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NOVOS DESAFIOS PARA O SÉCULO XXI: UMA CIDADANIA PELO PATRIMÓNIO

Património Cultural, a Escola e a Educação: novos desafios para a

NOVOS DESAFIOS PARA O SÉCULO XXI: UMA CIDADANIA PELO PATRIMÓNIO

Adotar uma postura de defesa do património acarreta várias implicações. Se queremos cidadãos, reflexivos e conscientes da importância do património quer para a História, quer para a sua própria identidade, é imperativo que o mesmo seja conhecido. Como podemos almejar nos nossos alunos o desenvolvimento de uma cidadania consciente para o património, se o mesmo não é por eles conhe- cido? Conhecer não significa saber que ele existe, saber o seu nome. Significa conhecer o seu contexto de origem, a sua evolução (não na mera lógica da cronologia), as funções que lhe foram sendo atri- buídas, o seu papel na construção de identidades, em suma, é apropriar-se dele, tomá-lo como seu, como sendo parte de si e da sua própria identidade.

A escola poderá (e deverá) ter um papel relevante nesta apropriação e defesa do património cultural. Contudo, e para que tal aconteça é necessário que o mesmo seja conhecido, interpretado, valorizado. Sem esse conhecimento não há a apropriação, e, sem esta, não há defesa do património. Dificilmen- te se defende aquilo que não se conhece. As escolas, instituições educativas por excelência, têm a responsabilidade acrescida de desenvolver os mecanismos que levem à interiorização, pelos alunos, desse sentido de defesa do seu património e estimulá-los para uma intervenção ativa na preservação da sua identidade.

A escola não está isolada. Está inserida numa determinada comunidade e esta tem o seu património. Poderá não ser um património monumental, de grandes e vistosas edificações, mas é o seu património (costumes, tradições, usos, modos de vida e, entre outros, pequenas edificações), e, enquanto tal, é tão valioso como qualquer outro, embora, talvez, mais significativo para a comunidade e sua identidade. O património local, sendo aquele que se encontra mais próximo dos alunos deverá ser privilegiado, atendendo a que num mundo globalizado e em constante mutação, estudar e conhecer as particu- laridades locais permite-lhes perceber que também têm raízes identitárias, o que lhes confere um sentimento de pertença ao mesmo tempo que contaria o desenraizamento cultural.

Urge alterar práticas de ensino. Criar novas práticas assentes em sólidas bases metodológicas que promovam um ensino ativo e futuros cidadãos pelo património. Urge propor aos alunos tarefas/ atividades inovadoras, motivadoras e desafiadoras, elaboradas e desenvolvidas no contexto escolar, com o objetivo de promover a defesa do património e uma cidadania consciente. Urge desenvolver estratégias que promovam o conhecimento dos bens culturais, permitindo, assim, que estes adqui- ram significado para os alunos. Contudo, isso só acontecerá quando, após conhecer o passado desse património, a sua história, a sua memória, o mesmo adquira significado para o aluno.

Uma prática pedagógica assente, também, no património cultural, como conteúdo e recurso, exige um maior esforço e envolvimento por parte do professor, uma vez que este terá de conhecer pro- fundamente a comunidade onde leciona, o que inclui conhecer o seu património. Terá de planificar e desenvolver experiências de aprendizagem significativas, capazes de motivar os alunos, de lhes despertar curiosidade e de os envolver com o património, trabalhando conteúdos e a sua formação identitária, com o objetivo último de formar uma cidadania consciente pelo e para o património; de proporcionar situações de aprendizagem capazes de surpreender os alunos, de os fazer querer saber mais sobre o seu património, de os colocar a refletir sobre a relação património e identidade, não se limitando aos grandes monumentos, mas também a toda uma herança de cultura popular, muitas vezes mais significativa para o aluno porque mais próxima das suas vivencias (Proença & Manique, 1994). A exploração educativa do património poderá, desta forma, contribuir para o desenvolvimen- to da compreensão e consciência histórica.

Urge, ainda, a criação de propostas interdisciplinares de ensino direcionadas para questões no âmbi- to do património cultural, estudado e analisado sob diferentes perspetivas, de forma a despertar nas

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novas gerações, e na sociedade em geral, a sensibilização e consciencialização para a necessidade de preservar esse património que é, simultaneamente, memória.

Mattozzi (2008) considera que a “passagem do uso dos bens à concepção do patrimônio na aprendi- zagem da história pode formar um jovem que organiza o passado histórico em quadros cronológicos” (p. 153), que é capaz de argumentar sobre problemas históricos relevantes, que conhece os proce- dimentos de construção do conhecimento e que utiliza o conhecimento adquirido para interpretar processos, “criticar os conhecimentos históricos, adquirir e integrar novos conhecimentos históri- cos, viver na história como cidadão atento às relações entre conhecimento do presente e do passado, estar atento às razões do valor cultural do patrimônio, respeitando-o e preservando-o” (p. 153). Um jovem educado para o património, que conhece o seu valor e papel e apto para o exercício de uma cidadania democrática consciente, em suma, um cidadão pelo e para o património.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os professores e os técnicos educativos do património devem trabalhar em conjunto, numa cola- boração estreita, de forma a serem definidos os melhores programas e as mais bem-sucedidas es- tratégias educativas patrimoniais, numa grande rede de colaboração. O objetivo é envolver toda a comunidade, apropriando-se o património cultural local como um ponto de partida para o desenvol- vimento de uma profunda consciência refletiva.

A interpretação do património, material e imaterial, deverá fomentar problematização do próprio património e do conhecimento apresentado, ultrapassando a prática ainda existente, de o apresentar como simples ilustração dos conteúdos lecionados e memorizados. Esse património é o que possi- bilita a construção da evidência que dá sentido às ações do Homem no passado, de forma a melhor entendermos a realidade presente. Conhecê-lo permite, ao mesmo tempo, explorar questões sobre identidade, verificando, validando ou refutando as narrativas dominantes contribuindo para uma consciência mais crítica em relação ao passado.

Um jovem educado para o património, que conhece o seu valor e papel e apto para o exercício de uma cidadania democrática consciente, em suma, um cidadão do século XXI pelo e para o património.

LEGISLAÇÃO

Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, DR n.º 237/1986, Série I, de 14 de outubro de 1986)

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