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2. PROFISSIONALIDADE DOCENTE E TRABALHO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE

2.5. Aprendizagem da docência: saberes e conhecimentos

Uma das perspectivas que sustentam a discussão sobre a profissionalidade docente é a sua compreensão como processo de aprendizagem profissional. Nessa perspectiva, o processo de constituição da profissionalidade docente ocorre segundo as experiências de aprendizagem da docência vivenciadas em diversos tempos e espaços, no decorrer das trajetórias de formação e atuação profissional, nas quais o papel do outro (mediador) é fundamental.

A discussão sobre aprendizagem da docência contempla a compreensão dos saberes e conhecimentos relacionados à especificidade da ação docente, adquiridos na constituição da profissionalidade docente. Nessa perspectiva, Mizukami (2004, p. 33) ao abordar a temática, questiona: “O que os professores precisam saber para poder ensinar e para que seu ensino possa conduzir às aprendizagens dos alunos? Como os professores aprendem a ensinar? Como professores constroem conhecimentos sobre o ensino?”.

Primeiramente, em nossos estudos, compreendemos a noção de aprendizagem docente, abordado no campo da Pedagogia Universitária. Situamos uma definição sucinta, enunciada por Isaia (2006a) que conceitua aprendizagem docente como o processo interpessoal e intrapessoal que envolve a apropriação de conhecimentos, saberes e fazeres próprios ao magistério superior, que estão vinculados à realidade concreta da atividade docente em seus diversos campos de atuação e em seus respectivos domínios. A autora sublinha que não é possível falar em um aprender generalizado de ser professor, mas entendê- lo como consequência do contexto de cada docente, no qual são consideradas suas trajetórias de formação e a atividade formativa para a qual se direcionam.

Fundamentados nessa definição, acentuamos o trabalho de Wiebusch (2016), que evidencia a categoria “aprendizagem docente do professor iniciante universitário”, constituída pelas dimensões: processos formativos (percursos pessoais e profissionais, formação do professor e experiências vivenciadas na docência) e trabalho pedagógico (organização do trabalho e atuação docente). A dinâmica institucional é o eixo articulador dessas duas dimensões.

Sustentando-se também na mesma definição, apontamos o trabalho de Maciel (2011). A autora discute o início do processo de aprendizagem do docente universitário, com base na experiência de um programa desenvolvido por uma instituição federal de educação superior. E discute a potencialidade da mobilização dos docentes ingressantes para seu envolvimento em uma “rede” de formação e desenvolvimento profissional (ambiente presencial e virtual), como

uma perspectiva de aprendizagem da docência universitária, que promove a interação com seus pares, professores experientes, em um contexto de “ambiência docente positiva”, propício ao “profissionalismo interativo”. Assim, a autora compreende que o

[...] processo de “tornar-se professor universitário” se dará ao longo da carreira e no enfrentamento cotidiano dos desafios de uma profissão que se instaura com suas especificidades [...] [e] é marcado significativamente pela qualidade das relações pedagógicas e da partilha. Ao compartilhar experiências, conhecimentos e estratégias solucionadoras de problemas, o profissional docente vai [re] aprendendo a sua profissão e o modo de ensiná-la. Nesse processo de constituir-se docente, os profissionais, originários de bacharelado ou de licenciatura, vão transformando as concepções de docência que tinham inicialmente e apropriando-se de novos saberes que permitem adaptabilidade à nova profissão (MACIEL; 2011, p. 213).

A compreensão dessa dimensão colaborativa também se faz presente na pesquisa de mestrado de Nunes (2013), que estudou a aprendizagem da docência de professores bacharéis.

Mencionamos, ainda, o trabalho de Souza, Marquezan, Nunes, Bolzan e Isaia (2016), que discutem a aprendizagem de ser professor na fase de iniciação à carreira, como consequência de uma experiência de pesquisa que contemplou a observação de aulas universitárias de professores iniciantes e as entrevistas narrativas. As autoras empregam o termo “trajetórias formativas”, para referirem-se a “[...] um trajeto sistemático, organizado e autorreflexivo que se organiza por meio da apropriação de conhecimentos/saberes/fazeres específicos na educação superior” (p. 52). Declaram ainda que esse processo conta com mediações construídas em redes de interações nas quais o conhecimento pedagógico compartilhado incide, além de períodos que envolvem desde a fase de escolha profissional até a formação continuada. O processo também inclui o aspecto vivencial, na articulação do pessoal com o profissional.

Nessa perspectiva, as autoras compreenderam os percursos vinculados às trajetórias formativas e analisaram os aspectos profissionais, pessoais e institucionais empregados no desenvolvimento profissional que incidiram na aprendizagem da docência. Assim, apontam o que os professores participantes revelaram como essencial na construção da identidade:

[...] as experiências de socialização prévia durante os anos em que foram estudantes, observavam o professor ensinando ou colaborando com ele como pesquisador de um projeto de pesquisa; as práticas de ensino desenvolvidas nos cursos de doutoramento, as experiências advindas das atividades profissionais em outros níveis de ensino ou esferas profissionais, e a ambiência institucional e a resiliência docente como facilitadoras na resolução dos desafios do trabalho pedagógico (SOUZA, MARQUEZAN, NUNES, BOLZAN e ISAIA, 2016, p. 60).

Assim, as autoras concluem que a constituição da docência universitária configura-se na trajetória formativa reflexiva ao longo da carreira, que traz à tona o movimento construtivo dessa nova identidade, “tornar-se professor universitário”.

Outras autoras que discutem sobre aprendizagem da docência são Mizukami et al. (2002), que, apesar de não direcionarem seu olhar especificamente para a educação superior, trazem relevantes contribuições para a compreensão desse processo. Ao apontarem as limitações do modelo de racionalidade técnica na formação de professores e trazerem à tona o paradigma da racionalidade prática, as autoras afirmam que a profissão docente não pode ser vista como reduzida ao domínio de conteúdos e técnicas para sua transmissão. Sinalizam que

[...] é uma aprendizagem que se deve dar por meio de situações práticas, que sejam efetivamente problemáticas, o que exige o desenvolvimento de uma prática reflexiva competente. Exige ainda que, além de conhecimentos, sejam trabalhadas atitudes, as quais são consideradas tão importantes quanto os conhecimentos (MIZUKAMI et

al., 2002, p.12).

As autoras amparam-se na noção de formação como um continuum, compreendendo a construção do conhecimento profissional de “forma idiossincrática e processual, incorporando e transcendendo o conhecimento advindo da racionalidade técnica” (p. 15).

Considerando a compreensão de que os processos de aprender a ensinar e a se tornar professor são “[...] pautados em diversas experiências e modos de conhecimentos – que são iniciados antes da preparação formal, que prosseguem ao longo desta e que permeiam toda a prática profissional vivenciada” (MIZUKAMI et al., 2002, p. 47), torna-se relevante a identificação dos estudos sobre conhecimentos profissionais37 e saberes docentes38.

Inicialmente, situamos a compreensão de Mizukami el al (2002, p. 43):

Acreditamos que o conhecimento se constrói a partir de hipóteses que se estruturam e se desestruturam. O conhecimento docente também se constrói: com a quebra de certezas presentes na prática pedagógica cotidiana de cada um de nós. Portanto, é preciso intervir para desestruturar as certezas que suportam essas práticas. Deve-se abalar as convicções arraigadas, colocar dúvidas, desestabilizar. A partir da estruturação das hipóteses, constroem-se novas hipóteses, alcançam-se novos níveis de conhecimento.

Segundo um dos trabalhos de Mizukami (2004), que situa especificamente as contribuições de Schulman, compreendemos a base de conhecimentos essenciais ao exercício

37 Dentre as pesquisas sobre conhecimentos profissionais de professores do ensino superior, ressaltamos a tese de

Mussi (2007).

38 No âmbito das pesquisas sobre saberes docentes, no ensino superior, mencionamos os trabalhos de Andrade

(2006), Galizia (2007) e Althaus (2014), bem como as pesquisas de Monteiro (2016), Conceição (2014) e Araújo (2005), que focalizam os professores iniciantes.

da docência. Na base de conhecimento para o ensino, apresentam-se as seguintes categorias: conhecimento de conteúdo específico (da disciplina ensinada), conhecimento pedagógico geral (conhecimento do currículo, dos alunos e suas características, dos contextos educacionais, dos fins, propósitos e valores educacionais) e o conhecimento pedagógico do conteúdo (construído constantemente pelo professor no exercício profissional). Mizukami (2004) enfatiza que o conhecimento pedagógico do conteúdo “inclui compreensão do que significa ensinar um tópico de uma disciplina específica assim como os princípios e técnicas que são necessários pra tal ensino” (p. 39). Portanto, é de fundamental importância em processos de aprendizagem da docência, considerando o protagonismo do professor e a aprendizagem no exercício profissional, sendo a experiência a condição necessária para a construção desse conhecimento pelo professor.

Para compreendermos os saberes que compõem o conhecimento profissional docente e, consequentemente, sua profissionalidade, é importante recorrer às discussões sobre os saberes docentes. Para tanto, recorremos às contribuições de Tardif (2010) e Pimenta (2008).

Os saberes produzidos pelo professor, ao longo de trajetória, são plurais em sua constituição e natureza, sendo provenientes de diversas fontes, conforme categoriza Tardif (2010): saberes da formação profissional (ou profissionais), relativos às ciências da educação, articulados com os saberes pedagógicos; saberes disciplinares, específicos do campo de conhecimento do professor, oferecidos sob a forma de disciplinas nas instituições formadoras; saberes curriculares, que refletem objetivos, conteúdos e métodos, selecionados pelos sistemas de ensino e instituições e materializados em programas escolares; saberes experienciais, que brotam da experiência docente.

Além dessa categorização, situamos o trabalho de Pimenta (2008) no que se refere aos saberes da docência (mobilizados nos processos de formação), que sinaliza para a necessidade de integração entre os saberes da experiência, saberes científicos (conhecimento) e saberes pedagógicos, tendo a prática social de ensinar como ponto de partida e ponto de chegada. Ao considerar os caminhos para a formação docente, a autora expõe algumas reflexões que consideram as discussões sobre a identidade profissional do professor, considerando que um de seus aspectos é a questão dos saberes que configuram a docência.

A autora salienta, com base em seu trabalho no ensino de didática, que mobilizar os saberes da experiência é o primeiro passo. Nesse sentido, o saber da experiência é o primeiro abordado pela autora. Esse saber contempla as próprias experiências vivenciadas como alunos, que incluem a compreensão do que é ser professor. “Os saberes da experiência são também aqueles que os professores produzem no seu cotidiano docente, num processo

permanente sobre sua prática, mediatizada pela de outrem [colegas, textos]” (PIMENTA, 2008, p. 20).

O segundo passo no processo de construção da identidade dos professores é a discussão sobre a questão dos conhecimentos específicos (áreas/ especialidades) no contexto da contemporaneidade. O saber do conhecimento (saberes científicos) implica, por exemplo, a compreensão do: significado dos conhecimentos para os indivíduos e na sociedade; da relação entre conhecimentos e do trabalho com o conhecimento (educação escolar).

Por fim, a autora refere os saberes pedagógicos, que envolvem temas como relação professor-aluno, motivação e interesse do aluno, técnicas de ensino. E que são constituídos como consequência da prática, que os confronta e os reelabora. Pimenta (2008) situa, fundamentado em Houssaye, a construção dos saberes pedagógicos “[...] a partir das necessidades pedagógicas postas pelo real, para além dos esquemas apriorísticos das ciências da educação” (p. 25).

A compreensão das discussões sobre os conhecimentos profissionais e sobre os saberes docentes nos remete à importância atribuída ao papel da experiência (saberes experienciais/ saber da experiência) para a construção, pelo professor, do conhecimento pedagógico do conteúdo (construção que envolve os saberes pedagógicos, curriculares e profissionais). E, portanto, ressaltamos a importância dos processos de reflexão para a aprendizagem da docência.

Mizukami et al. (2002), abordam a reflexão como elemento capaz de promover os nexos entre a formação inicial, a continuada e as experiências vividas ao longo da vida do professor. Apontam que o conceito de reflexão envolve os conceitos de: “conhecimento-na- ação”, “reflexão-na-ação”, “reflexão-sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação”. Evidenciam que o professor deve “[...] buscar o equilíbrio entre a reflexão e a rotina, entre o ato e o pensamento, não se entregando a modismos, mas decidindo conscientemente o caminho a seguir como professor que constrói sua própria prática de forma reflexiva” (p. 18).

Bolzan e Powaczuk (2017) compreendem que o processo de reflexão compartilhada alicerçada sobre o fazer pedagógico é fundamental, na medida em que possibilita a ativação do pensamento docente. Essa possibilidade de reflexão permite a tessitura de ideários que vão se redesenhando de forma compartilhada, criando-se uma rede de interações que vai sendo produzida, à medida que os participantes desse processo têm a oportunidade de confrontarem seus saberes e fazeres, favorecendo assim, o processo de aprender a ser professor.

Assim, podemos evidenciar, apoiados nessa compreensão, a definição de aprendizagem docente reflexiva, pela qual o professor, em um processo de análise e

interpretação da sua atividade, constrói o conhecimento profissional. Desse modo, “[...] esse processo de reflexão crítica, feito individual ou coletivamente pode tornar o professor consciente dos modelos teóricos e epistemológicos que se evidenciam na sua atuação profissional” (BOLZAN, 2006, p. 378). É um processo que adquire relevância diante dos desafios e dificuldades vivenciadas pelos professores universitários iniciantes, bem como identificadas pelas pesquisas.

Para finalizar, enfatizamos que a compreensão do processo de aprendizagem da docência, bem como dos conhecimentos, saberes e elementos que permeiam e constituem esse processo, pode ser amadurecida com base na análise das necessidades formativas dos professores. Portanto, nos desafiamos a compreender algumas discussões e pesquisas que têm sido desenvolvidas sobre esse tema, considerando, essencialmente, o contexto da educação superior e, portanto, da docência universitária. Assim, acreditamos que esse debate pode potencializar a análise da constituição da profissionalidade docente, reconhecendo as especificidades da ação profissional e os desafios do/para o trabalho pedagógico no contexto da educação superior e da formação universitária.