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Estratégias para gerenciar a conversação utilizadas pelo falante em contextos exolíngues e

Pertencem a essa categoria todas as estratégias realizadas por meio da L1 que servem para regular as atividades discursivas. Os aprendizes usam a L1 para enfrentar alguns aspectos da conversação como, por exemplo: abrir e encerrar a conversação, fazer comentários e exclamações, tomar e passar a palavra, pedir ou dar consentimento, chamar a atenção e verificar a compreensão do interlocutor, bem como sinalizar que houve a recepção130. Essa estratégia não está presente nem na taxonomia de Dörnyei e Kormos (1998), nem nas outras, e isso não deve causar surpresa, dado que, como já comentamos, tende-se a menosprezar a dimensão discursiva131, especialmente quando se estudam as estratégias denominadas

conscious transfer.

Os aprendizes, para assinalar que seu turno está se encerrando e que será a vez do outro falante, em lugar de utilizar a LE, se servem dos marcadores discursivos132 que Marcuschi (1986, p. 73) denomina “sinais de saída ou entrega de turno”, como “tá, né, bom” (em português/brasileiro), que podem ser usados com funções diversas133. Os marcadores discursivos são elementos que, esvaziando-se parcialmente de seu sentido originário, 129Cf. ANTÓN; DiCAMILLA, 1998; BROOKS; DONATO, 1994; BROOKS; DONATO; McGLONE, 1997;

CENTENO-CORTÉS; JIMÉNEZ, 2004; McCAFFERTY, 1992; SCOTT; de la FUENTE, 2008; SWAIN; LAPKIN, 2000; VILLAMIL; de GUERRERO 1996.

130 BAZZANELLA (1994) observa que esses sinais discursivos são muito frequentes na produção dos

estudantes, uma vez que eles não possuem a mesma competência linguística dos professores.

131A única exceção é o trabalho de PAKAREK (1999), que analisa, porém, somente a troca de código.

132A temática referente à terminologia é muito complexa e não será abordada neste trabalho. Sobre isso, ver

BAZZANELLA (1990). Vamos apenas observar que, nas publicações da área anglo-saxã referentes à análise do discurso e da conversação, tornou-se comum o termo “marker”. Adotamos a definição de BAZZANELLA (1994), segundo a qual “marker” são os elementos que, esvaziando-se parcialmente de seu sentido originário, adquirem valores agregados que servem para destacar a estruturação do discurso, ligar elementos frasais, interfrasais, extrafrasais e para explicitar a inserção do enunciado numa dimensão interpessoal e apontam para a estrutura interativa da conversação. Na Itália esse tipo de assunto foi estudado por Bazzanella (1994,2005, 2006); no Brasil, ver Marcuschi (1986) e Urbano (1993).

adquirem valores agregados que servem para destacar a estruturação do discurso, ligar elementos frasais, interfrasais, extrafrasais e para explicitar a inserção do enunciado numa dimensão interpessoal e apontam para a estrutura interativa da conversação (BAZZANELLA, 1994). Para Nussbaum (1990, 1992), esses marcadores cumprem uma função importante porque têm a tarefa de reforçar a organização argumentativa do discurso. Não é estranho que apareçam quando os participantes falam em LE, dado que, salienta a autora, são palavras “vazias”134das quais não é fácil aprender o uso adequado.

Vamos indicar agora os sentidos que podem transmitir. Em primeiro lugar, sendo polifuncionais (BAZZANELLA, 1994), observamos que um único marcador pode cumprir diversas funções, como no caso do marcador “né”, nascido da contração de “não é”, o qual, além de ser o mais frequente, aparece nos turnos do falante em posição final e com intoação ascendente, para pedir a confirmação do que foi dito, uma vez que o aprendiz não está totalmente convencido da verdade de seu enunciado. Costuma aparecer em frases interrogativas empregadas por quem fala para expressar dúvidas sobre o funcionamento da língua, dúvidas que podem ser de natureza gramatical, ou lexical, ou referentes à execução da tarefa atribuída. Trata-se de um sinal referente à aprovação que, em italiano, é geralmente expresso por meio de “no”, “vero”, “non è così”, “eh!” e, de certa forma, pode indicar que o falante estaria disposto a passar a vez ao outro. A esse respeito, se considere o exemplo 17, no qual Anna e Pasquale estão buscando responder a uma pergunta sobre a função do imperfeito em um texto. Pois bem, Anna utiliza o marcador “né” no final de seu turno não somente para obter a aprovação, mas também uma confirmação do colega que considera mais experiente do que ele próprio, ou pelo menos é esse o papel que resolve atribuir-lhe, tanto é verdade que Pasquale intervém prontamente para dar sua confirmação e, desse modo, tranquiliza a colega.

EXEMPLO 17

Ad: come ha detto? imperfetto::: immobilità né Pa: sì…

O que dissemos fica ainda mais claro se considerarmos a sequência 18, na qual a dupla de estudantes está formulando hipóteses sobre um vídeo. Visto que Francesca não tem certeza de que o termo “uniforme” esteja correto (o termo correto em italiano seria “divisa”), pede que o colega confirme, colocando no final de seu turno o marcador “né”:

EXEMPLO 18

F: qui sono ragazzi di::: come si dice? con i vestiti di::: L: scuola non lo so

F: questa cosa uniforme né ((em voz muito baixa risos)) L: uniforme

O marcador “né”, como também “tá”, além de servir para enfrentar dificuldades de natureza linguística, pode ocupar a posição final do enunciado daquele que está com a vez, para tornar a conversação mais fluente. Nesse caso, o uso do sinal discursivo “né” indica que, entre os interactantes, há certo grau de envolvimento e unidade de propósitos. Tomemos como amostra significativa o exemplo 19, extraído durante uma aula em que se pediu aos estudantes que, sempre em dupla, respondessem a perguntas sobre um texto. A sequência mostra claramente que Pasquale e Adele estão envolvidos na atividade que lhes foi atribuída e que ambos desejam realizar a tarefa por meio de uma modalidade em que predomina a colaboração; a presença do marcador “né” indica, precisamente, o esforço efetuado em conjunto.

EXEMPLO 19

Pa: prendiamo questo la madre vive lavora Ad: diverso né

Pa: sì

Acontece a mesma coisa no exemplo seguinte, no qual os estudantes devem reconstruir o trecho que foi omitido num texto e, antes de chegarem a um acordo, têm uma discussão animada na qual os turnos, embora se trate de uma conversa produzida em um contexto exolíngue, se revezam de maneira natural numa atitude de colaboração.

EXEMPLO 20

F: hanno scoperto hanno detto a lei ah fai questa cosa un’altra volta:::

oppure quando quando ((inc)) la minaccia fa qualcosa su quello che lei aveva già fatto per esempio fumare la sigaretta

Ad: hai fumato::: una suora non può fumare non può avere i capelli rossi né!

Os aprendizes podem fazer comentários e exclamações em L1 com função expressiva, como se observa na sequência 21, em que Pasquale, depois que a colega consultou o dicionário, usa a expressão “nossa” para manifestar um sentimento de surpresa. Para apontar 134BAZZANELLA (1994) fala de palavras dessemantizadas.

partes do texto ou, durante a interação, para chamar a atenção do interlocutor, os estudantes utilizam interjeições como “oh”. Vejam-se os exemplos seguintes:

EXEMPLO 21

Pa: ci sono ((escrevendo)) eh::: elencare c’è elencare?

Ad: ((consultando o dicionário)) enu- enumerare annoverare sciorinare Pa: nossa sciorinare

EXEMPLO 22

F: ((indicando uma parte do texto)) ah è perché oh ((lendo)) minacciando di denunciarla al capo vagone quindi c’è qualcosa che::: lei ha fatto =

O estudo das expressões fônicas com função expressiva, segundo Caffi (2002), é um campo de pesquisa ainda pouco explorado pelos linguistas, por ser considerado mais relacionado ao estudo da biologia do que ao estudo da mente. Entretanto, nos últimos anos, muitos pesquisadores consideram que, por meio da expressão fônica das emoções, o falante manifesta uma parte importante de si e dos conteúdos de seu ato comunicativo e que, portanto, a análise dos aspectos expressivos da língua contribui de maneira relevante para a compreensão dos processos complexos de produção da significação humana135.

Finalmente, a L1 é empregada com finalidades expressivas para sintetizar o conteúdo de uma atividade. Observe-se o exemplo seguinte, em que Mina e Francesca devem produzir um texto escrito e, em lugar de repetir tudo aquilo que estabeleceram anteriormente, utilizam interjeições em português, como “nanana, tarara”, para resumir o que deve ser feito:

EXEMPLO 23

M: nei segue- nei seguenti esempi ((ditando em voz alta)) come si può vedere nei esempi costantino è costantino eh::: nanana

F: nanana ((risos))

As estratégias de gerenciamento da conversação, ao contrário de grande parte das outras estratégias denominadas conscious transfer, não são precedidas por pausas, umming and

erring, repetições ou sinais extralinguísticos (risos, expressões faciais, olhares, abaixamento

da voz). Com efeito, os interactantes não se dão conta de que estão empregando formas de sua L1 e isso explica a ausência de auto ou heterocorreções após essas estratégias. O uso desses recursos por parte dos estudantes é particularmente significativo porque mostra que as estratégias, além de serem empregadas em conversações exolíngues para compensar um vazio 135Sobre isso, vejam-se algumas contribuições interessantes em BAZZANELLA e KOBAU (2002) e, sobretudo,

linguístico, podem servir, em contextos bilíngues, para satisfazer exigências comunicativas com função expressiva. Essa observação encontra confirmação na pragmática. A esse respeito, veja-se Bazzanella (1994, p. 148), que comenta que “[…] uma das funções mais difundidas e significativas dos sinais discursivos é aquela, de tipo interacional, destinada a sublinhar o aspecto fático, ou seja, a coesão social da comunicação entendida como instrumento para criar, fortalecer ou evidenciar a vinculação de um indivíduo a um grupo” (tradução nossa). Além disso, num contexto que favorece o uso funcional e expressivo da LE, a presença de determinadas marcas, próprias de situações menos formais e mais coloquiais, é esperada mais do que em um contexto em que o professor se dirige a toda a classe. Esse dado levanta uma questão importante, que deve ser levada em consideração quando se leciona a LE. Em nossa opinião, na aula de língua estrangeira, além das competências linguísticas que abrangem os setores da morfologia e da sintaxe, deve ser considerada também a dimensão pragmática da língua para que os aprendizes tomem conhecimento de alguns fenômenos pragmáticos e não apenas de regras prescritivas sobre o uso da língua. A aquisição dos sinais discursivos pode não ser tarefa fácil na aula de língua estrangeira devido à fragilidade fônica, à polissemia e à indefinição semântica que caracteriza esses sinais, embora, come escreve Schiffrin (1987), eles nunca sejam vazios e mantenham uma ligação com seu “core meaning”.