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Estratégias utilizadas pelo falante em contextos exolíngues: os

Da mesma forma que a troca de código, o estrangeirismo também é uma estratégia de compensação (achievement strategy). Presente sob o nome de word coinage na primeira taxonomia de Tarone (1977), voltamos a encontrá-la em Faerch e Kasper (1983) e Dörnyei e Kormos (1998). Para esses últimos, são estrangeirismos (foreignizing) todas as formações em que o falante usa uma palavra da L1 para criar uma palavra nova em LE. Como observam Faerch e Kasper (1983), essa estratégia envolve o aprendiz em um processo criativo, no qual ele construirá uma palavra nova interlinguística, mesmo correndo o risco de sair-se mal. Como as demais estratégias de compensação, essa possui grande potencial para a aprendizagem, porque induz o aprendiz a formular hipóteses e a enfrentar o problema para se expressar. Essas construções são indícios claros dos processos cognitivos acionados pelo aprendiz durante o desenvolvimento de sua interlíngua.

Analisando o corpus, observa-se que, em comparação com as outras estratégias, essa é a menos utilizada pelos aprendizes, num total de cinco ocorrências. Ela está presente no nível lexical, mais precisamente por meio da troca de morfemas lexicais da LM com morfemas derivacionais da LE, sendo, em alguns casos, relativamente difícil estabelecer se o aprendiz está criando uma palavra nova ou se está fazendo a tradução literal136.

Em muitos casos, os alunos parecem saber que estão usando uma forma que, provavelmente, não existe, uma construção anômala, mas que, naquele momento, se torna necessária porque permite manter viva a interação. Veja o exemplo seguinte:

EXEMPLO 24

L e Pa estão escrevendo o texto juntos

L: ha cominciato a camminare::: prima di arrivare::: al gabinetto perché qua dice che lei era al gabinetto Pa: e se mettiamo… ha messo la mano destra nella tasca e ha preso un pacchetto di sigaretto::: sigaretti::: sigarette mentre nazarena e michelina la inseguivano…. la inseguivano eh::: continuavano a (blasfemare) TL due punti no? ((escreve no papel o que disse)) mentre nazarena e michelina la inseguivano::: eh::: continuavano a (blasfemare) TL (diasfemare) ES no?

L: io credo di sì

Pa: (blasfemare) TL (diasfemare?) ES biasimare? cos’è biasimare quando si dice una grossa parola ((inc)) come si dice blasfêmia?... bestemmiare

Laura e Pasquale devem escrever juntos um texto e cada um tenta formular algumas hipóteses. Observemos o que acontece no turno de Pasquale. Em primeiro lugar, há, logo no início, um transfer de gênero. Com efeito, Pasquale usa por duas vezes consecutivas um termo em LE, mas com o gênero da LM “sigaretto:::sigaretti:::”; após uma hesitação, Pasquale se autocorrige e coloca a forma correta “sigarette”. Em seguida, há um período redundante, formado por uma série de repetições “la inseguivano…la inseguivano”, de pausas, de alongamentos de som “la inseguivano:::”, que fazem prever que Pasquale tem consciência das estratégias que está usando e está procurando ganhar tempo para escolher a palavra adequada, que não demora a aparecer, mas, em lugar de “bestemmiare”, Pasquale faz uma tradução literal: “blasfemare”. Ainda não satisfeito, continua a ganhar tempo e, após mais uma tradução, cria a forma híbrida “diasfemare”, formada pela união do verbo português “blasfemar” e pelo sufixo verbal italiano da primeira conjugação “are”. Dado que Pasquale não está convencido de ter achado a palavra correta, pede para a colega uma ajuda direta “blasfemare diasfemare no?”. Laura, que evidentemente não sabe responder, confirma a resposta “io credo di sì”. Finalmente, Pasquale, ainda insatisfeito, faz mais uma tentativa e, após uma série de reformulações que contêm uma hesitação, uma tradução literal e um 136Para DÖRNYEI e KORMOS (1989), na tradução literal o falante traduz literalmente um termo da L1 em L2.

estrangeirismo, recorre à sua LM. Só então, encontra o termo que estava procurando: “bestemmiare”.

Em outros casos, a presença de um estrangeirismo origina uma interação em que o colega colabora por meio de uma reparação para corrigir o que foi percebido como anômalo e até provocou risos entre os interactantes. O riso, como lembra Goffman (1967), pode nascer do medo de sair-se mal. Vejamos a próxima sequência:

EXEMPLO 25

Estão escrevendo as respostas

Pa: ((lendo)) quali elementi ti hanno permesso di dedurre il contesto C: le da…la date?

Pa: le date

C: le date c’era un cartello scritto l’etiopia

Pa: sì cartello o (cartace?) ES come si dice cartello o (cartace?) ES penso che cart- non so C: cartello

Pa: (cartace) ES no? bom ((risos))

Pasquale não sabe se diz “cartello”, termo correto, ou “cartace”, estrangeirismo composto pelo substantivo português “cartaz” mais o sufixo italiano pouco produtivo “ace”. Na dúvida, ganha tempo, repete os termos e depois formula um pedido de ajuda “come si dice?”. Caterina, então, intervém por meio de uma heterocorreção e sugere “cartello”. A sequência termina com uma risada provocada, provavelmente, pela neoformação criada por Pasquale.

Raramente o emprego de um estrangeirismo passa despercebido, como acontece no exemplo 26:

EXEMPLO 26

Em dupla, devem responder a algumas perguntas sobre o vídeo.

M: sì perché quando::: si fa questo si perde molto tempo molte cose che si dicono sono sbagliate An: sì

M: eh:::

An: non c’è un (giugizio)137ES

M: sì

An: perché::: quando racconta quando lei (escreve) TL quando. si legge ques- il libro di storia. noi siamo (distante) TL

M: sì lontani

Ad: il (giugizio) ES i valori sono diversi

Mina e Anna estão tão empenhadas na discussão que a precisão passa em segundo plano e, assim, além do estrangeirismo “giugizio”, observa-se a presença de duas traduções literais “escreve” e “distante”, que não são corrigidas nem por quem fala nem pelo interlocutor. 137Em italiano (giudizio).

Diferentemente dos casos anteriores, as produções anômalas não são precedidas nem por sinais de hesitação, nem por pedidos de ajuda, nem por feedback (com exceção de “lontani”, que Mina corrige e coloca no lugar de “distante”). Pode-se dizer que, aqui, o nível de tolerância dos falantes está abaixo do normal. Isso pode ser devido ao fato de que, nessa atividade, as duas estudantes devem falar, ao passo que nos exemplos anteriores elas estavam escrevendo. Portanto, é provável que o tipo de atividade que está sendo realizada138determine a precisão maior ou menor e que, assim, condicione o uso estratégico da língua. Nos momentos em que se exige maior correção, como, por exemplo, na elaboração de um texto escrito, os aprendizes irão recorrer, com frequência, a uma modalidade cooperativa, irão interagir e negociar juntos o sentido para buscar a palavra correta, assim como tentarão ganhar tempo e farão mais pedidos de ajuda, auto e heterocorreções. Ao contrário, quando a tarefa exige menor precisão, como nas interações, momento em que a comunicação, mais do que a competência linguística, está em primeiro plano, é bem provável que os falantes, cientes disso, estejam mais predispostos a usar formas indeterminadas e aproximadas.

A propósito dessa estratégia, cabe uma observação de caráter metodológico. Em primeiro lugar, esclarecemos que não foi fácil delimitar essa estratégia porque ela tende a confundir-se com a tradução literal; em segundo lugar, constatamos que ela não é muito produtiva, dado que, no contexto que examinamos, aparece somente cinco vezes. Trata-se de uma estratégia típica do contexto exolinguístico, por ser empregada pelos interlocutores para suprir lacunas linguísticas de seu repertório. Sendo uma estratégia de compensação (achievement strategy), apresenta uma vantagem dupla: de um lado, incentiva o falante a tentar preencher o vazio linguístico, de outro estimula a criação de uma palavra nova, independente tanto da L1 quanto da LE e com uma gramática própria. Em síntese, ajuda o falante a formular hipóteses que constituem um potencial para o progresso de sua interlíngua.

Notamos que o tipo de atividade que está sendo realizada pode condicionar o uso dessa estratégia. Embora a interação entre pares crie, em geral, um contexto favorável a heterorreparações (NUSSBAUM; TUSÓN; UNAMUNO, 2002), durante as atividades escritas, os aprendizes aplicam-se mais na tentativa de controlar conscientemente sua produção, utilizando uma série de “Séquences Potentiellement Acquisitionnelles” (SPA) (DE PIETRO; MATTHEY; PY, 1989), a fim de conseguir maior correção. Portanto, estarão mais atentos às formas anômalas, que serão corrigidas por meio de uma atividade interativa/solidária (auto e heterocorreções, pedidos de ajuda, atitudes para ganhar tempo). 138 A esse respeito, vejam-se os estudos de BIALYSTOK, FROHLICH (1980), NUSSBAUM, TUSÓN e

Durante as discussões, isso não acontece porque a atenção está voltada principalmente para a comunicação e não para problemas de natureza formal. Por isso, os estudantes diminuem a produção de SPA e estão mais dispostos a aceitar a falta de precisão. Nesse contexto, também os estrangeirismos parecem ser mais tolerados e passam despercebidos.

5.6 Estratégias utilizadas pelo falante em contextos exolíngues e bilíngues: o transfer