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4. Entendendo a Web: Entre conceitos e pretextos

4.1. Aportes teóricos

Os termos “cibercultura” e “ciberespaço” partem da teoria trazida por Lévy (2010), apresentada no final da década de 1990, definindo cibercultura como o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (p. 17). O ciberespaço, ou a “rede”, como o próprio autor coloca,

é o meio de comunicação que surge a partir da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que se alimentam desse universo (LÉVY, 2010, p.17).

De fato, o ciberespaço representa, para além de uma rede digital, uma rede social onde se estabelecem as relações humanas e por isso alguns autores que propõem teorias sobre as redes sociais em geral são apontados como precursores do debate das redes sociais digitais (GIDDENS, 2003; CASTELLS, 2005), sendo não só alvo de pesquisas que discutem esta temática, como também parte estruturante dessas teorias que se mesclam com as perspectivas contemporâneas acerca das tecnologias digitais (LEMOS, 2002; MIZRUCHI, 2006; BRAGA, 2010b; VERMELHO et al., 2015).

Os estudos acerca da Internet, segundo Fuchs (2016), devem ser entendidos por uma perspectiva crítica e dessa forma precisam representar a análise da modulação do capitalismo pela influência da Internet, uma vez que estes se concentram na dinâmica de funcionamento da sociedade capitalista. Com isso, existe a necessidade de repensar os estudos pelo contexto analítico da critica econômica e política da Internet, pontuando como as estruturas capitalistas podem formatar os meios de comunicação (FUCHS, 2016). Para o autor, os estudos acerca da Internet, sob uma perspectiva dialética, têm por base as estruturas sociais e as práticas humanas, trazendo os conceitos da teoria da estruturação de Giddens (2003) e as proposições sobre o conceito de

habitus de Bourdieu (2006).

1970, amparado pelas perspectivas sociológicas marxistas, desenvolveu a teoria da estruturação dentro de um esquema ontológico, ou seja, por uma visão do ser humano em si mesmo, concebido por uma natureza comum inerente a todos (GIDDENS; TURNER, 1999). Giddens buscou correlacionar a ação humana e a estrutura social de forma a não apresentar uma dualidade entre as mesmas, mas sim a dependência relacional sobre as duas, na qual a

ação humana, ligada à noção de práxis (VÁZQUEZ, 2011), é interpretada como

a capacidade criativa de gerar um fenômeno predeterminado ou não, aplicada dentro de um contexto de estrutura social, ou seja, um conjunto virtual de regras e recursos implicados na ação (SILVA, 2014).

Para Giddens (1999; 2003), a estrutura é colocada como um conjunto de regras e recursos, que se relacionam e permitem a produção de práticas sociais. A conceituação das regras apresenta-se por dois aspectos: os elementos normativos e os códigos de significação, que objetivam a execução prática dos direitos e das obrigações constituídas através da ação humana, que são, concomitantemente, meios desta constituição (O’DWYER; MATTOS, 2010; SILVA, 2014).

Os recursos também são conceituados por duas vertentes: o “recurso impositivo”, derivado da atividade humana que gera comandos às pessoas, como oportunidades de vida, posicionamento, relações e organizações humanas; e os “recursos alocativos”, que são as capacidades sobre os objetos materiais (GIDDENS, 2003; O’DWYER; MATTOS, 2010). Assim, as estruturas sociais que já possuem uma institucionalização nas ações humanas são priorizadas no sentido em que há uma instabilidade na relação espaço e tempo, surgindo demandas de transformação para a sociedade (GIDDENS, 2003).

O trabalho de Giddens apresenta uma gama de conceitos complexos para introduzir sua teoria, dos quais desenvolve o debate em suas publicações à época (SILVA, 2014), porém o conceito central de relacionar a estrutura social à ação humana se torna fundamental para a discussão sobre a “tecnologização” dos modos de vida na contemporaneidade. Assim, podemos afirmar que a estrutura social está baseada em redes e a tecnologia é uma delas, composta por dispositivos de comunicação e informação que alimenta

um meio digital, tornando condição necessária, mas não suficiente, no formato de uma sociedade em rede (CASTELLS, 2005).

Nessa linha é que Fuchs (2008) elabora uma crítica mais contundente para a concepção das tecnologias, propondo uma linha teórica pautada na dialética, que rompe com a visão tecno-determinista, em que se define que a tecnologia molda a sociedade, e aponta as tecnologias da informação e comunicação (ICT’s)15 como um processo dinâmico, através de uma relação sócio-construtivista, da qual apenas a sociedade molda a tecnologia “inventada, projetada, alterada, usada por seres humanos e influenciada por uma sociedade global” (FUCHS, 2008, p.7)16.

Dessa forma os indivíduos se organizam por um processo dinâmico de interação social, ditado por regras que se transformam na relação entre o espaço e o tempo, por meio de recursos estabelecidos na relação humana ou com determinado elemento material. Para isso, é imprescindível levar em conta na sociedade atual a globalização como recurso, sendo a produção da sociedade estruturada em um sistema econômico capitalista, ou seja, as redes sociais se tornam instrumentos contextuais para a informatização da globalização, pelo advento de tecnologias como ferramentas para a comunicação (CASTELLS; CARDOSO, 2006).

Trazer a discussão da teoria social para a Internet revela a importância de uma reflexão interdisciplinar, pois o seu surgimento e expansão transformaram a sociedade, em aspectos individuais, políticos, econômicos, culturais, reformulando a natureza das sociedades contemporâneas (FUCHS, 2016). Tais transformações pluralizaram conceitos relacionados às tecnologias digitais, como cibercultura, comunidades virtuais, economia da Internet,

eParticipation, eGovernment, eGovernance, entre outros, que ainda não

possuem uma significação clara, permanecendo em alguns momentos vagos ou até contraditórios (FUCHS, 2008), mas que se tornam debates cada vez mais incorporados com as relações sociais humanas e seus aspectos econômicos, políticos e culturais.

15Termo oriundo do inglês information and communication technologies (ICT´s).

16Tradução livre para o trecho: (…) technology as being invented, designed, changed, and

Giddens (2001), em um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, sobre questões acerca da globalização e suas transformações contemporâneas, apontava já a Internet sob o aspecto de sua teoria da estruturação, demonstrando o seu impacto na sociedade: “Não existe um caminho de volta a um mundo sem a Internet (e não deveríamos procurar por tal caminho, tampouco). A interdependência global chegou para ficar.” (GIDDENS, 2001, s/p).

Portanto, as redes sociais online, com o advento da tecnologia digital, promovem as interconexões pessoais por um sistema de informação, ou seja, a Internet. Contudo, isso não isenta a Internet de ter uma história já construída e fundamentada teoricamente, serve para conscientizar que essa história ainda não possui um fim (caso um dia haja essa compreensão de finitude para o tema), e que sua trajetória tem uma ligação direta a componentes estruturais da perspectiva social e econômica relacionados.

É por essa linha de raciocínio que decidi descrever a Internet, pois justifica-se no objeto de estudo desta pesquisa, ou seja, a identificação dos modos de vida trazidos pelo uso das redes sociais digitais. Leiner et al. (2017) apontam que a história da Internet é complexa e não deve ser vista apenas pelo campo técnico da comunicação mediada por computador, mas também pela sociedade como um todo, envolvendo aspectos tecnológicos, organizacionais e sociais. Com isso, falar da popularização da Internet é sinalizar os aspectos sociais que foram sendo alterados com as mudanças trazidas pela organização da informação e pela inserção da tecnologia nos modos de vida dos sujeitos17:

17 A bolha especulativa se deu no período da 1995 a 2000, quando empresas perceberam que suas ações disparariam com o avanço da Internet comercial no mundo. Denominadas com o prefixo “e-“, ou com sufixo “ponto.com”, viram nesta combinação um rápido aumento no preço de suas ações, gerando uma especulação principalmente da disponibilidade de capital de risco, criando um ambiente para investidores confiantes nos avanços tecnológicos. Alguns fatores são relacionados ao “estouro” dessa bolha especulativa, que de fato aconteceu em março de 2000, quando o índice de tecnologia pesada Nasdaq Composite alcançou mais que o dobro do seu valor em apenas um ano. O índice Nasdaq caiu um pouco, depois disso, o que foi atribuído à correção pela maioria dos analistas de mercado, à inversão real do mercado e, posteriormente, aos resultados econômicos adversos nos Estados Unidos (CASTELLS, 2003).

Uma história da Internet pode lembrar o florescimento do correio eletrônico, das listas de discussão, dos grupos de notícias, além do vírus de computador e do spam, tudo isso na década de 1970. Pode abordar a relevância da proliferação do computador pessoal e de toda onda de desenvolvimento tecnológico que alavancou, além do aparecimento do chat e do conceito de ciberespaço, nos anos 1980. Deve passar pelo estabelecimento dos mecanismos de busca, da Internet comercial e pelo alvoroço econômico provocado pelas ditas empresas “.com”, durante a década de 1990 e o consequente estouro da “bolha especulativa” financeira no início dos anos 2000 (CAROSO, 2010, p.45).

Sob este aporte de teorias, alinhada a uma perspectiva histórico-social, contextualizo a dinâmica em que a Internet foi se desenvolvendo, por meio da sua conexão, da criação dos processos em redes e do seu aprimoramento para uma expansão virtual da vida humana.