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Proposições teóricas acerca das gerações

3. Juventudes: gerações e mídias digitais

3.1. Proposições teóricas acerca das gerações

O aspecto geracional é uma vertente que se caracteriza como aglutinador de diferentes conceitos sobre a juventude, pois atribui a essa

população a existência de códigos culturais que delineiam transformações acerca dos modos de vida juvenis. Cabe ressaltar que a discussão acerca das gerações não se restringe à construção de grupos etários, separados por décadas, nem se emergem pelos ritmos biológicos, cronológicos ou demográficos (FERREIRA, 2017); pautam-se no reconhecimento de grupos sociais, pertencentes a mesma geração, dividindo uma situação comum na dimensão histórica do processo social (MANNHEIM, 1982), identificando-se pelo compartilhamento de tais valores.

Ser jovem, portanto, não depende apenas da idade e condição como característica biológica do corpo. Também não depende apenas do setor social a que se pertence com a consequente possibilidade de acesso diferencial a uma moratória. Devemos considerar também o fato geracional: a circunstância cultural que vem sendo socializada com códigos diferentes, incorporação de novas formas de perceber e apreciar, para serem competentes em novos hábitos e habilidades, elementos que separam no mundo as novas gerações das gerações mais velhas (MARGULIS; URRESTI, 1998, p. 6, tradução livre).

A base material vinculada com a idade até pode ser compreendida como um aspecto facilitador para a conceituar as juventudes (MARGULIS; URRESTI, 1998), pois regula um formato de encontrar certa temporalidade que aproxima diferentes sujeitos, atribuindo na questão etária uma condicionalidade para categorias geracionais, ou seja, a classificação pelas gerações. Por uma perspectiva geracional, estruturam-se configurações econômicas, sociais, culturais e políticas, que permitem estabelecer e propiciar novas experiências e subjetividades entre as camadas mais jovens das população, legitimando a hipótese de que as condições materiais da existência dos jovens não são apenas de cunho transicional, resultantes da condição juvenil, mas podem possuir a capacidade de serem incorporadas ao longo da vida (FERREIRA, 2017).

Buscando alinhar a temática geracional com a incorporação das tecnologias digitais, é notório dizer que a designação dos Millenials, termo cunhado para identificar jovens nascidos entre a década de 1980 e a primeira década do século XXI (HOWE; STRAUSS, 2000; TOMAZ, 2013), atribuíram-se na esfera pública categorias geracionais para os jovens da atualidade, sobretudo nas vivências no campo do trabalho, na mobilidade e na vida

pautada nos ambientes digitais (FERREIRA, 2017). Tomo como exemplos as etiquetagens discutas como “geração digital” (FEIXA, 2014), a “geração net” ou “natodigital” (TAPSCOOT, 2010; HARGITTAI, 2010; TOMAZ, 2013), “geração global” (BECK, BECK-GERNSHEIN, 2009) e o debate mais recente sobre

GenExit, ou geração de saída (MONAHAN; SECAF, 2017), no qual apontam

que as novas gerações de juventude não usufruirão das plataformas digitais no sentido da espetacularização da vida, mas sim como mecanismos de informação que serão cada vez mais naturalizados.

Estes exemplos são alguns dentre tantos outros que buscam enfatizar conflitos, diferenças e mudanças entre os modos de vida dos jovens na contemporaneidade, comparado aos modos de vidas de seus pais, avós, também caracterizados em outras instâncias de gerações como babybommer, por exemplo (FERREIRA, 2017). Mesmo não sendo o foco deste estudo, cabe apontar como reflexão o debate proposto por Ferreira (2017), sobre como a conceituação das gerações tem sido empregada na esfera pública e nos meios de comunicação social de forma generalizada, multiplicando-se categorias geracionais para denominar e classificar grupos etários, como as juventudes contemporâneas, muito mais abarcadas por tendências mercadológicas do que em análises e conclusões empíricas de cunho técnico-cientifico.

Estes estudos estão objetivados para a ampliação da aquisição de bens de consumos, tais como objetos, serviços e experiências, que imprimem estilos de vida a serem determinados por perfis de consumidores (FERREIRA, 2017):

São estudos que, em geral, tomam como garantido que diferentes coortes demográficos (nascidos entre a data x e a data y) têm uma correspondência geracional, gerando rótulos

pop para determinados perfis de consumidores. No entanto, não

há definições consensualmente aceites acerca dos conteúdos destas etiquetas, bem como dos seus limites (...). Por outro lado, há que pensar também nos ajustamentos contextuais das várias coortes etárias na forma como lidam com a mudança social, sendo difícil defini-las independentemente da diversidade de contextos sociais, culturais e políticos em que os jovens vivem. Por último, é impossível pensar em mudanças estruturais tão aceleradas que justifiquem uma sucessão geracional tão rápida como a que tem vindo a ser apresentada. (FERREIRA, 2017, p.18).

Portanto, é possível compreender, dentro das diversas conceituações e problematizações que na definição dos Millenials, as tecnologias digitais tornam-se um ponto importante dentro dos processos contemporâneos de estilização da vida, pois, a juventude atual cresce num contexto mais conectado, com fronteiras mais fluidas estabelecidas no desenvolvimento da Internet e os avanços tecnológicos, familiarizando-se com mais facilidade a esses artefatos, oferecendo recursos sociais e culturais aos indivíduos para a produção de novas formas de subjetivação (TOMAZ, 2013). O uso das novas tecnologias da informação e comunicação levanta a hipótese de atuarem como um marcador geracional, o que não significa romper com os componentes geracionais anteriores, mas sim caracterizar a atual geração pela marca da intensificação e aceleração de processos econômicos, sociais e simbólicos, em um contexto macroestrutural diferente dos ocorridos anteriormente.

Essas mudanças não são compreendidas de forma homogênea, como muitas vezes são entendidos os paradigmas geracionais que tendem a classificar uniformemente as diversidades e desigualdades encontradas na atualidade, mas sim, no que Mannheim (1982) aborda como “unidades geracionais” (p.87) em que, apesar da compartilharem um mesmo contexto geracional, se articulam e são articulados de forma diferenciada.

Domingues (2002) analisa as gerações no entendimento do que denomina de “coletividades geracionais” (p.82), as dimensões normativas, expressivas e cognitivas das diversas coletividades, ou seja, gerações influenciam umas as outras, ofertando recursos sociais e culturais para novos formatos de subjetivação, organizadas na relação com diferentes marcadores sociais, como raça, gênero, classe social etc. Dessa forma, as gerações antigas concedem uma determinada cultura às novas gerações, configurando particularidades, novos hábitos e códigos sociais (MARGULLIS; URRESTI, 1998), ou seja, novos formatos de modos de vida que vão configurando diferenças geracionais a serem incorporadas com relação às gerações anteriores. Entender as mídias digitais como parte estruturante do processo geracional torna a compressão acerca do futuro das gerações cada vez mais pertinente, uma vez que se incorporam, principalmente por uma visão

mercadológica e de globalização mundial, o avanço exponencial dos modelos tecnológicos.

Isso não supõe dizer que tais mudanças devem uniformizar sujeitos pertencentes ao mesmo contexto temporal não considerando suas pluralidades, principalmente aquelas relacionadas as diferenças do ponto de vista social, como, por exemplo, classe social, escolaridade, gênero entre outras. Ferreira (2017) centra-se na expressão do processo de transição geracional, em que Millenials foram os primeiros jovens a lidarem diretamente com a realidade de austeridade, propiciada pela ordem econômica do capitalismo neoliberal, transformando as expectativas e aspirações acerca do trabalho e do futuro profissional, frente a uma estrutura fragilizada de direitos sociais e oportunidades escassas.

Nesse contexto, os marcadores sociais que diferenciam os jovens desta mesma geração contemporânea carregam as contradições e ambivalências do mundo globalizado e com larga expansão da Internet, pois tais processos desenvolvem-se no cerne das sociedades capitalistas. Pelas desigualdades estruturais inerentes, é preciso lembrar que uma parcela da população não se conecta pelos dispositivos digitais. Isso ocorre em sua grande maioria nas populações em situação de vulnerabilidade ou desfiliação social, incluindo a população jovem (CASTEL, 2002), para qual a estrutural desigualdade socioeconômica, que inclui barreiras de acesso aos bens sociais, não possibilita o seu acesso à característica marcante de sua geração: as redes sociais. Embora estes não sejam os sujeitos aqui pesquisados, é imperativo assinalar que nem todos os jovens no Brasil atualmente acessam a Internet.

Bourdieu (1983), ao discutir a formatação da juventude na sociedade capitalista, promove a reflexão de que, para além das diferenças de classe, existem interesses geracionais coletivos, que estão na aquisição de novas experiências não promovidas em gerações precedentes. A Internet e as mídias digitais são uma realidade não apenas para a juventude, mas para uma grande parte da população atual, ou seja, partilham das relações com as tecnologias da informação em suas atividades cotidianas. Dessa forma é importante a compreensão de que as classes sociais não existem inertes, mas sim na relação com outras classes (PAIS, 1990).

A multiplicidade e complexidade das características sociais estão presentes na abordagem geracional, que não busca processos de homogeneização e padronização, pelo contrário buscam compreender características comuns vivenciadas de formas diversas pelos jovens. Portanto, tais diferenças e desigualdades demonstram a existência dos efeitos sociais e das condições objetivas da existência, que rompem com antigos padrões, atribuindo novos sentidos e expressões aos modos de vida e às culturas juvenis.