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3. Mobilidades de sentidos que tecem experiências de estágio: o sujeito se tornando

3.1. Apreender o mundo para com ele interagir

Aprendi com Freire (1999; 2005) e Charlot (2000; 2005; 2010, 2012, 2013) que a história dos humanos é marcada por relações sociais interativas que definem quem eu sou, quem é o mundo, quem são os outros. Por meio de uma perspectiva dialógica, reconhecemos que há várias dimensões que participam da tessitura da identidade dos sujeitos ao longo de sua existência.

Charlot (2000) expõe a questão do aprender, tendo como proposição básica que o simples fato de nascer já insere o humano no movimento da história, impondo-lhe necessidade de aprender, e essa condição o acompanha ao longo de sua existência. É enfático em dizer que: “Nascer é estar submetido à obrigação de aprender” (ibid., p. 51). Nesse processo de construção, o sujeito, fundamentado no conjunto de relações, vai se apropriando do mundo, partilhando saberes e experiências com outros de sua espécie, dinâmica que dá sentido à sua formação enquanto indivíduo. Assim, esse é um movimento longo, complexo e em permanente construção, chamado por nós de educação (ibid., p. 52).

Para reforçar esse entendimento, o autor argumenta que não é possível ao ser humano apropriar-se de tudo que está disponível em todos os tempos e lugares, mas que se apropria do que lhe está acessível na história da humanidade, isso porque, segundo ele, a configuração da humanidade se constrói nos indivíduos através do processo educacional.

Freire (2005) também se pauta na visão de educação entrelaçada por uma abordagem relacional: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (ibid., p. 78). O autor, em seus escritos, enfatiza a questão do papel do outro como constituidor do processo

educacional, perspectiva que demonstra convergência de ideias com a proposta defendida por Bernard Charlot (2000, 2005). Embora não se filiem à mesma vertente teórica, podemos identificar em ambos os pesquisadores o olhar para a relação social. Na trama de relações que constroem o processo educacional, Charlot (2000) explica que o sujeito é totalmente humano, totalmente social e totalmente singular. Nesse sentido, o humano é um ser que está sendo, em permanente construção, um ser inacabado e que tem consciência de sua inconclusão. Esse é um ponto que distingue esse ser das demais criaturas. No aprofundamento dessas questões, Charlot (2000) se apoia no pensamento kantiano para reforçar a ideia de que no processo educacional o homem serve-se de sua própria razão, motivo pelo qual somente sua espécie precisa ser educada. Essa ideia de inacabamento está refletida na base do pensamento freiriano, pois para Freire (1999, 2005), a vocação do homem é a de ser sujeito e não de objeto. Quando o homem, integrado ao seu contexto, com ele se compromete, pondo em prática sua capacidade de discernir, constrói-se a si mesmo e aos outros (FREIRE, 1980). Assumir a condição de inacabado é poder explicar o desenvolvimento da história. Inacabamento pressupõe mudança, aceitação do outro, construção, exigências que compõem o cenário educativo: “a educação se re-faz constantemente na práxis” (FREIRE, 2005, p. 84), possibilitando ao homem a criação e recriação de sua existência no mundo, transformando-o, na busca incessante de ser mais, numa relação dialética que só existe entre sujeitos históricos.

Em meio à complexidade que recobre compreensões sobre como os estudantes aprendem, Charlot (2002, 2012) avança na questão ao apresentar uma equação pedagógica, como elemento essencial ao desenvolvimento da aprendizagem tanto do aluno quanto do trabalho do professor. Ele entende que aprender é o resultado de atividade intelectual + sentido + prazer (2012, p.11). Dessa forma, sem a vontade de aprender mobilizada pelo desejo, a possibilidade de aprendizagem se esvai. Isto porque tal processo é produzido diretamente pelo trabalho daquele que está na condição de aprendiz, cabendo a quem ensina estimular essa atividade intelectual (idem, 2002).

Por esse ângulo, há centralidade do desejo na dinâmica da aprendizagem. Para este teórico, o desejo é responsável pelo movimento da mobilização, ingrediente capaz de desencadear o processo do aprender, ou seja, desejo entendido como representação do prazer, como iniciativa mobilizadora de ações.

Sobre esse fundamento, Charlot (2000, 2005) instaura uma leitura de que a ação principal no processo de aprendizagem depende da mobilização do aluno. Soato (2007), referindo-se ao papel ativo do aluno no processo de aprendizagem, assim se expressa: “O professor se esforça para fazer um bom trabalho, é dele a responsabilidade pelo aprendizado do seu aluno, mas a ação principal é do aluno que se permite ser ensinado” (p. 5). Pode-se entender daí que na multidimensionalidade que instaura o processo de aprendizagem, o desejo é elemento fundante na dinâmica da mobilização. Charlot (2005) potencializa a questão ao dizer que o movimento da mobilização não está simplesmente vinculado à questão do desejo, mas que o desejo é o motor da mobilização.

O movimento para aprender é induzido pelo desejo, devido à incompletude do homem. Esse desejo é desejo de saber, de poder, de ser e, indissociavelmente, desejo de si, desejo do outro (que se procura em si, no outro, no mundo). Esse desejo não pode jamais ser completamente satisfeito porque, por sua condição, o sujeito humano é incompleto, insatisfeito. Ser completo seria tornar-se um objeto, nesse sentido, a educação é interminável – jamais será concluída (CHARLOT, 2005, p. 57).

Freire (1999) corrobora o papel ativo do sujeito que aprende, ao afirmar que o processo de ensino não se dá pela via da transferência, no sentido de mudar de um lugar para o outro, mas no percurso da construção em que o aluno vai produzindo, desenvolvendo seu próprio conhecimento. O desejo, não assim nomeado pelo autor, pode ser reconhecido na defesa da proposta de ensino baseada na problematização dos interesses do grupo de estudantes, fundamentado no diálogo, nas ações que fomentam o desejo de aprender.