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Iniciando a discussão sobre as dimensões da autonomia e participação na mediação pedagógica, situamos a reflexão de Getúlio sobre a importância de considerar a faixa etária dos estudantes para desenvolver o trabalho:

[...] o desafio do professor é isso. É conseguir se sintonizar com os seus alunos. E a gente vai ficando cada vez mais, supostamente mais proficiente, se o tempo dá mais proficiência, mas cada vez a gente vai se distanciando mais do público, em termos cronológicos mesmo [...] isso é um desafio também. Falar um pouco a linguagem do aluno. Pelo menos um pouco. Por um momento você tem que se comunicar com ele na linguagem dele (NR-Getúlio).

O professor reforçou a importância de um professor conhecer o aluno, ressaltando algumas características que precisam ser levadas em consideração:

[...] uma característica deles, eles têm muito mais informação. Todo mundo fala isso, mas é muito assustador se a gente for pensar. Assustador é uma palavra pesada, mas é muito diferente, é realmente outro contexto. E que nós também estamos nele, mas a cabeça do jovem vem de outra forma. Então, nessa atualidade, um presente um pouco sombrio, uma angústia crescente (NR-Getúlio).

No decorrer de todas as aulas de Getulio, manifestava-se a constante interação entre os membros do grupo, que refletiam e discutiam sobre os limites e possibilidades para o trabalho prático que estava sendo desenvolvido, considerando a atuação de cada um. Portanto, esse trabalho caracterizava-se, basicamente, por um ciclo contínuo de processos coletivos: planejamento, atuação, orientação e avaliação.

O planejamento fazia parte, continuamente, da dinâmica do trabalho mediado por Getúlio. Caracterizava-se como um processo negociado, tendo em vista a tomada de decisões:

A aula de hoje caracterizou-se por articulações iniciais, que assumiram um caráter coletivo, tendo em vista o diálogo estabelecido entre professor e alunos na definição de alguns encaminhamentos e compromissos. Ao indicar o objetivo do trabalho, enfatiza: “Nossas aulas são essencialmente práticas”, sendo que a ideia é “Definir um repertório e sair tocando”.

[O professor] negocia alternativas, tendo em vista algumas demandas apresentadas por uma aluna, quanto à flexibilidade no horário. E aponta a relevância da comunicação entre o grupo. O professor menciona o compartilhamento de materiais [...], bem como dialoga com os alunos sobre as músicas, indicando que o repertório é uma sugestão coletiva e democrática dos grupos, fruto de um processo de negociação na escolha das músicas.

Então, o professor indica o que está incluindo no repertório [...] Os alunos vão reagindo positivamente ao que o professor incluiu e vão apontando sugestões. “Eu acho super legal. Eu acho que é uma parte do repertório que a gente deveria explorar e a gente não explora porque aparentemente é mais simples”, destaca uma aluna. E o professor justifica sua decisão em incluir, destacando questões históricas e sociais [...]

O professor escolhe, então, com os alunos, as músicas, para a próxima aula [...], a partir do que eles conhecem. E pede que os alunos pensem em pelo menos uma música que eles gostariam de tocar. Articula alguns acordos gerais, relativos aos usos dos instrumentos, por exemplo. Verifica o calendário (RO-Getúlio).

Ao final de cada aula, manifestou-se esse processo coletivo de escolha da música, que era negociada entre o grupo. Planejava-se a aula subsequente a partir daquilo que os alunos sugeriam e no que sentiam mais segurança.

No decorrer das aulas, o grupo verificava o andamento do trabalho, recordando o que havia sido realizado ou decidido, inclusive em relação à sequência de atuação de cada um. Assim, tentavam lembrar, com o auxílio de seus instrumentos musicais e registros. Alguns exemplos dessa dinâmica:

“Eu não lembro o que acontece [...]” (professor); “Eu não lembro também” (aluna); “[...] deixa eu ver se eu anotei, mas eu acho que eu não anotei [...]” (aluna); “[...] acho que acabava aí mesmo [...]” (aluno); “Eu não lembro. Eu acho que é [...] fazia ele e o [colega], aí... Não tinha a parte que a gente improvisava também?” (aluna); “É isso que eu estou tentando lembrar [...]” (professor). Em determinado momento, os alunos pausam a prática, para dialogar sobre a sequência de atuação de cada um. “Você faz [certo aspecto]. Aí eu faço [outro aspecto]. Aí [...] não era isso?”, recorda uma aluna. O professor, então, chama a atenção que o grupo precisa anotar essas coisas, pois está esquecendo muito: “Se vocês não anotarem, ninguém vai lembrar”. Os alunos reconhecem isso e continuam, então, tentando recordar, sobe a orientação do professor, para pensar no que pode ser possível (RO-Getúlio)

O grupo, gradativamente, no decorrer das aulas, decidia a dinâmica do trabalho e tanto o professor quanto os alunos faziam o registro dessas decisões.

A partir das músicas escolhidas e previamente estudadas pelos alunos, as práticas coletivas eram realizadas. Antes, durante e após o final de cada prática, o grupo fazia alguns comentários avaliativos, (re) planejando a dinâmica do trabalho. Sinalizavam limites e possibilidades, bem como, discutiam sobre as alternativas para o redirecionamento de cada prática. Nesse processo, o professor procurava sempre ouvir aquilo que os alunos indicavam e mediar o processo, sinalizando para alguns aspectos que eles precisavam considerar e indicando algumas responsabilidades que precisariam ser definidas entre os membros do grupo. Alguns indícios sinalizam como esse processo se manifestava:

O professor busca acatar as sugestões de músicas para ensaiar que os estudantes apresentam, indicando possibilidades de organização do trabalho. “Qual mais que vocês querem, das previstas?”, decide em conjunto com os estudantes. Uma das estudantes vai apontando algumas possibilidades: “De repente a gente pode aproveitar [...] eu já estudei”. E verifica com os colegas: “Mas eu não sei se você tem algumas [...]”. Um dos alunos indica, então, uma possibilidade. Em seguida, o professor, o professor sinaliza: “Ok. Sugerir músicas não tem problema algum”. E orienta: “Quem quiser [...] traz as partituras ou manda para mim para eu poder distribuir”. “Arranjo, a mesma coisa, quem tem proposta de arranjo”, indica o professor, sinalizando para as possibilidades. “Se essas músicas vocês já quiserem trazer com alguma ideia de instrumentação é bom”, aponta. Sinaliza então que os alunos podem pedir ajudar para ele, caso necessitem. “Está totalmente aberto [...]”, reforça.

Ao final, o professor aprecia o trabalho com os alunos: “Beleza! Comentários?”. Os alunos vão indicando suas impressões sobre o processo. “É... ficou meio confuso [...] enfim a gente se perdeu”, sinaliza o professor. “Falando por mim. Não sei como é para vocês [...]”, sinaliza a aluna, apontando suas dificuldades em relação à [determinado aspecto]. “Bom. Eu não senti isso. O que acontece [...]”, sinaliza o professor, orientando alguns aspectos. Um aluno então indica: “A gente podia ir mais uma vez”. Porém, o professor verifica antes: “[...] O que vocês acharam de vocês tocando? Ou do outro tocando? Tem alguma coisa em comum? [...]”. Os alunos apontam, então, alguns aspectos: “Faltou ouvir melhor” (aluno); “Eu não lembro o que vocês fizeram, mas é que eu estava preocupada demais com o que eu estava fazendo [...]” (aluna). O professor, então, orienta: “Isso é bem comum, mas é uma coisa que a gente tem que começar a se ligar [...]”; “[...] é uma coisa que mais ou menos vai construindo junto [...] a partir do momento que você começa a ficar mais [...] tranquilo, você naturalmente tem tempo e tranquilidade para ouvir o outro” (RO-Getúlio).

No decorrer das práticas, os alunos interagiam, constantemente, entre si e com o professor, para esclarecerem suas dúvidas e indicarem sugestões quanto às possibilidades de atuação de cada um. Manifestava-se, assim, com frequência um processo de orientação coletiva, sobretudo com o auxílio do professor. Como exemplo:

A aluna indica, para seu colega [instrumentista], alguns procedimentos para a prática, destacando aspectos [específicos]. O professor complementa também, para orientá-lo, fazendo sons onomatopaicos e com as notas musicais [...] o aluno esclarece suas dúvidas, tentando pegar o ritmo, ao tocar o [seu instrumento] (“O

começo é um pouco mais livre [...]” (aluna); “É. Fica mais [...]” (professor)). Após esse processo de orientação inicial, praticam a música. E tecem alguns comentários. “Agora eu entendi”, sinaliza o aluno, que aproveita para esclarecer outras dúvidas. O professor orienta, então, alguns aspectos. E a aluna também participa desse processo de orientação, auxiliando seu colega. Nesse processo de orientação coletiva, eles recorrem à própria música, sua melodia e aos sons dos instrumentos, para exemplificar. Praticam, então, mais uma vez a música (RO- Getúlio).

Na mediação desse processo, enquanto os alunos tocavam, o professor escutava e observava atentamente. Getúlio envolvia-se também na prática tocando alguns instrumentos, sobretudo os de percussão, fazendo sons onomatopaicos e movimentos corporais e fazendo as contagens (para iniciar a prática). O professor orientava tanto o grupo como um todo, quanto individualmente e direcionava o grupo diante dos limites que estavam encontrando. Em uma das orientações, o professor indicou a necessidade de algumas pessoas do grupo se prestarem atenção mutuamente, reforçando a importância do trabalho em grupo. Algumas expressões sinalizam como o processo de orientação era conduzido pelo professor:

“Tenta fazer [...]”; “Isso”; “Vamos fazer mais uma vez [...]”; “Só essa parte [...] a mesma coisa que ela fez”; “Pode ser você?”; “Mais uma vez?”; “Repete isso aí de novo”; “Vamos fazer do jeito que você falou [...]”; “Vamos mais uma vez isso daí [...] ainda está um pouquinho lento [...]”; “Vamos fazer o que a gente fez. Só que agora com a introdução”; “uma vez inteira, então, para fecharmos com chave de ouro”; “Vamos de novo”; “Você tem que dá esse, senão a gente não pega”; “De novo, mesmo tema”; “É isso daí”; “Tem que prestar atenção [...]” (RO-Getúlio).

Embora se configure um processo coletivo, a mediação é um processo fundamental para Getúlio, que a associa a determinado rigor. O professor justificou sua percepção, com base nas especificidades da área de Artes:

[determinado aluno, de outra disciplina] nos primeiros semestres, já chegou discutindo, entrava na internet, via o meu programa, a ementa, que nem é tão minha, veio de outro cara. E chegou discutindo isso: “Não, por que você quer me ensinar isso? Como é que a gente vai fazer? Pra mim é melhor isso, é melhor aquilo”. E você tem que falar: “Beleza”. Você pode falar: “Não, fica quieto aí menino, eu vou te falar o que é bom”. Que não é o meu caso, eu não gosto. Não é que nem eu não gosto, eu não sou assim. Sou mais de mediar. Mas eu acho que no caso da música e das artes, em geral, a mediação tem que ser baseada num certo rigor, porque tem uma, no caso da performance, eu acho que em todas as áreas, não só performance, tem o contato diário, uma construção dum corpo, assim. E das artes, da música, talvez até mesmo, imagina a dança, o teatro, o corpo tem que tá muito integrado. E isso... “ok? Eu tenho talento, né?” De novo... Pode te dar uma forcinha, mas é uma prática diária. E essa prática acaba chegando num certo rigor. Então, você tem que cobrar, porque são muitas distrações, hoje em dia. E no caso da música, algumas distrações intrinsecamente ligadas ao cotidiano, o computador, a tela, a música que você faz sozinho no seu quarto, que você monta em outros lugares (NR-Getúlio).

No decorrer das práticas, existia uma preocupação constante de alguns membros do grupo em desculpar-se, diante dos equívocos que cometiam ao tocar seus instrumentos, considerando como isso afeta o trabalho coletivo. Assim, os alunos reconheciam seus limites e em conjunto dialogavam entre si e com o professor, para verificar alternativas e possibilidades para o trabalho em grupo:

“Foi mal!”, desculpa-se. Novamente, durante a prática, pede desculpas. O professor orienta, durante a prática, quando a aluna sinaliza, por exemplo, que não lembra. E ao final, o professor indica: “É isso daí”. A aluna desculpa-se novamente: “Foi mal [colega] [...] odeio fazer isso [...] entrar na vez do colega”. O clima, porém, é de bom humor, no grupo e eles acabam compreendendo esse erro com tranquilidade (RO-Getúlio).

O grupo tentava encontrar, coletivamente, possibilidades para praticarem as músicas e, assim, gradativamente, experimentavam determinadas práticas:

[...] ao final dessa prática, o grupo aprecia o trabalho, e pensa em possibilidades, discutindo o que cada um pode fazer (“Uma ideia seria fazer [...]” (professor); “Tá bom! Gostei” (aluna); “[...] o que tem que decidir entre vocês é o [aspecto] [...]” (professor); “Eu gostei dessa, de o [colega] fazer assim [...]” (aluna)) [...] O professor, então, orienta: “[...] vamos tocando que a gente vai [...]”.

“Quer experimentar isso daí?” [...]; “Vamos tirar essa prova aí? [...]”; “Quer tentar tocar [determinado aspecto] só para ver o que acontece [...]”; “São ideias para a gente experimentar”; “Vamos passar para ver como que soa isso aí [...] vamos tentar” (Professor) (RO-Getúlio).

Diante de algumas dúvidas, Getúlio propunha que o grupo praticasse, para eles tirarem as próprias conclusões. Assim, procurava também estimular a autonomia:

A aluna, então, indaga: “Você quer mais ou menos isso? Porque aí eu estudo”. O professor, então, responde: “Eu não quero nada. Eu quero que vocês experimentem esses outros lugares”. “Tá bom”, sinaliza a aluna [...] O professor, então, enfatiza: “Não gente, não é isso. Você vai fazer o que você quiser [...] seria muito legal você gravar para você ouvir e ver se você gosta ou não [...]”. A aluna destaca: “[...] eu não vou saber se eu estou dentro do que você está falando, entendeu? Porque as vezes a gente acha que está fazendo e a gente não está”. O professor, então, orienta: “Eu não quero que você esteja dentro do que eu estou falando. Eu quero que você esteja fora do que você está fazendo [...] qualquer lugar fora [...] depois decide e começa a ver [...] outro lugar [...]”, sinalizando a possibilidade de a aluna conduzir esse processo com autonomia [...] Reforça então que a aluna vai fazer do jeito que ela quiser. A aluna sinaliza que vai pensar e vai estudar do jeito que o professor falou (RO-Getúlio).

Na visão de uma das alunas, a experiência vivida possibilitou ouvir melhor os colegas, durante a prática coletiva, sobretudo diante de sua dificuldade de decorar as músicas:

[...] as pessoas querem tocar juntos, mas elas não entendem que o tocar junto também é uma habilidade que se desenvolve, tanto quanto tocar sozinho, tocar em casa, estudar técnica, estudar... sei lá... [...] eu ainda sinto que existe uma barreira grande, uma barreira técnica [...] de técnica de estudo e tudo mais, tenho dificuldades de decorar as músicas [...] mas eu achei que tocar aqui ajudou muito nisso, de você ouvir o que o outro está fazendo e você ser flexível, ser influenciado e também de tentar influenciar, sei lá [...] o fato de essa aula ter me ajudado a ouvir melhor vocês, fez com que eu também ouvisse melhor os colegas nas outras aulas, sabe? Então não sei, eu achei fofo, maravilhoso (GF-Getúlio).

Por fim, é importante mencionar o trabalho que foi desenvolvido durante as aulas práticas, tendo em vista a apresentação dos alunos em um recital, ao final do semestre. Em algumas aulas, o grupo planejou-se, decidindo sobre o repertório e definido horários extras para ensaiarem. O professor, por sua vez, deu sua contribuição estimulando a realização desses ensaios, sobretudo nas proximidades do recital, para a formação da consciência de grupo (RO-Getúlio). Além disso, o grupo discutiu sobre a dinâmica de apresentação, como os instrumentos que vão tocar e a responsabilidade de cada um.