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A Criança e o Animal: o 4.º Educador Virginie de Figueiredo

APRESENTAÇÃO DE ALGUNS RESULTADOS

Dada a dimensão dos dados do estudo apenas se apresentarão alguns resultados decorrentes da aná- lise de conteúdo da entrevista efetuada às crianças em que se pretendia; conhecer o panorama geral das crianças quanto à presença de animais de companhia; perceber o tipo de relação que, no seio fami- liar, estas estabeleciam com o seu animal; verificar a consciência geral da criança do animal enquanto ser vivo dotado de sensibilidade, personalidade e direitos.

Apesar da intenção de entrevistar as 24 crianças, tal não foi possível tendo sido entrevistadas apenas 22 crianças. A criança C7 mostrou-se desinteressada e incomodada com o facto de estar a ser en- trevistada optando por não responder a nenhuma questão. Em diferentes momentos tentou-se uma nova abordagem, porém a criança nunca revelou interesse. A criança C15 respondeu apenas às duas primeiras perguntas (tabela 1 e 2). Por essa razão a realização das entrevistas com estas crianças acabou por ser inconclusiva.

No âmbito das primeiras questões: Gostas de animais? Tens algum(uns) animal (is)? e, em caso afir- mativo: que animal(is) tens? Obteve-se os seguintes dados apresentados nas tabelas 1, 2 e 3.

Evidências f % Código das crianças

Sim 22 91,6 C1; C2; C3; C4; C5; C6; C8; C9; C10; C11; C12; C14, C15; C16, C17; C18, C19; C20; C21; C22; C23; C24

Não 1 4,2 C13

NS/NS* 1 4,2 C7

Total 24 100

*NS (Não sabe); NR (não responde)

Tabela 1. “Gostas de animais?” (N=24)

Pela análise da tabela 1, constata-se que 22 das 24 crianças (91,6 %) responderam positivamente à pergunta. A criança C13 foi a única que respondeu negativamente à pergunta (4,2%), e, tímida, não se explicou, ao passo que a C7, optou por não responder (4,2%). As crianças foram também questiona- das se tinham algum animal de companhia (tabela 2).

Evidências f % Código das crianças

Sim 21 87,5 C1; C2; C3; C4; C5; C6; C8; C9; C10; C11; C12; C14; C15; C17; C18; C19; C20; C21; C22; C23; C24 Não 2 8,3 C13; C16 NS/NR* 1 4,2 C7 Total 24 100

*NS (Não sabe); NR (não responde)

Tabela 2. “Tens algum(uns) animal (is)?” (N=24)

Pela análise da tabela 2 constata-se que mais de dois terços das crianças (87,5 %) afirmam ter um ou mais animais. Voltou-se a verificar uma não resposta por parte da criança C7.

Como 21 crianças afirmavam terem animais tentou-se saber de que animais se tratava (tabela 3). As crianças C13 e C16 referiram não ter animais, sendo as únicas a responder negativamente. Destaca-se que a C13 tinha referido anteriormente não gostar de animais. A criança C16 não tem nenhum animal, mas esperança e desejo de ter. Foi assim necessário entender o motivo por que afirmavam não ter animais.

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“Não tenho uma quinta!” (C13)

“Não tenho porque vou mudar de casa, mas a minha mãe já me disse que quando mudar vou ter!” (C16)

Evidências f* % Código das crianças

Cão 14 66,7 C1; C4; C5; C6; C8; C9; C10; C11; C14; C17 C20; C21; C23; C24 Gato 7 33,3 C2; C3; C8; C12; C19; C21 C22 Peixe 4 19 C2; C6; C18; C22 Galinhas 2 9,5 C6; C10 Pássaros 3 14,3 C6; C10; C17 Papagaio 1 4,8 C10 Hamster 1 4,8 C2 NS/NR* 1 4,8 C15

* As crianças indicaram mais do que um animal. *NS (Não sabe); NR (não responde)

Tabela 3. “Que animal (is) tens? (n=21)

Pela análise da tabela 3, podemos apurar que, das 24 crianças do grupo a maioria delas (66,7%) afirma ter pelo menos um cão, destacando-se também o gato como animal mais presente no seio familiar deste grupo (33,3%). Podemos verificar que as crianças C6 e C10 foram as que mais animais mencionaram na entrevista, tendo mencionado quatro animais, seguidas da criança C2 que mencio- nou três animais distintos. Note-se que todo o grupo é proveniente de um meio rural, contudo, ape- nas as crianças C6, C10 e C17 fizeram referência, na entrevista, a animais característicos da quinta. Analisando com mais profundidade os dados das entrevistas quanto ao número total de animais foram contabilizados 20 cães, sendo que as crianças C4 e C10 contam com três cães cada uma no seu seio familiar, sendo seguidas das crianças C8 e C11 que contam, cada uma delas, com dois cães no seu seio familiar. Portanto verifica- se que o número máximo de cães por criança no grupo em estudo é de três. As restantes 10 crianças que referiram ter um cão (C1, C5; C6; C9; C14; C17; C20; C21; C23; C24) possuem apenas 1 cão. No que diz respeito ao número total de gatos existentes nos seios familiares deste grupo, contabilizaram-se 13 gatos, pelo que as crianças C2, C8, C12, C19 e C22 responderam ter um único gato em casa, porém a criança C3 afirma ter agora oito gatos em casa. “Tenho 10. Olha, já saíram dois gatinhos e ficaram lá oito!” (C3)

Pela análise das respostas à questão: O(s) teu (s) animal (is) tem nome? e relacionando-a com os dados da tabela anterior, verificou-se que todos os cães, sem exceção referidos pelo grupo tinham nome próprio. O mesmo acontece com os gatos, salvo a criança C3 que dado o número de gatos, como supramencionado, não tinham nome. O único hamster da criança C2 tem nome e chama-se Tobias. A criança C18 também nos informou que os seus dois peixes se chamam Sílvio e Ricardi. As galinhas, os pássaros e os papagaios não foram, na entrevista, nem batizados nem especificados quanto ao número de indivíduos por espécie.

Considerando a natureza semiestruturada da entrevista, que permite uma maior flexibilidade quanto à sequência e aos conteúdos do diálogo, revelou-se mais pertinente e interessante uma análise das restantes questões baseada nas narrativas dos participantes pretendendo responder aos próximos dois objetivos da investigação, nomeadamente: Verificar a consciência geral do grupo no que diz res- peito à consciência do animal enquanto ser vivo dotado de sensibilidade e personalidade e perceber o tipo de relação que cada uma das crianças e respetivo seio familiar estabelece com o(s) seu(s) animal(is). Retomando o caráter flexível do tipo de entrevista aplicado, foi possível constatar a adequação da mesma ao contexto dado que, por variados motivos, nem todas as crianças conse- guiram dar respostas objetivas a todas as questões, contudo, também foi possível recolher dados adicionais pertinentes.

O outro instrumento relevante de recolha de dados foi o nosso dossier intitulado “Os nossos amigos especiais.”, através do qual podemos verificar três aspetos de destaque: a estreita relação existente entre o contacto dos participantes com os animais do campo e a relação de proximidade com os avós; a posição e valorização do(s) animal(s) por parte dos membros da família da criança e respetiva cons-

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ciência global do animal, assim como, verificar a coerência e o interesse das crianças com as entrevis- tas previamente realizadas: dos 24 participantes, 22 participaram quer na entrevista quer no dossier concluindo-se que 63,6 % foi coerente na informação que transmitiu entre os dois momentos, 27,3 % acrescenta informação no registo do dossier e 9,1 % não é coerente, correspondendo, curiosamente, às crianças C21 e C13 que informaram, através do dossier, serem alérgicas ao pêlo. A criança tinha re- ferido não gostar de animais (tabela 1) e não ter animais ao passo que a criança C21 inventou dados, por sinal, semelhantes aos da criança c24.

Curiosamente, verifica-se a existência de uma estreita relação entre o contacto com os animais da quinta e a relação de proximidade com os avós. Das 10 que referiram os animais da quinta: cinco habitam com eles e quatro relacionaram esse contacto com os avós.

Foi percetível que sete crianças se destacam pela proximidade e cumplicidade existente entre ela e o(s) seu(s) animal(is) e salienta-se ainda que as crianças C1, C4, C8 e c23 se destacaram claramente pela segurança, confiança e autoestima com que se manifestaram e participaram em todos os mo- mentos. Estes resultados corroboram o que afirmam Hawkins e Williams (2017). O grau de interesse e cumplicidade na relação criança-animal nem sempre está diretamente relacionado com o número de animais presentes no seio familiar. O cuidado para com o seu animal que se destacou foi o da alimentação, porém, 25% dos participantes, aquando da entrevista, remeteram a responsabilidade dos cuidados para os seus pais ou para os avós mencionando, em alguns casos, a sua colaboração. As crianças que revelaram, na entrevista, que o seu animal dorme no exterior e numa casota revela- ram pouca cumplicidade com o seu animal como podemos relacionar com a caracterização do animal de estimação no estudo de Geerdts et al. (2015) realizado com crianças entre os 3 e os 5 anos de idade. Foi interessante constatar que 7 crianças (30,4 %) fizeram referência à adoção quando explicam a chegada do seu animal no seio familiar.

CONCLUSÕES

Destaca-se o natural interesse e envolvimento que todas as crianças revelaram e que caracterizou o clima no qual decorreram os diferentes momentos do estudo, inclusive as crianças que numa fase ini- cial se mostraram mais retraídas. Esta dinâmica contribuiu e potenciou a fluidez e articulação entre as atividades contribuindo para a sua contextualização e pertinência. A relação que os participantes estabelecem com os seus animais aponta para algumas diferenças como se pôde verificar numa aná- lise mais detalhada verificando-se pontos em comum entre determinados grupos de crianças. Global- mente, o grupo reduzido de crianças que estabelece uma relação próxima com o(s) seu(s) animal(is) não tem o seu animal numa casota, revela conhecimentos alargados no que diz respeito aos cuidados, conhece bem o seu animal e no que concerne a sua formação pessoal e social revelaram-se, constan- temente, crianças entusiastas, seguras e participativas em todos os momentos. O contrário também se verifica embora de uma forma menos evidente, em alguns casos.

A grande maioria revelou conhecimento significativo acerca dos cuidados, proximidade e afetos por esses animais, embora não estivessem conscientes de que tal como elas tinham direitos universais. Interagir com o animal mostrou-se também uma das atividades preferidas das crianças indo ao en- contro das afirmações de Myers, Saunders e Garrett (2004). A presença do animal na sala foi um aspeto positivo cujos resultados corroboram as afirmações de Thompson e Gullone (2003). Como tal, o animal enquanto 4ºeducador revela-se um aliado pedagógico por excelência quer pelas suas alargadas potencialidades de abordagens didáticas quer pelo despertar intrínseco de valores espelha- dos nas atitudes conscientes no seio de uma sociedade que tende a prezar, cada vez mais, uma visão ecocêntrica, fortalendo aos afirmações de Bone (2013).

Imagine o quanto pode mudar nossa sociedade quando uma criança surge como um sujeito na vida, um sujeito social, um cidadão que emerge no cenário social, político e cultural composto de vida e não só de necessidades (Rinaldi, 2002, p. 77)

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Construindo a linguagem no Jardim