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3.5 O objeto de aprendizagem segundo o olhar da teoria histórico-cultural

3.5.1 Aprendizado e desenvolvimento

Aprendizado é o processo pelo qual o sujeito se apropria de conhecimentos que lhe são apresentados quando da sua interação com o meio social onde vive. Conforme Oliveira, aprendizado “é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes,

valores, etc. a partir de seu contato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas”.

(1999, p. 57, grifo do autor). O processo de aprendizado diferencia-se de aspectos inatos do ser humano, tal como a capacidade de digestão, e, também dos processos de maturação do organismo, tal como a maturação sexual. Segundo Oliveira (p. 57), em Vigotski a ideia de aprendizado inclui a interdependência dos sujeitos envolvidos no processo. Inclusive, o termo russo que Vigotski utiliza em seus trabalhos, obuchenie9, significa algo como “processo de ensino-aprendizagem” e refere-se sempre àquele que ensina, àquele que aprende e à relação existente entre eles.

Um objeto de aprendizagem é uma forma de articulação do processo de ensino- aprendizagem, desenvolvida com objetivos pedagógicos: aborda conceitos relacionados a uma ciência, valores e costumes compartilhados num meio social, aspectos históricos e culturalmente construídos; prevê objetivos a serem alcançados com a sua utilização, ou seja, as habilidades que se deseja desenvolver no sujeito que se utiliza dele, e, por meio da interação dos envolvidos (professor e estudantes), que socializem os resultados alcançados e, inclusive, contribuam com sugestões para a melhoria do próprio objeto de aprendizagem. Assim, um objeto de aprendizagem possibilita não somente a interação entre o estudante e o seu tema de estudo como também a interação entre professor-estudante e entre estudante- estudante, contemplando o pensamento de Vigotski. Essas diferentes formas de interação permitem que o estudante reflita sobre os conhecimentos já internalizados, atribuindo-lhes novos significados, e levam ele a buscar novas respostas para as questões surgidas com a utilização do recurso.

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O termo russo obuchenie também aparece na obra de Van Der Veer e Valsiner, que interpretam como “o ensino e aprendizagem de capacidades (meta)cognitivas” (2003, p. 357).

Segundo Vigotski (2007, p. 103), o aprendizado é necessário para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, as quais caracterizam o funcionamento psicológico tipicamente humano e são identificadas como a ação consciente, a atenção voluntária, a memória, o pensamento abstrato e o comportamento intencional (controlado). Por sua vez, o desenvolvimento, que está diretamente relacionado ao aprendizado do sujeito, representa a evolução das funções psicológicas superiores.

Vigotski (2007, p. 95) reconhece que o aprendizado precisa ser combinado de alguma maneira com o nível de desenvolvimento da criança, mas ressalta que para descobrir as verdadeiras relações entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado não se pode ficar limitado à mera determinação de níveis de desenvolvimento. Desse modo, destaca a existência de, pelo menos, dois níveis de desenvolvimento: o real e o potencial.

O nível de desenvolvimento real representa o que a criança domina de forma independente. É o “[...] nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados”. (VIGOTSKI, 2007, p. 96). O nível de desenvolvimento real de uma criança indica as funções já amadurecidas em determinado momento de sua vida, “[...] ou seja, os produtos finais do desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2007, p. 97), e caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente. Para Oliveira, “quando dizemos que a criança já sabe realizar determinada tarefa, referimo-nos à sua capacidade de realizá-la sozinha” (1999, p. 58, grifo do autor), ou seja, sem o suporte de outros sujeitos mais capazes. Este é o seu nível de desenvolvimento real.

Vigotski (2007, p. 96) defende que, normalmente, os testes que buscam a determinação da idade mental de uma criança consideram somente as funções que já amadureceram, ou seja, o critério de definição da capacidade mental da criança é o que ela consegue fazer por si mesma. Oliveira explica esse posicionamento:

O pesquisador seleciona algumas tarefas que considera importantes para o estudo do desempenho da criança e observa que coisas ela já é capaz de fazer. Geralmente nas pesquisas existe um cuidado especial para que se considere apenas as conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas capacidades ou funções que a criança já domina completamente e exerce de forma independente, sem ajuda de outras pessoas. (1999, p. 58).

Vigotski (2007, p. 96), entretanto, acredita que aquilo que uma criança pode fazer com apoio de outros é um indicativo tão importante de seu desenvolvimento mental quanto aquilo que ela consegue fazer sozinha. Necessitar do suporte de outro para realizar uma determinada tarefa indica o nível de desenvolvimento potencial do sujeito, o qual é determinado por meio da solução de problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VIGOTSKI, 2007, p. 97).

De acordo com Oliveira, “há tarefas que uma criança não é capaz de realizar sozinha, mas que se torna capaz de realizar se alguém lhe der instruções, fizer uma demonstração, fornecer pistas, ou der assistência durante o processo”. (1999, p. 59). No entanto, para se beneficiar da ajuda do outro o sujeito precisa ter alcançado um determinado nível de desenvolvimento. Os PCNs também destacam que para haver aprendizado é preciso que o estudante já tenha desenvolvido as formas de pensamento necessárias para aquele momento e/ou contexto de aprendizagem e já tenha consolidado determinados conhecimentos, “isto é, a intervenção pedagógica deve-se ajustar ao que os alunos conseguem realizar em cada momento de sua aprendizagem, para se constituir verdadeira ajuda educativa”. (BRASIL, 1997, p. 37).

O nível de desenvolvimento potencial representa um momento do desenvolvimento do sujeito no qual a interferência de outros influi, de modo expressivo, no resultado da ação individual. A interação do sujeito com o meio onde vive e com os demais sujeitos que dele compartilham contribuirá no desenvolvimento das suas funções psicológicas superiores. Vigotski enfatiza que o nível de desenvolvimento potencial de hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã, e assim sucessivamente, ou seja, “aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã”. (2007, p. 98).

A distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial consiste na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, é a distância entre aquilo que a criança já sabe ou consegue fazer sozinha e aquilo que pode vir a aprender ou fazer com a ajuda de outras pessoas. A zona de desenvolvimento proximal trata das funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de amadurecimento, ou seja, em estado embrionário. “Essas funções poderiam ser chamadas de ‘brotos’ ou ‘flores’ do desenvolvimento, em vez de ‘frutos do desenvolvimento’”. (VIGOTSKI, 2007, p. 98).

A zona de desenvolvimento proximal indica o caminho que o sujeito vai percorrer para desenvolver as funções que estão em processo de amadurecimento, as quais serão consolidadas no seu nível de desenvolvimento real. É um movimento contínuo e infinito. “É na zona de desenvolvimento proximal que a interferência de outros indivíduos é mais

transformadora”. (OLIVEIRA, 1999, p. 61). Caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente, na medida em que possibilita a compreensão do curso interno do desenvolvimento. Segundo Vigotski,

usando esse método podemos dar conta não somente dos ciclos e processos de maturação que já foram completados, como também daqueles processos que estão em estado de formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e a se desenvolver. Assim, a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento [...]. (2007, p. 98).

A citação transcrita reforça a ideia de que para determinar o estado de desenvolvimento mental de uma criança é preciso considerar o seu nível de desenvolvimento real, determinado pela solução independente de problemas, e também o seu nível de desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação ou com o auxílio de uma pessoa mais capaz. Assim, o conceito de zona de desenvolvimento proximal propõe uma nova visão na aplicação de métodos diagnósticos do desenvolvimento mental, isto é, promove mudanças nas conclusões absorvidas nos testes. (VIGOTSKI, 2007, p. 99).

Ao mesmo tempo, o conceito de zona de desenvolvimento proximal sugere que “o ‘bom aprendizado’ é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2007, p. 102), isto é, que o processo de ensino-aprendizagem ideal é aquele orientado para estágios de desenvolvimento ainda não atingidos pela criança. Conforme Oliveira, “é como se o processo de desenvolvimento progredisse mais lentamente que o processo de aprendizado [...]”. (1999, p. 60). Para a plena compreensão do conceito de zona de desenvolvimento proximal, Vigotski (2007, p. 99) destaca que é preciso reavaliar o significado da imitação no aprendizado.