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3.2 Amostra

3.5.3 Aprendizagem dos treinadores

Perguntamos aos treinadores sobre como eles aprenderam (e aprendem) a ensinar FA e como eles costumam buscar informações. Os quatro treinadores entrevistados destacaram que a prática como atleta e treinador foram (e são) essenciais para esse processo. O Treinador 2, destacou a importância da tentativa e erro, a aprendizagem dentro do campo, e o Treinador 3 a autocrítica e o processo de reflexão.

[…] eu acho que tudo na vida a gente aprende olhando, a gente aprende participando, então desde os meus 13 anos de idade...12, 13 anos, eu venho participando no Futebol Americano, sempre fui interessado no esporte […] (Treinador 1).

Foi na prática né? [risos] Basicamente […] foi meio uma tentativa e erro né? […] foi vendo o que que funcionava melhor para os atletas e para aquela realidade […] (Treinador 2).

[…] Então para mim hoje o perfil ideal é um cara que tenha senso crítico, e autocrítica mesmo né? De se checar e se, como eu falei, despir de ego um pouco, e entender que ele vai aprender muito durante o trabalho, porque a gente não foi formado para isso [...] (Treinador 3).

Basicamente na equipe, na prática mesmo...o Futebol Americano no Brasil foi isso assim […] eu aprendi muito na prática mesmo, de ser jogador, de virar treinador do time, começar como assistente […] (Treinador 4).

O Treinador 4 também destacou em sua fala o fato de que no Brasil a maioria dos treinadores provavelmente aprende na prática, uma vez que poucos têm formação em

Educação Física (EF). Este treinador busca focar o ensino em questões técnicas e táticas que

na área, assim, costuma pedir ajuda para profissionais da EF (muitas vezes atletas) para tratar de temas que conhece pouco.

[…] se a Educação Física quisesse o Futebol Americano no Brasil acabava! Porque todo mundo que ensina não é educador físico assim [risos] […] o problema maior é quando o cara quer ensinar um programa físico para alguém assim, explicar um exercício [...] Eu nunca fiz isso, eu sempre tive essa noção [...] pô, eu vou explicar Futebol Americano pela minha ótica de trabalho que é questões táticas e técnicas que eu entendo mais! Eu não vou atrás de explicar questões físicas e tudo mais...a gente teve treinadores de condicionamento que sempre me ajudaram desde o início [...] (Treinador 4).

Todos os treinadores destacaram também a importância da aprendizagem com

outros treinadores. Citaram que treinadores mais experientes servem como exemplos e

modelos a seguir, e ressaltaram também a importância das experiências em outros países permitindo conhecer outros treinadores e contextos de prática.

Eu tive alguns Coaches americanos, outros Coaches também que jogaram na NFL né? Na liga profissional, estruturando e aprendendo junto com eles né? (Treinador 1).

[…] a gente teve um Head Coach anterior a mim […] a gente meio que foi aprendendo juntos […] trocando informação com ele, ele me ensinou muita coisa também […] (Treinador 2).

[...] eu acho que com o meu intercâmbio em 2003 para o Arizona, meu primeiro técnico lá foi a minha maior fonte de inspiração! Então observando muito como ele tratava [...] pesquisas mais extensivas de assistir outros treinadores, de ler sobre outros treinadores, e aí você vai formando o seu próprio modus operandi ali, sua própria forma de lidar com certas coisas e tal né? [...] (Treinador 3, grifo nosso).

[...] aprender com outros caras, de alguns caras que sabiam sobre o esporte mesmo não sendo da área da Educação Física [...] Isso foi bem importante para mim assim; e o salto que eu tive foi quando eu fui para fora do país lidar com essas pessoas que tinham um conhecimento muito grande do Futebol Americano assim, talvez não da área da Educação Física mesmo, mas da área de tática...eu acho que explicar o porquê que a gente precisa fazer tal coisa, da área de fundamento [...] conversas também com treinadores que eu sei que...às vezes não são formados na área, não tem problema! Eu não fui também! Mas que têm essa perspectiva de que...algo a mais ali, não só “meu pai me ensinou assim e pronto!”, estou procurando entender melhor como melhorar o que já é feito já [...] (Treinador 4).

O Treinador 4 destacou uma experiência de aprendizado que teve com um treinador de Futebol que lhe mostrou o conceito dos Small Games e comentou sobre como isso impactou sua maneira de abordar o treinamento de FA.

[...] eu tive essa visão quando...tem um cara...esqueci o nome dele agora...mas ele é coordenador da escola do Barcelona no Brasil [...] ele tava me falando “pô! Vai abrir uma escolinha não sei onde...na Barra Funda lá!” [...] aí eu falei “Pô que dahora né? Eu podia conversar com ele né? Para saber como que era tal, para entender”, e aí ele me falou sobre esse método de pequenos jogos que o Barcelona usa para ensinar, deu vários exemplos...e tipo, quando deu esse estalo, meu! Eles trabalham só adaptação só! Não trabalham toque de bola 11x11, eles trabalham adaptação, tipo, eles colocam o Messi lá no quadrado e o Messi é o Messi porque ele treinou muito aquilo! Eu falei “é isso que a gente precisa! É isso que a gente precisa!”, e foi a partir disso quando eu fui atrás para desenvolver isso aí com os jogadores. (Treinador 4).

O Treinador 4 salientou ainda que costuma entrar em contato por e-mail diretamente com treinadores de universidades nos Estados Unidos da América (EUA) para tirar dúvidas sobre as análises que costuma fazer dos jogos destes times.

[…] entrei no site do Texas, na associação atlética deles, fui pegar e-mail dos GAs deles lá, para mandar e-mail e tirar minhas dúvidas com esses caras, direto né? Não ir atrás só dos caras que estão analisando eles […] Treinador não responde, mas os GAs que são os assistentes lá, os graduados né? São caras que estão começando no esporte também lá como treinador né? Então tipo, eles querem contatos, eles querem crescer o network deles lá, então eles respondem! [...] eles são muito abertos assim, dificilmente alguém não me respondeu [...] (Treinador 4).

Os Treinadores 1 e 3 ressaltaram a importância de aprender com treinadores do

Brasil também e a troca de experiência com os colegas.

Aqui também no Brasil, temos vários técnicos que a gente tenta entrar em contato, trocar figurinhas um com o outro sabe? Trocar informações, trocar métodos e playbook […] (Treinador 1).

[...] conversar muito, trocar muita experiência com outros treinadores mais experientes...aqui no Brasil a gente tem algumas pessoas: Clayton Lovett que me coloca em contato com pessoas de fora, e aí o Clayton é um grande Coach para mim, contato, uma grande inspiração também; outros treinadores do Brasil que tiveram oportunidades fora do Brasil [...] (Treinador 3).

Os Treinadores 1 e 3 também afirmaram que costumam aprender por meio de

palestras, workshops e cursos internacionais.

E também minha saída do Brasil para Europa fez com que eu aprendesse muito lá fora com as clínicas, com algumas apresentações e workshops que eu fiz lá né? (Treinador 1).

[…] nessas clínicas que você participa você faz contato, então networking é super importante nessa área para aprender ali como ensinar, como que vai ser a sua forma favorita [...] (Treinador 3).

Todos os treinadores citaram a importância da internet para a aprendizagem, uma vez que costumam assistir e analisar partidas de FA e vídeos explicativos, utilizando principalmente o site YouTube.

[...] Hoje você tem muito recurso pela internet, mas eu procuro muito assistir College, assistir High School, onde a gente vê as técnicas e as práticas um pouco diferentes também [...] então você tem que correr atrás do que vai se aperfeiçoando né? (Treinador 1).

Tudo que eu aprendi foi jogando e vendo no YouTube basicamente [risos] […] Você coloca lá: “filosofia do Futebol Americano”, aparece uma porrada no Google […] (Treinador 2).

[…] Então eu diria que hoje 70% de internet, 30% conversando com outros treinadores. (Treinador 3).

[...] vou lá no YouTube mesmo, pego o jogo...este ano eu acompanhei a Universidade do Texas, Texas Longhorns, e meu...fui atrás de assistir todos os jogos deles né? Acabou a temporada no início do ano né? Assisti todos os jogos deles e fiz minhas análises do que eu entendi do que eles rodavam [...] (Treinador 4).

Os Treinadores 2, 3 e 4 também apontaram que costumam participar de fóruns e

blogs de discussão online de treinadores internacionais onde costumam trocar experiências com

[…] fórum gringo sobre OL […] você acha muito material, às vezes cai em um ou outro site que tem muito material bom né? (Treinador 2).

[…] Tem fórum, têm clínicas, têm cursos pagos né? […] (Treinador 3).

Têm sites, enfim...mais em inglês, de conteúdo mesmo do Futebol Americano [...] eu vou atrás sim de sites, tem bastante blogs que treinadores americanos fazem para comentar, analisar questões táticas assim […] (Treinador 4).

Em relação a literatura sobre FA, o Treinador 2 mencionou que tem dificuldades de encontrar materiais internacionais que tratem sobre o ensino de FA para adultos.

[...] eu comecei a procurar filosofias e formas de ensinar [...] literatura lá fora sobre isso é difícil [...] você acha como que você ensina Futebol Americano, mas para molecadinha de 8, 9...só que eu tô tratando com cara de 40 que nunca jogou [...] a gente lê né? Tenta entender como é feito e tenta adaptar; então assim, não dá para usar a mesma forma de ensino de uma criança para um adulto! [...] (Treinador 2).

O Treinador 4 foi o único que mencionou nas entrevistas a busca por material

científico sobre o assunto. Este destaca que tem se preocupado mais nos últimos tempos em

entender a fonte do conhecimento que busca e também a confiabilidade dos dados, porém encontra dificuldades em encontrar tais informações.

Hoje acho que...em questões técnicas, eu vou te falar que eu procuro buscar muito na ciência viu?! Mais do que eu buscava antes assim […] hoje eu procuro entender mais pela perspectiva: como que um corpo consegue mover um outro corpo assim? [risos] Que tipo de força que tem que aplicar? Para entender melhor se tem outras maneiras de se fazer assim, fora da maneira que a gente já faz [...] - Você procura artigo científico? - Procuro, mas eu vou te falar que não é a minha área ainda...ainda! Acho que não é ainda por falta de conhecimento mesmo assim eu acho...eu leio alguns que me indicam às vezes, alguns treinadores que eu tenho contato aqui no Brasil mesmo, me indicam assim...mas nem tem sobre Futebol Americano no Brasil né? Não tem [...] Tem algumas coisas que às vezes trata sobre Futebol Americano mas não tem nada a ver com pedagogia esportiva, não tem nada a ver com análise de desempenho, não tem nada...tem muito artigo em inglês né? Só que são realidades diferentes né? Mesmo assim...é difícil até, analisar assim. (Treinador 4).

Os Treinadores 2, 3 e 4 afirmaram nas entrevistas que se preocupam em interpretar

e adaptar o material internacional que têm contato antes de aplicá-los nos treinos, uma vez

que percebem que a realidade brasileira é diferente.

[...] a gente tem que adaptar, porque você não vai encontrar literatura nacional nenhuma né? Você mesmo falou, praticamente não tem [...] “como é que você ensina um adulto que nunca praticou esporte a praticar?”...então não é comum lá fora, então não tem material [...] ler o que tem lá de fora, tentar absorver o que é possível [...] mastigar isso, transformar em algo da nossa realidade e aplicar! (Treinador 2, grifo nosso).

Muito treinador acha que, por exemplo, Hawk tackle é o melhor, é estudado...ou nem todo treinador acha que o melhor caminho para OL é passos curtos e pequenos durante o bloqueio[...] eu tendo a favorecer mais o conforto do atleta brasileiro, que é um atleta que não foi treinado para isso a vida toda! [...] então eu vejo muito vídeo para adaptar para aquele cara sabe? [...] YouTube você tem que ter um belo de um senso crítico né? Porque muita coisa ali que está sendo ensinada no YouTube, coisas que foram gravadas há 50 anos atrás! Vídeos de VHS que foram transferidos para o YouTube, então técnicas se atualizam tá? Então a gente sempre fala para os atletas inclusive, cuidado para não chegar aqui: “Porque eu vi no YouTube que isso é melhor assim!”, porque é perigoso sabe? É melhor todo mundo fazer uma coisa só, mesmo que não seja a mais eficiente, do que cada um fazer a sua! (Treinador 3).

[...] eu já tenho um pé atrás em tudo assim [risos], para essa parte assim […] quando você começa a entender um pouco o esporte você “Beleza! Não é só isso assim, tem mais coisa!”...esses blogs acabam analisando e perde o contexto das coisas, da análise […] (Treinador 4).

Preocupado com adaptar os conhecimentos para a realidade brasileira, o Treinador 4 mencionou que criou um material para a sua equipe que busca explicar os processos, fundamentos, sistemas, feito especificamente para a sua realidade.

[...] - Você falou da apostila, vocês pegam o material lá de fora e aí vocês dão uma adaptada, vocês vão escrevendo como tem que ser feito? - Não! Esse material foi totalmente 100% de minha autoria mesmo! Eu tenho no celular até, é 100% minha autoria! Óbvio que tem todo conhecimento que a gente vai trazendo, a gente coloca, mas é tudo em português, feito para eles assim, sob medida. (Treinador 4).

Ele também citou a importância de atualizar o conhecimento uma vez que percebe que o material de fora nem sempre é o melhor, relatando sobre a defasagem do conhecimento e o papel relevante da pesquisa para contribuir para esta atualização.

[...] eu acho que a área do fundamento é uma área a ser explorada ainda...até lá fora assim, porque acontece muito...é real assim...às vezes você quer entender por que a pessoa faz daquele jeito...e sempre foi feito daquele jeito sabe? [risos] A explicação é sempre essa assim, e é óbvio que às vezes é tipo “Ah, sempre fiz daquele jeito mas pô...entendi, é real assim, realmente é melhor assim, até então é melhor assim”, mas algumas outras coisas é tipo...não é! Eu acho que tem outras maneiras de fazer isso assim...eu acho que até lá fora é bem arcaico ainda, para a minha visão assim, pelo convívio que eu tive [...] as pessoas ainda acham que “Ah, na minha época era assim! Então...”, “Pô! Mas na sua época ninguém estudava isso talvez no esporte!”, que é o trabalho que você está fazendo! Talvez ninguém estudava Pedagogia do Esporte, então você tem que abrir sua cabeça para entender um pouquinho mais, as coisas podem mudar...fico muito no meio disso assim. (Treinador 4).

Na entrevista os Treinadores foram questionados se conhecem algum material

nacional sobre o ensino de FA que costumam consultar. Os Treinadores 1, 2 e 4 afirmaram que

não conhecem materiais deste tipo que auxiliem neste processo e apontaram que existem algumas iniciativas no cenário nacional que têm caminhado nesta direção, como congressos e cursos. O Treinador 3 acredita que existem alguns materiais mas que não costuma consultar, e apontou um site nacional sobre o tema chamado Head Coach Brasil (2019) e o Congresso Brasileiro de Futebol Americano (2019). De maneira geral eles apontam uma demanda por materiais nacionais de qualidade e maior interação entre os treinadores.

Não! Eu tô tentando hoje convencer alguns Coaches da gente fazer algum tipo de workshop sabe? Trocar figurinha, passar algumas coisas...o que é feito em uma equipe […] para outros Coaches […] (Treinador 1).

Cara! Que eu tenho conhecimento não! […] eu sei que a CBFA faz alguns fóruns né? Algumas reuniões de técnicos e etc., eu não tenho material, pelo menos digital, eu nunca conheci nada [...] então na verdade eu não tenho conhecimento disso, se tivesse eu gostaria muito de poder ver! [risos]." (Treinador 2, grifo nosso).

Eu aposto que tem alguma coisa mas eu nunca peguei nada da CBFA não! […] Tem um site: Head Coach Brasil, tem [...] algumas coisas bem interessantes! E já existe um congresso brasileiro que o Lucas Rossetti faz que é maravilhoso! Então tem já [...] fontes de conhecimento boas no Brasil. (Treinador 3).

Só tem o nosso na real assim [material criado por ele para a equipe], dificilmente você vai encontrar outros assim...times que eu conheço, os melhores times que eu conheço, ninguém tem um material pedagógico de ensino de nada assim! A gente é o único time que eu sei que tem! […] a CBFA eu sei que tem um projeto para esse ano de 2019, 2020, de fazer [...] junto com a Associação Brasileira de Treinadores, que foi criada esse ano também [...] uns cursos online para discussão do esporte...eu acho que é bem simples ainda, mas...talvez para nós não sirva mas para quem está iniciando,

que não tem pessoas para ensinar algo, já vai ser legal para difusão do esporte! (Treinador 4).

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