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Ao refletir sobre a dimensão da afetividade, Nicolas relembra que sempre teve um ótimo relacionamento com professores (NR-Nicolas), provavelmente pela convivência que teve com os colegas de seu pai, também professores universitários. Para Nicolas, o diálogo com seus professores era algo normal e presente em sua formação. Reconhece que tem situações nas quais os professores esperam que exista esse distanciamento e esse endeusamento deles (NR-Nicolas), porém, sempre teve essa boa relação e preza por conseguir reproduzir essa mesma relação plana com seus alunos, de abertura ao diálogo:

[...] Todo semestre, quando começa uma disciplina, eu, na primeira aula, falo como espero que essa relação seja. E digo que gostaria que eles me chamassem de você. E que me chamem pelo nome, que me chamem quando precisar, que não precisa ter frescura nem nada, conversamos [...] eu estou aberto para conversar o que for com os alunos. Eu tento prezar por essa abertura e estar no mesmo nível do aluno. Talvez porque eu sou um dos professores que tem a menor diferença de idade para

os alunos. Não sei como que isso acaba funcionando na cabeça de alguém que tem filho e que é mais velho que o aluno. Eu acho que o processo é um pouco diferente. Mas, no meu caso, eu tento ter essa relação bem plana com eles (NR-Nicolas).

Em sua opinião, sem nenhum embasamento teórico, conforme menciona, Nicolas aponta que a mediação ou indução do aluno a querer aprender, torna-se mais fácil se a relação do professor com o aluno for uma relação boa e afetiva (NR-Nicolas). Segundo o professor:

[...] é isso que eu tento prezar, de ser amistoso com os alunos. Obviamente você tem que ter certa presença, impor o mínimo de respeito, só pra conseguir manter a coisa funcionando. Aqui, eu nunca senti a necessidade de me impor. Os alunos respeitam, em geral, a figura do professor e isso é algo que está posto aí, não tem problema. Mas sempre tentando ter o distanciamento com o aluno o mínimo possível, para conseguir motivá-lo a aprender [...] (NR-Nicolas).

Helton, por sua vez, destaca a ideia do cuidado, em um ambiente no qual um possa contribuir com o outro. E aponta sua tendência não de educar alunos, mas de educar colegas, pois deseja que, no futuro, seus alunos trabalhem junto com ele, enriquecendo assim o debate com nuances sobre o respeito pela autonomia. Portanto, no processo formativo, Helton ressalta que para além de aspectos relativos à dimensão técnica, procura considerar a dimensão do cuidado de si e do outro, no sentido de proporcionar um ambiente aconchegante, no qual a pessoa se sinta amparada:

Eu, Helton, preciso que eles saibam algumas coisas. Não só coisas técnicas, mas também atitudes pessoais, de como você vai cuidar de você, como a gente cuida do outro [...] eu tento fazer com que eles se sintam cuidados, mas não no sentido de superprotegidos, de “vou evitar que qualquer coisa toque em você”. Uma coisa muito legal que eu fiz, nesse semestre, é que, intencionalmente, eu estava fazendo meus alunos conseguirem cuidar de si mesmos e dos colegas. Porque isso cria um ambiente no qual a pessoa não se sente desamparada, que é um ambiente aconchegante, de amizade e tudo (NR-Helton).

Helton mostra acreditar que, a partir da escuta de seus alunos, reflete sobre a relação com eles. Quando, por exemplo, um aluno reclama da nota baixa ou sinaliza, durante a aula, que não conseguiu desenvolver determinada atividade, o professor reflete, procurando compreender o processo vivenciado e respeitando ele como ser humano. Para Helton, os objetivos de ensino são um aspecto totalmente relevante, mas se o professor considerá-los a partir da ideia: se você não atingir esse objetivo, eu vou te reprovar, e se vira , cria-se um ambiente super árido, no qual predomina uma relação de poder que reforça a ideia: eu mando e você obedece, eu tenho autoridade aqui. Nesse sentido, o professor mostra sua

desaprovação por relações dessa natureza, afirmando que ele e seus colegas tentam pautar a construção de suas relações com os alunos sobre outros pilares, centralizando a importância do olhar para outro. Um exemplo disso seria quando eles conseguem operacionalizar uma assembleia de classe para decidir qual vai ser o critério de avaliação, e garantem a todos a oportunidade de se colocar (NR-Helton).

Na continuidade dessa reflexão, Helton faz uma análise das queixas manifestadas pelos alunos durante a avaliação de curso. Eles sinalizaram que quando a relação de poder na sala de aula fica muito evidente, isso impede a comunicação (NR-Helton). Helton destaca, então, que essa questão está relacionada às ideias de Foucault, pois vira uma relação de poder ali, você está negociando poderes ali (NR-Helton). Ressalta, então, o valor de sua iniciativa em compreender essa questão, o que o levou, em seu trabalho, a considerar: vamos não ter uma relação de poder tão explícita assim. Pelo menos, não ficar olhando para ela dentro da sala (NR-Helton). Aponta, ainda, que essa relação de poder é acessória, não é essencial: Em última análise, eu assino as coisas, é comigo, mas a gente não precisa disso para existir uma aula (NR-Helton).

Helton, ainda, faz o raciocínio de que as experiências que ele vivenciou como docente demandaram uma reflexão sobre os interesses de aprendizagem do estudante e, de que forma, os professores poderiam considerar esses interesses. Isso porque a motivação do estudante em se apropriar daquele conhecimento que está sendo abordado é essencial para o seu envolvimento com o processo de aprendizagem. Desse modo, o professor reflete:

Para mim, esse processo de ensinar coisas, sempre passou muito por um processo de “o que será que essa pessoa quer aprender? E o que será que eu tenho a oferecer no processo dela?”. Quando é criança, é uma coisa muito clara, você não consegue botar uma criança num lugar que não faz sentido para ela, ela fica obviamente triste. No caso de adultos, eles já fingem um pouco melhor, eles têm uma resiliência maior, mas eu tenho observado que o processo é mais ou menos o mesmo. Se você está desmotivado e você não vê sentido no que está fazendo, você não faz as coisas (NR-Helton).

Helton faz referência à participação em um curso online, que lhe permitiu compreender que sua concepção [...] tem totalmente a ver com você pegar um problema real do seu aluno e transformar isso na motivação pra acontecer (NR-Helton).

A partir do seu movimento de estudo e investigação, o professor destaca que quando testa novas experiências em seu trabalho, nem sempre elas surtem o efeito desejado, porém, isso é um processo natural, sobretudo quando se está embarcado com os alunos no processo de aprendizado (NR-Helton). Ele ainda reforça que não sente uma cobrança, porque é natural

que o próprio professor erre, tal como ele compreende os erros dos alunos também, possibilitando esse vínculo: eu sinto que é tudo bem se eu errar, porque para mim é tudo bem se eles errarem também. Então, a gente cria esse vínculo (NR-Helton).

Helton ainda coloca a potencialidade da participação dos alunos na discussão sobre propostas de atividades didáticas. Mesmo que eles não tenham consciência disso, eles apontam algumas possibilidades, que, ao serem consideradas, contribuem para o seu envolvimento. Do contrário, quando os alunos são obrigados a fazer de tal jeito [...], você está obrigando as pessoas a agirem como você quer (NR-Helton). Helton compreende que, eticamente, não é certo você criar regras que só servem para as pessoas agirem como você acha legal. Portanto, em sua atuação, considera essa percepção de não obrigar ninguém aliada à necessidade de desencadear o processo de aprendizado. E, portanto, acredita que determinados processos precisam ser conversados de uma forma muito gentil (NR-Helton).

Helton, considerando sua experiência como aluno, critica a definição, pelo professor, do que o aluno deveria saber, mas compreende a necessidade de atuação do professor para que o processo não seja um caos:

Uma coisa que eu não gosto é a ideia de que eu, como professor, posso definir o que outra pessoa deveria saber, e eu luto para encaixar ela na caixinha que eu inventei. Eu não gosto disso porque eu não gosto como fizeram comigo. Ao mesmo tempo, eu tenho a noção também de que se eu tiver atuação zero com meu aluno, o processo vai ser de caos, um caos que vai se autodestruir (NR-Helton).

Nesse sentido, na relação com seus alunos, Helton procura compreender como pode atuar com cada um, no sentido de fazer o melhor pra pessoa aprender ao máximo, respeitando o tempo dela (NR-Helton). Segundo o professor: Isso eu, objetivamente, tento fazer e reflito quando posso: “será que eu estou respeitando o tempo dos meus alunos?”, “será que eu estou sendo muito rápido, muito lento, etc.?”. Isso pensando no todo (NR- Helton). Aponta que as salas de aula menores são muito mais agradáveis, você consegue de fato conversar com as pessoas (NR-Helton). Tendo isso em vista, Helton afirma tentar estabelecer uma relação personalizada com cada um de seus alunos. Apesar disso, ele discorda da ideia geral que isso seja uma relação de amizade, uma vez que ele não se coloca na posição de uma possível companhia para sair juntos para festa, mas sim como alguém, disponível nos corredores, para conversar sobre as coisas da vida (NR-Helton).

O professor reflete, ainda, que, no processo de ensino-aprendizagem, todos têm um objetivo a ser atingido. Porém, o professor propõe que não pode punir as pessoas por elas estarem erradas mas que ao invés disso, deve-se ressaltar o que acha que está legal.

Compreende, portanto, que errar faz parte do processo de atingir um objetivo. Segundo Helton: eu vejo que quanto menos eu coloco energia em temas como “seguir o objetivo”, as pessoas se sentem mais confortáveis em errar. E elas erram mesmo. E, eventualmente, chegam (NR-Helton).

Como possível efeito dessa postura adotada pelos professores, advinda de suas reflexões, é notório que no decorrer das aulas de Nicolas e Helton, manifestava-se um clima de descontração na turma. Os professores procuravam estabelecer proximidades com os alunos, dialogando com eles sobre suas vivências, lançando perguntas como: “Como estão? Tranquilo? Tiveram uma boa semana?”; “E aí pessoal, como estão todos? Sobrevivendo? Como está a contagem para as férias?” (RO-Nicolas-Helton). No grupo focal, uma aluna expressa:

Eu gostaria que todas as matérias me fizessem sentir tão bem quanto me senti nela [disciplina ministrada por Nicolas e Helton]. E sair dela sentindo que eu aprendi alguma coisa. E poder ter uma relação com meus professores na qual eu também pudesse conversar com eles e não fosse humilhada, porque eu não sou um gênio, ou porque eu não nasci com um pinto, mais ou menos assim, isso é muito chato (GF- Nicolas-Helton).

Prosseguindo com outro docente, Samir, na relação com os alunos, procura conduzir algumas situações de forma bem-humorada, possivelmente em uma tentativa de criar proximidades com os alunos. Por exemplo:

Em determinado momento, faz uma pausa na exposição, vê a reação dos alunos, que ficam em silêncio. E sinaliza: “[...] E aí é esse ponto que vocês deviam achar que [tópico específico] é a coisa mais linda do mundo [...]”. E a turma reage com bom humor.

Em relação a um termo presente no conteúdo, pergunta se os alunos já tinham ouvido falar. E observando a reação dos alunos, eles indicam que estão vendo isso em outra disciplina. E, com bom humor, destaca: “Desculpa. Não queria causar traumas em ninguém [...]”; “Eu não acho que ele é tão difícil assim, mas vamos com calma” (RO-Samir).

Para os alunos de Samir, é fundamental a boa relação entre professor e aluno para um ensino de qualidade:

[...] ter uma boa relação com o aluno. Fazer com que os alunos se sintam à vontade [...] É fundamental para o aluno saber que o professor tá ali, mas tá ali no mesmo nível de ser humano que você. Ele não tá acima, num trono ou nada do tipo que não possibilite contato [...] é fazer com que os alunos se sintam confortáveis dentro da sala de aula (GF-Samir).

Em contraste às visões apresentadas e explanadas, partimos para a exposição do pensamento da professora Dilcelia, que afirma que: [...] a minha preocupação é formar profissional capaz, não é ter um aluno que vai com a minha cara, não é esse meu foco. Eu to aqui pra formar eles, não to aqui pra ser amiga deles (NR-Dilcelia). Em relação a essa dimensão da amizade, uma aluna destacou no grupo focal:

Acho que a postura dela é bacana como professora. Ela não dá outras liberdades. Então, ela atua como professora. Ela dá liberdades no sentido de dar aula, a gente pode perguntar e tal, mas é isso, ela é bem profissional. Não sei se eu estou me expressando bem. Eu acho que é isso que eu queria passar (GF-Dilcelia).

Além disso, uma das alunas de Dilcelia manifesta, no grupo focal, a questão da inspiração, de você querer ser um dia que nem o professor (GF-Dilcelia). Segundo a aluna:

Eu gostaria de um dia ter tanto conhecimento quanto a Dilcelia. E poder passar segurança para as pessoas, pra afirmar, por exemplo... Falar de [tópico específico]. E a pessoa sentir que eu sei. Eu não preciso mostrar pra pessoa. A pessoa vai saber que eu sei. Eu acho que eu quero ser um dia isso na área que eu for trabalhar (GF- Dilcelia).

Os alunos de Dilcelia manifestam que a professora tem fama [na faculdade] de ser brava e de ser rígida (GF-Dilcelia). Porém, compreendem que é o jeito dela. Segundo uma das alunas: Eu respeito muito. Eu acho que ela se impõe (GF-Dilcelia). Para outra aluna:

Eu acho que ela é rígida. Que ela sim, vai cobrar muito de você, porque isso sim é necessário. Mas ela não é grossa. Ela aceita a tua opinião. Ela faz perguntas e se você não souber, tá de boa (GF-Dilcelia).

Então, a não assunção explícita da dimensão afetiva por Dilcelia não implica na ausência de canais de diálogo com os alunos. Nesse sentido, compreenderemos, mais detalhadamente, os sentidos de uma mediação pedagógica permeada pela dimensão da autonomia e participação.

b) Dimensão da autonomia e participação

No âmbito dessa dimensão, apresentaremos as diferentes estratégias de mediação encontradas pelos professores iniciantes que visavam a autonomia e a participação do estudante no trabalho pedagógico, que implicam no necessário conhecimento do aluno e suas

características. No âmbito dessas estratégias, situam-se, por exemplo, as metodologias ativas/ participativas de ensino e técnicas como as aulas expositivas dialogadas.

Em diálogo com essas estratégias, estão as referências que os professores fazem às experiências formativas que vivenciaram e que possibilitaram a construção de outros sentidos para a formação universitária, incluindo a dimensão da autonomia e participação na mediação pedagógica. Destacamos, por exemplo, a participação nas ações institucionais de formação, que possibilitou que alguns professores refletissem e planejassem estratégias no âmbito de metodologias ativas de ensino.

I) Docentes da área de Artes e Humanidades