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3.3 As tarefa (task)

3.3.3 Tarefa e forma

Outro aspecto que precisa ser esclarecido quando se fala em tarefa é o papel que cabe à forma. Dado que o assunto esteve no centro de muitas polêmicas, antes de apresentar os critérios adotados para a elaboração das tarefas, é oportuno expor, brevemente, os diferentes pontos de vista sobre esse assunto. Como observa Rutherford67(1988 apud LO DUCA, 1999, p. 1), o ensino da língua estrangeira, desde seus primórdios, foi entendido como ensino gramatical. Durante muito tempo pensou-se que, para poder falar uma língua estrangeira, bastava conhecer seus aspectos formais. Veja-se, por exemplo, o método gramatical- tradutório, baseado exclusivamente no estudo de regras gramaticais e na tradução de frases e textos. Essa visão é compartilhada, aliás, também pelos métodos posteriores ao gramatical, como o método direto, o método oral, o audiolingual e os métodos humanístico-afetivos, que, embora promovam um tipo de ensino gramatical indutivo, apresentam a língua como um conjunto de estruturas que devem ser aprendidas de modo mecânico e repetitivo, desvinculadas de qualquer contexto. Essa opinião é compartilhada e estimulada pelos linguistas da época, como, por exemplo, Sweet68 (1899 apud PIRES, 1997, p. 57), o qual afirma que, somente por meio do estudo sistemático da gramática, é possível aprender uma língua, ou Fries69 (1945 apud PIRES, 1997, p. 58), para o qual aprender una nova língua significa repetir as estruturas, partindo-se das mais simples até chegar às mais complexas.

Somente nos últimos 30 anos foi atribuído ao ensino da gramática um papel totalmente diferente. Essa revolução, se assim podemos chamá-la, coincide com o surgimento da abordagem comunicativa que, elaborada na década de 1970 pelos linguistas Hymes (1972) e Halliday (1973), coloca no centro da aprendizagem a comunicação em LE. Conforme observa Madeira (2003), o conceito de competência comunicativa elaborado por Hymes (1972) suscitou, entre os adeptos mais radicais, diversas interpretações. Uma das consequências mais imediatas foi a banimento do ensino da gramática, embora o sociolinguista inglês, na sua versão original, nunca o tenha excluído. Nesse sentido, o modelo de competência comunicativa proposto por Canale (1983) deve ser entendido como uma tentativa de 66BEGLAR, D.; HUNT, A. Implementing task-based language teaching. In: RICHARDS, F.C.; RENANDYA,

W.A. Methodology in language teaching. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

67RUTHERFORD, W.; SMITH, M.S. Grammar and second language teaching. A book of readings. New York:

Newbury House Publisher, 1988.

68SWEET, H. The practical study of languages. A guide for teachers and learners. Oxford: Oxford University

reestabelecer certo equilíbrio entre uso e conhecimentos referentes à língua. De acordo com esse autor, o ensino da gramática não pode ser simplesmente abolido, assim como não pode constituir o núcleo, mas deverá ser inserido num contexto em que apresenta sentido. Por isso, a competência comunicativa é formada por um conjunto de subcompetências: a competência gramatical, a competência sociolinguística, a competência discursiva e a competência estratégica70.

O papel da gramática foi objeto de estudo também por parte de pesquisadores que se dedicam à aquisição/aprendizagem da LE. Em primeiro lugar, Krashen (1982, 1985), segundo o qual, não havendo nenhuma ligação entre aquisição implícita e aprendizagem explícita, a aprendizagem da gramática aconteceria de maneira totalmente acidental. A posição de Krashen não é compartilhada por outros autores (IZUMI; BIGELOW, 2000; LONG, 1983a; SCHIMIDT, 1990; SWAIN 1985). Swain (2005), por exemplo, observa que a produção (output) em LE, além de promover a aquisição, estimula os aprendizes a prestar atenção na forma (Noticing/Triggering Function) e a testar suas hipóteses (Hypothesis Testing Function).

Com efeito, o input ao qual estamos expostos, na maioria das vezes, é compreendido, mas não é analisado, e é graças à produção, que exige maior atenção para a forma, que a mensagem passa a ser analisada. Essa é também a visão de Izumi e Bigelow71 (2000 apud MADEIRA, 2003, p. 112), que consideram a exposição à língua de chegada insuficiente, porque ela atua somente em curto prazo, ao passo que a produção linguística (output) permite a fixação na memória de maneira mais duradoura, transformando-se, assim, em aquisição.

Outro estudo relevante é o de Long e Robinson (1998), que consideram importante dar destaque à forma (Focus ON Form - FONF)72, com a condição de que ela seja apresentada em um contexto no qual o input esteja impregnado de sentido.

É possível elaborar tarefas em que, além do sentido, encontre espaço também a forma? Ou adotar essa abordagem pode significar renunciar à forma?

69FRIES, C. Teaching and learning english as a foreign language. Ann Arbor: University of Michigan Press,

1945.

70 A competência gramatical de CANALE (1983) é dividida em: conhecimentos referentes ao código, ao

vocabulário, à formação das palavras, à formação das frases, à pronúncia e à ortografia. Embora o modelo de CANALE (1983) seja aquele mais difundido, o conceito de competência comunicativa foi discutido também por outros autores. Ver, entre outros, BACHMAN (1990) e QECR (2002).

71IZUMI, S.; BIGELOW, M. Does output promote noticing and second language acquisition? Tesol Quarterly,

v. 34, n. 2, p. 239-278, 2000.

72O conceito de focus-on-form de que falam LONG e ROBINSON (1998) é muito diferente do focus-on-formS.

No primeiro, o aprendiz está envolvido num conjunto de atividades que criam condições para que a língua seja observada num contexto; o segundo apresenta atividades linguísticas isoladas, uma após a outra, ignorando-se o sentido e a comunicação.

Nas tarefas que elaboramos, os aprendizes deviam notar (noticing) a forma por meio de atividades comunicativas que estimulavam a observação da ligação entre o sentido e a forma, sendo que dispensar a reflexão gramatical no ensino da L2 é uma pretensão absurda.

Com efeito, o aprendiz sempre reflete sobre a estrutura da língua que estuda, quaisquer que sejam sua idade e seu nível cultural, qualquer que seja sua situação de aprendizagem, qualquer que seja o credo gramatical do professor. Seria, então, totalmente inatural ignorar os mecanismos formais da língua-alvo. A esse respeito, o QECR (2002, p. 143) sugere que, embora possa ser mais proveitoso partir do sentido e não da forma, “[…] para aprender uma língua é preciso adquirir seja as formas seja os sentidos”73(tradução nossa).

Isso posto, as atividades comunicativas que estimulavam a observação da ligação entre o sentido e a forma eram construídas com base em textos74, porque, como afirma Eco (1997, p. 239, tradução nossa), “é o texto que estabelece as regras”. Diferentemente das frases isoladas, os textos valorizam a pragmática, a estrutura do texto e do discurso, aspectos fundamentais para que seja desenvolvida a competência linguística75, entendida como capacidade de uso.