença que havia decretado a interdição e declarado a incapacidade absoluta da interditanda, para reconhecer a incapacidade relativa, com a limitação da curatela aos atos de viés patrimonial e negocial. O parecer ministerial, nos termos do qual se pautou a dita decisão da 5ª Câmara de Direito Privado do TJSP, afirma, contudo, sem maiores explicações, que essa restrição da curatela decorrente da lei:

não significa que a curatelada irá praticar todos os demais atos da vida civil, posto que ela é totalmente dependente da curadora na sua rotina e não tem condições de expressar sua livre e consciente vontade para os demais atos da vida civil. [...] Vale salientar que não se trata de irrestrita possibilidade da prática de todos os demais atos

35 APELAÇÃO. Interdição. Regime das incapacidades. Incapacidade absoluta decorrente apenas da idade.

Curatela restrita aos atos de natureza patrimonial e negocial. Natureza excepcional da medida. Inteligência do art. 85, caput, do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Pretensão, que, ademais, foi veiculada com o escopo de viabilizar a sucessão "post mortem" em relação ao patrimônio deixado pelo genitor do interditando. Sentença mantida. Recurso improvido.

(TJSP; Apelação Cível 1111495-67.2016.8.26.0100; Relator (a): Maurício Campos da Silva Velho; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 1ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 24/08/2018; Data de Registro: 24/08/2018) (grifos acrescidos).

36 AÇÃO DE INTERDIÇÃO. Sentença de procedência, decretando a interdição, declarando a interditanda

absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, nomeando a autora como sua curadora. Apela a ré interdita, impugnando a declaração de absoluta incapacidade; possibilidade de restrição apenas dos atos de natureza patrimonial e negocial; é caso de declarar a incapacidade relativa, e não absoluta. Cabimento. A perícia aponta retardo mental e acrescenta que a interditanda precisa ser assistida. Como proposto pela

Procuradoria de Justiça, é caso de se acolher o reclamo, para declarar a incapacidade relativa da demandada, de modo que a restrição se dê aos atos de viés negocial e patrimonial. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1003981-06.2018.8.26.0223; Relator (a): James Siano; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá - 1ª Vara de Família e das Sucessões; Data do Julgamento: 07/08/2019; Data de Registro: 07/08/2019) (grifos acrescidos).

extrapatrimoniais por pessoas com absoluta ausência da capacidade de consentimento e de comunicação.

Nos dois últimos acórdãos avaliados, pode-se notar que, apesar de aplicarem a ideia proposta pelo estatuto, não fizeram a correlação das circunstâncias do caso a nenhum dos incisos do art. 4º, sendo que naquele da 4ª Câmara de Direito Privado (SÃO PAULO, 2018a, p. 3), foi verificado na perícia e no interrogatório que o curatelando se expressou sem maiores dificuldades, e neste da 5ª Câmara (SÃO PAULO, 2019b, p. 3), o laudo social apontou que a curatelanda é estimulada a desempenhar pequenas tarefas domésticas, além de frequentar centro comunitário. Assim, em ambos os julgados, é descabido compreender que seja caso de impossibilidade de manifestação de vontade, e inexiste menção a indícios de ebriedade habitual, vício em tóxicos e prodigalidade, não podendo ser encaixados em nenhuma das hipóteses taxativas de incapacidade relativa.

Tecida essa observação, passa-se ao segundo grupo, dos acórdãos que não seguem o EPD em sua totalidade, seja no tocante à teoria das incapacidades, seja quanto à curatela, seja nos dois. No caso da Apelação Cível 0028298-72.2012.8.26.055437, o recurso não se insurge contra a interdição total da requerida, decretada no primeiro grau em clara violação ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, e sim contra a nomeação de sua irmã como curadora especial. No entanto, o acórdão acaba analisando esse fato, aduzindo na própria ementa que foi comprovada a incapacidade absoluta da interditanda e mantendo a sentença por seus próprios fundamentos. Já o acórdão da Apelação Cível 0001635-50.2012.8.26.008138 foi proferido diante da provocação recursal para que fosse reformada a sentença a fim de ser reconhecida a limitação parcial da capacidade do interditando, que foi interditado totalmente pela sentença. No entanto,

37 Interdição – Incapacidade da interditanda devidamente comprovada – Atribuição da curadoria à sua irmã

é medida que se recomenda, ante as especificidades do caso – Sentença mantida – Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 0028298-72.2012.8.26.0554; Relator (a): Eduardo Sá Pinto Sandeville; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 4ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 15/09/2016; Data de Registro: 21/09/2016) (grifos acrescidos).

38 Ação de interdição proposta pelo pai contra o filho maior de idade, portador de transtorno cognitivo

permanente, decorrente de traumatismo por queda, julgada procedente, declarando-se a interdição total do réu. Insurgência de ambas as partes pela limitação parcial da capacidade do interditando. Apelação do pai pela restrição do âmbito da incapacidade, permitindo-se ao demandado a prática de determinados atos. Laudos periciais que, todavia, atestam a total incapacidade do demandado para gerir os atos da vida civil. "Decisum" que, ademais, bem se pautou pela regra jurídica de que, nos feitos de jurisdição voluntária, o magistrado não é "obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna" (art. 1.109 do CPC/73). Recurso adesivo do interditando interposto depois de a própria parte ter desistido de apelação anterior. Preclusão consumativa. Sentença de interdição total parcialmente reformada, apenas para permitir que o interditando exerça trabalho remunerado compatível com seu estado de saúde, observando-se o art. 85 do Estatuto da Pessoa portadora de

Deficiência (Lei 13.146/15). Apelação do autor parcialmente provida. Recurso adesivo de que não se conhece. (TJSP; Apelação Cível 0001635-50.2012.8.26.0081; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Adamantina - 2ª Vara; Data do Julgamento: 21/03/2017; Data de Registro:

a 10ª Câmara Cível do TJSP (que em outro julgado já mencionado – Apelação Cível 1009363- 69.2015.8.26.0001 –, mais de dois anos depois, aplicou a incapacidade relativa por força do EPD), tomando como base os laudos periciais, que atestaram a incapacidade total do demandado para gerir os atos da vida civil, decidiu pela manutenção da incapacidade absoluta, utilizando a regra da não obrigatoriedade de observância à legalidade estrita insculpida no art. 1.109 do CPC/1973, correspondente ao parágrafo único do art. 723 do CPC/15, vigente à época. Contudo, modificou parcialmente o decisium vergastado para permitir que o interditando exercesse trabalho remunerado compatível com seu estado de saúde, em cumprimento ao art. 85 do EPD. Pontua-se que essa menção ao artigo do estatuto não era necessária, tendo em conta que, mesmo antes do advento do EPD, o interditado parcial ou totalmente já podia trabalhar, como exercício de direito fundamental a todos garantido constitucionalmente (CNMP, 2014, p. 10).

Adotando raciocínio oposto ao caso anterior, a Apelação Cível 0022336- 63.2008.8.26.001939 aplicou os termos do EPD no tocante à impossibilidade de declarar a incapacidade absoluta, concordando com a sentença que reconheceu a incapacidade relativa do demandado, mas, por outro lado, admitiu a gradação do exercício da curatela para além dos atos de natureza patrimonial e negocial, a contrario sensu do que dispõe o art. 85, EPD, compreendendo que seus limites devem ser definidos conforme o caso, com vistas a preservar os interesses e a dignidade do curatelado.

Referido entendimento se baseou no trecho de um julgado da 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP (SÃO PAULO, 2017c, p. 6)40, o qual vale transcrever:

39 APELAÇÃO CÍVEL – Curatela – Decreto de interdição com reconhecimento da incapacidade relativa do

interditando, que sofre de esquizofrenia – Insurgência da autora, mãe do interditando, nomeada curadora – Pretendido o reconhecimento da incapacidade absoluta – Impossibilidade – Modificação substancial da teoria da incapacidade com a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Incapacidade absoluta que se limita ao critério etário – Possibilidade de gradação do exercício da curatela para além dos atos de natureza patrimonial e negocial – Limites da curatela que devem ser definidos de acordo com o caso concreto e a fim de preservar os interesses e a dignidade do interditando – Sentença, neste ponto, reformada –

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJSP; Apelação Cível 0022336-63.2008.8.26.0019; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Americana - Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 23/07/2018; Data de Registro: 23/07/2018) (grifos acrescidos).

40 AÇÃO DE INTERDIÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECONHECIDA A INCAPACIDADE DO

INTERDITADO DE PRATICAR ATOS DE NATUREZA PATRIMONIAL E NEGOCIAL SEM O CURADOR. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE PRETENDE A DECLARAÇÃO DE

INCAPACIDADE PARA A PRÁTICA DE TODOS OS ATOS DA VIDA CIVIL. PARCIAL PROVIMENTO. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PORÉM, DIANTE DA SITUAÇÃO ESPECÍFICA DO INTERDITADO, DEVE SER DETERMINADO O ACOMPANHAMENTO, PELO CURADOR, NOS ATOS NECESSÁRIOS À MANUTENÇÃO DO INTERDITADO, COMO CONTRATAÇÕES MÉDICAS, AUTORIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS, ETC. INCAPACIDADE PARA EXPRIMIR VONTADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

Não se trata de desconsiderar as limitações ao poder de atuação do curador estabelecidas pela Lei nº 13.146/15, no que diz respeito aos atos de natureza patrimonial e negocial (art. 85).

Porém,não se pode perder de vista que a prática de outros atos da vida civil pode acabar prejudicada, ou mesmo obstada, em virtude de uma incapacidade prática do interditado, prejudicando-lhe os interesses.

A despeito de consistir em louvável percepção, à qual o direcionamento seguido por esta monografia se filia, não se considera adequado adotá-la na prática enquanto o ordenamento jurídico permanece como está atualmente, a menos que seja também pautado no argumento da inconstitucionalidade do dispositivo ao qual é aplicado entendimento oposto. Explica-se, ainda, que o caso acima citado não foi incluído no objeto desta pesquisa em razão de seu assunto ser