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Dado que o contexto sobre o qual se apoia a pesquisa é composto por duas línguas românicas, o italiano e o português-brasileiro, consideramos importante, para o nosso estudo, refletir sobre alguns aspectos.

Os aprendizes de línguas próximas podem ser considerados como falsos principiantes porque, independentemente do contexto de aprendizagem e do tipo de input que receberão, 18Concordamos com MACKEY (1976) e GROSJEAN (1982) que afirmam que o bilinguismo é um fenômeno

que não se restringe apenas a algumas comunidades específicas, mas deve ser considerado como um fenômeno individual, presente na maior parte da população do planeta.

19 Ser bilíngue significa “[...] ser capaz de passar de uma língua à outra em muitas situações [...] mesmo

dispondo de uma competência razoavelmente assimétrica” (LÜDI; PY, 2003, p. 131, tradução nossa).

20A abordagem interacionista não exclui a hipótese criadora.

21 Por repertório entendemos a totalidade das formas linguísticas utilizadas regularmente no decorrer de

interações sociais significativas (GUMPERZ, 1964).

22Esta denominação, como explicaremos no Capítulo II, foi elaborada por aqueles que se dedicam ao estudo das

seu grau de compreensão e produção será sempre favorecido em comparação com o de falantes cujas línguas são tipologicamente distantes entre si.

Se, de um lado, a semelhança entre a língua materna e a língua-alvo facilita a aquisição/aprendizagem da língua estrangeira em comparação com línguas distantes, de outro poderia se objetar que a proximidade entre as línguas pode transforma-se numa faca de dois gumes, porque os aprendizes, influenciados pelo mito que reza que quanto mais semelhantes forem as línguas tanto mais fáceis serão, poderiam atrasar o processo de correção dos “erros”23provocados pela interferência da L124. Para responder a essa questão controvertida e

central para os objetivos do nosso estudo, dado que se trata de uma pesquisa interessada na descrição dos fenômenos influenciados pela L1, vamos analisar a presença desses fenômenos nascidos do contato entre as duas línguas e conhecidos na literatura como transfer, positivos para a aprendizagem, uma vez que, como demonstram as pesquisas mais recentes realizadas em âmbito europeu, são estratégias utilizadas pelos aprendizes para facilitar seja a compreensão seja a produção da língua estrangeira. Com efeito, nos últimos anos, graças a uma política europeia que visa encorajar o plurilinguismo em lugar do monolinguismo25, a noção de transfer, nascida no âmbito dos estudos contrastivos e que era tão criticada pela assim chamada análise dos erros26, voltou a ser valorizada (ver, entre outros, DABÈNE, 1996; DEGACHE, MASPERI, 1998; JAMET, 2009). A esse respeito foram ativados, especialmente na Europa, programas de pesquisa cujo objetivo é elaborar metodologias sobre a intercompreensão entre falantes de línguas próximas, buscando utilizar ao máximo a possibilidade de transfer de que dispõem os aprendizes. Dentre eles, lembramos o programa

Galatéa, instituído em 1991, que reúne pesquisadores espanhóis, portugueses, italianos,

suíços, romenos, chilenos e franceses, o programa EuRom4 que criou o material didático conhecido como “Metodo EuRom4: insegnamento simultaneo di tre lingue romanze”, o 23 Esse termo foi bastante discutido (Cf. CORDER, 1967; ELLIS, 1994; TSUI, 1995). De acordo com a

definição que adotamos aqui, o erro, que é uma fonte preciosa de informações porque alerta sobre o nível linguístico dos aprendizes, é uma forma linguística ou uma combinação de forma que, no mesmo contexto ou em condições de produção semelhantes, não seria produzida por falantes nativos (LENNON, 1991). Sendo a interlíngua um sistema imprevisível e em transformação contínua, é provável que os erros possam sempre estar sujeitos a mudanças. Por isso, não concordamos com quem afirma que os erros se fossilizam, criando uma espécie de bloqueio do sistema interlinguístico (SELINKER, 1972).

24Alguns estudiosos afirmam que a semelhança entre as línguas estimula a produção de um número maior de

casos de interferência (OLLER; ZIAHOSSEINY, 1970; RINGBOM, 1987).

25Tanto isso é verdade que hoje se prefere falar em competência plurilíngue e pluricultural (COSTE; MOORE;

ZARATE, 1997) em lugar de competência comunicativa (HYMES, 1972).

26 CORDER (1967, 1971, 1983), servindo-se de uma base epistemológica construtivista, opõe-se à análise

contrastiva e propõe que a aprendizagem de uma L2 depende de uma atividade criadora que induz o aprendiz a verificar suas hipóteses a partir de um dispositivo interno. Os “erros”, segundo CORDER, não decorrem, ao contrário do que afirma a análise contrastiva, da interferência da L1, mas são uma manifestação das hipóteses do aprendiz de que a língua estrangeira seja igual à LM.

projeto EuroComRom, desenvolvido na Universidade de Frankfurt sob a direção de Horst G. Klein e Tilbert D. Stegmann, os projetos Adriadna e Minerva, coordenados pela Universidade Autônoma de Barcelona e o projeto Galanet, que permite aos falantes de línguas românicas diferentes desenvolver a intercompreensão por meio de uma plataforma a distância (ver, por exemplo, ARAÚJO; HIDALGO; MELO-PFEIFER; SÉRÉ; VELA DELFA, 2009; BENUCCI, 2005; DABÈNE, 1995; DÉGACHE; MASPERI, 1995; SIMONE, 1997; JAMET, 2009b)27.

Embora as formas nascidas do contato entre as duas línguas, neste caso o italiano e o português brasileiro, que incluem a inserção de regras e termos da L1 na L2 e aqui denominadas conscious transfer, como a troca de código, o transfer, a tradução literal, os estrangeirismos e o transfer fonético, possam estar presentes, de maneira marcante, na interlíngua dos aprendizes28, sendo a interlíngua, como já falamos, um repertório de recursos verbais fortemente modelado pela interação e por processos discursivos, por meio deste estudo buscaremos demonstrar que essas formas, ao contrário daqueles que pensam que com o passar do tempo possam incorporar-se no sistema interlinguístico, provocando uma espécie de bloqueio na competência em LE29, quando utilizadas durante a elaboração de uma tarefa escrita em dupla, podem incentivar um tipo de atividade como negociações, reformulações, pedidos de ajuda, atividades de auto e heterorreformulação, que irão contribuir para o desenvolvimento do sistema interlinguístico e, portanto, para a aquisição/aprendizagem da LE, dado que é por meio da interação que se aprende uma língua estrangeira (GASS, 1997; LONG, 1996; PICA, 1987; SWAIN, 1985, 2005; VARONIS; GASS, 1985).

27 Um quadro atualizado dos principais projetos de pesquisa sobre a intercompreensão realizados na Europa

encontra-se em TOST (2005).

28A pesquisa de BIRELLO (2005), realizada entre aprendizes de italiano catalães, conclui que são relativamente

poucos os momentos em que os estudantes utilizam a L1.

29CORDER (1983), por exemplo, afirma que esses fenômenos, que ele denomina empréstimos (borrowing), de

um lado, garantem o sucesso na comunicação, mas, de outro, tendem, com o passar do tempo, a incorporar-se no sistema interlinguístico, provocando a fossilização, mecanismo latente em nível psicológico que leva ao bloqueio da competência em LE. A língua falada pelo aprendiz tende a não ir além de em um determinado nível, suficiente para seus objetivos comunicativos, e não progride mais (SELINKER, 1972).

CAPÍTULO 2

AS ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO: À PROCURA DE UMA TAXONOMIA

2.1 Introdução

Os estudos dedicados à utilização da LM nas interações entre aprendizes não são numericamente relevantes e, como vimos, dividem-se entre uma análise de tipo interacional30 ou sociocultural31.

Se os estudos de tipo interacional nos permitiram reconhecer e catalogar as funções desenvolvidas pela L1, os de tipo sociocultural provaram que o uso da L1, ao contrário do que sempre se pensou, não constitui um obstáculo, mas um importante suporte à disposição do aprendiz, porque é graças ao poder exercido pela linguagem que o indivíduo se constrói cognitivamente. Portanto, o uso da língua materna constitui um meio privilegiado para adquirir competências novas, especialmente quando se prevê a construção de uma língua diferente da própria. É em virtude da referência constante à L1 que o aprendiz terá condição de planejar e levar a termo diversas atividades, de estabelecer um ambiente de colaboração com os outros participantes, de dominar processos cognitivos indispensáveis para a realização de qualquer tarefa e de expressar sua individualidade.

Outra corrente de pesquisas que pode ajudar na compreensão da importância de que se reveste o uso da L1 na fala dos aprendizes é a que estuda as estratégias de comunicação (doravante EC). Dado que comunicar em L2 exige grande esforço cognitivo e que os aprendizes de L2 possuem uma capacidade de processamento da linguagem diferente daquela que possuem na língua materna (BIALYSTOK, 1990), para superar os problemas comunicativos e melhorar a comunicação, os falantes podem valer-se, em sua interlíngua, de toda uma série de estratégias de comunicação, dentre as quais aquelas que são influenciadas 30 Cf. ANDERSON, 2003; BIRELLO, 2005; CAMBRA; NUSSBAUM, 1997; CANAGARAJAH, 1995;

CASTELLOTTI, 1997, 2000, 2001; CAUSA, 1997; FERRONI, 2010; GARABEDIAN; LERASLE, 1997; GUTHRIE, 1985; HO, 1985; LAGARRETA, 1977; MILK, 1981; JOHNSON, 1985.

pela L1. Essas estratégias, denominadas conscious transfer32 são: a troca de código, a tradução literal, o transfer e os estrangeirismos33. Grande parte da literatura divide as estratégias em duas áreas: estratégias de compensação (achievement strategy) e estratégias de

evitamento (reduction strategy). As estratégias de evitamento destinam-se a reduzir as

ambições comunicativas à medida dos recursos disponíveis a fim de o aluno ser bem-sucedido em um âmbito restrito: abandono da mensagem, troca de assunto, substituição do sentido. As estratégias de compensação destinam-se a melhorar o nível da comunicação. São exemplos de estratégias de compensação: a troca de código, a tradução literal, o transfer e os estrangeirismos (QECR, 2002).

A primeira taxonomia que contemplou as estratégias baseadas na L1 é a de Tarone34 (1981). De acordo com essa pesquisadora, a troca de código e o transfer são estratégias compensatórias (compensatory strategies). Para Faerch e Kasper (1983) também são estratégias compensatórias utilizadas pelos falantes para resolver problemas de comunicação. Bialystok (1983), que dá um passo à frente porque inclui os estrangeirismos, as considera estratégias baseadas nos conhecimentos dos aprendizes em L1. Em geral, devemos reconhecer que, independentemente da nomenclatura que adotam, todos os autores, incluídos Dörnyei e Kormos (1998)35, concordam que essas estratégias são empregadas somente quando o falante não possui recursos linguísticos adequados em LE.

Analisando o material bibliográfico produzido até hoje, o primeiro dado que salta à vista é que existem muitos estudos dedicados à identificação e classificação das estratégias (ver, entre outros, DÖRNYEI; KORMOS, 1998; FAERCH; KASPER, 1983; POULISSE, 1993; TARONE, 1980; VÁRADI, 1973); à relação entre o tipo de tarefa realizada e o nível de competência (CHEN, 1990; PARIBAKHT, 1985; POULISSE; SCHILS, 1989; YARMOHAMMADI; SEIF, 1992); à análise das estratégias ou como produto de um processo ou como processo em si (BIALYSTOK, 1983; BIALYSTOK, 1990; FAERCH; KASPER, 1983), mas até agora não foram realizadas pesquisas que analisassem mais de perto a maneira como algumas estratégias, mais diretamente influenciadas pela L1 e classificadas como

conscious transfer, foram utilizadas por aprendizes cuja LM é semelhante à LE, no momento

em que eles estão empenhados na execução de uma tarefa escrita, dado este não secundário, 31Cf. ANTÓN; DiCAMILLA, 1998; BROOKS; DONATO, 1994; BROOKS; DONATO; McGLONE, 1997;

CENTENO-CORTÉS; JIMÉNEZ, 2004; McCAFFERTY, 1992; SCOTT; de la FUENTE, 2008; SWAIN; LAPKIN, 2000; VILLAMIL; de GUERRERO 1996.

32Aparecem pela primeira vez na taxonomia de TARONE (1977).

33Pode haver pequenas diferenças de denominação de um autor para o outro, mas, em geral, estas são as mais

difundidas.

uma vez que a estratégia depende também da natureza da tarefa (BIALYSTOK; FROHLICH, 1980; MARIANI, 2010)36.

Lembramos, também, que as pesquisas dedicadas às EC, em sua maioria, analisaram as estratégias produzidas em uma determinada língua estrangeira em contextos artificiais, como, por exemplo, os laboratórios em que os aprendizes são induzidos a produzir estratégias partindo da descrição de figuras complexas ou da narração de uma história em LE (ver, entre outros, BIALYSTOK, 1983; FAERCH; KASPER, 1983; POULISSE, 1990; RAPACH, 1983; TARONE, 1981; VÁRADI, 1973).

De nossa parte, procuraremos provar que a utilização de dados autênticos, ou seja, obtidos durante a interação real que acontece na aula de língua estrangeira, possa resultar muito mais proveitosa do que o estudo de um contexto fictício como aquele do laboratório, dado que a observação direta da classe é um instrumento insubstituível quando o pesquisador pretende descobrir o que acontece na aula de língua e enriquecer seus conhecimentos sobre aquisição/aprendizagem da língua.

Se, de modo geral, grande parte da literatura limitou-se, até agora, a considerar as estratégias baseadas na L1 apenas como um recurso utilizados pelos falantes para fazer frente a problemas de comunicação decorrentes da falta de recursos linguísticos adequados para expressar-se na LE, partindo do pressuposto de que, como já dissemos, a conversação que acontece na aula de língua estrangeira oscila entre o exolinguismo e o bilinguismo, por meio deste estudo tentaremos demonstrar que, além de preencher determinadas lacunas linguísticas, os aprendizes de uma LE próxima da LM podem valer-se de estratégias de comunicação denominadas conscious transfer, para obter efeitos e funções comunicativas que a LE não possui.

Para a análise das EC produzidas por aprendizes de italiano durante a realização de uma tarefa escrita em duplas, tomamos como base a taxonomia proposta por Dörnyei e Kormos (1998). Os objetivos da pesquisa consistem em verificar: se as estratégias denominadas

conscious transfer favorecem o desenvolvimento da interlíngua e, portanto, se contribuem

para a aprendizagem e aquisição; se estas estratégias, como demonstra grande parte dos estudos, são empregadas pelos falantes somente para fazerem frente a problemas de ordem linguística. Nas páginas seguintes, em primeiro lugar, vamos tentar definir o conceito de EC, 35Esses últimos consideram a troca de código, a tradução literal, os estrangeirismos e o transfer.

36Os únicos estudos são de RAMPTON (1997) e PEKAREK (1999) que, além ser datados, são incompletos

para, em seguida, esclarecer os critérios que orientaram a escolha da taxonomia utilizada para a classificação das estratégias.