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Incluir através da educação artística? Sim, mas

NA ESTEIRA DE HENRY SCHAEFER-SIMMERN

No plano de análise sociocultural, a diminuição progressiva da atividade artística na criança e no adolescente relaciona-se com as influências no seu percurso escolar, de fatores condicionantes das aprendizagens, nomeadamente com as conceções acerca da importância das diferentes áreas dos curricula. Como sabemos, essas conceções implicam a competição pela prevalência, mais ou menos advogada, de algumas áreas curriculares disciplinares em detrimento de outras. A presença de (pre) conceitos ligados à Educação Artística, contíguos à necessidade de requisitos como “talento”, “apti- dão natural” ou “sensibilidade”, remete grande parte dos alunos para a perceção de que a atividade artística (por exemplo o Desenho), exige determinadas caraterísticas para as quais não têm capaci- dade.

Art education that recognizes artistic activity as a general attribute of human nature and that aims at the unfolding and developing of man’s latent creative abilities will then contribute its share to the great task which faces all of us, the resurrection of a humanized world (S-Simmern,1948, p.201).

Schaefer-Simmern refere que o axioma de que apenas algumas pessoas nascem com talento ou ap- tidão para as artes tem permanecido quase que intocável no decorrer dos anos, trazendo diversas implicações negativas para a EA por pressupor, de forma direta ou indireta, que há limitações no

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acesso dos alunos à experiência artística. Perante esta preposição, socialmente construída e reforça- da pela Escola, verifica-se um empobrecimento da atividade artística dos alunos que crescem e vêm a percecionar-se como não-criativos. Consequentemente, as gerações adultas tendem a alcançar níveis de fruição mais diminutos aquando do encontro com a obra de arte (na produção de sentido ou hipóteses de significação no âmbito da experiência estética), bem como menos disponibilidade relativamente às oportunidades de experimentação artística individual que possam surgir, enquanto participantes nos diversos contextos artísticos e culturais.

O autor considera, por isso, a arte como linguagem universal mas, não obstante, defende que o in- centivo e desenvolvimento da criatividade requer um ambiente educativo que nutra e proporcione oportunidades e acesso a materiais que possam ser usados com intencionalidade artística. Nesse sentido, concebe o professor enquanto mediador para a «natural progression of the unfolding of creative expression», num processo de «leading out»:

Artistic activiy cannot begin where educators impose on students externally formu- lated images and methods, concepts and cognition. A transaction between the indi- vidual and his or her physical, psychological, and social environments is necessary for true artistic activity (ibid, p.xx).

Neste contexto, e no sentido de estabelecer margens de progressão para cada aluno, Schaefer-Sim- mern refere ser necessário ao professor identificar o estádio de conceção visual em que se encontra, inicialmente, de forma a poder intervir no seu potencial. Para isso, apresenta estratégias metodoló- gicas que visam promover o processo de cognição e conceção visual, apoiado pela pedagogia da aná- lise guiada e autoavaliação dos trabalhos pelos alunos, bem como por estratégias que contemplam a temática significativa e o trabalho colaborativo mediante o estádio de conceção visual individual.

A INTERVENÇÃO

Respondendo paulatinamente à questão em epígrafe neste artigo, cabe lembrar que a construção do currículo de EEP, segundo uma perspetiva educativa funcional, conjuga a escolha de metodologias, conteúdos, estratégias e objetivos pedagógicos que operam em duas áreas de conhecimento distin- tas, pelo que estabelecemos algumas diretivas transversais a cumprir na sua ativação. Assim, surgem elencadas da seguinte forma:

1. o currículo deve priorizar as propostas de trabalho baseadas na imaginação (imagination-based drawings, Schaefer-Simmern,1961), encorajando os alunos a produzir a partir das suas experi- ências, vivências e imagens internas, ao invés de propostas unicamente centradas no desenho de observação, tido como mais limitador da visão artística individual;

2. deve assentar na possibilidade da escolha colaborativa do tema (choice in subject matter ou choise-based approach) – na qual os alunos têm participação ativa, colaborando na escolha do tema da proposta, através de técnicas como brainstorming e participação em diálogos mediados num ambiente securizante;

3. deve integrar a obra de arte em momentos de fruição/contemplação, bem como a criação de oportunidades para aceder e conhecer aspetos biográficos de cada artista escolhido, e deve igual- mente refletir opções estético-pedagógicas criteriosas na planificação das atividades;

4. deve salvaguardar o caráter de continuidade da unidade temática (project continuity and se- quence), permitindo o desenvolvimento das propostas em vários momentos e versões, a sua autoanálise e reformulação (unfolding of artistic activity), promovendo a atitude investigativa, a capacidade de resolução de problemas visuais e o insight;

5. deve privilegiar estratégias baseadas na comunicação, como técnicas de questionamento (ques- tioning technique) e mediação na autoanálise (leading out/guidance to analyze and judge ar- twork), através de questões dirigidas a aspetos concretos do produto finalizado (na procura da relação das partes com o todo Gestalt);

6. deve procurar introduzir exemplos da história da arte (incorporating Art History comparisons) em momentos específicos da situação de aprendizagem. Esta estratégia é, em simultâneo, das metodologias mais exigentes para o professor e das mais profícuas para os alunos, possibilitan- do aos alunos a compreensão e validação das suas próprias produções e, consequentemente, dos seus esforços e intuições durante a atividade artística, perante as diversas formas de produção artística enquadradas num dado tempo, cultura, história e tradição. A possibilidade da «compa-

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ração» com exemplos de criação que se situam no mesmo estádio de conceção visual que o aluno e, que fazem parte do espólio artístico da Humanidade, contribuem para uma maior autoestima e sentimentos de competência e eficácia;

7. por fim, deve contemplar dimensões multissensoriais, bem como selecionar e adaptar técnicas e materiais. Deve antecipar níveis de frustração, tanto do ponto de vista instrumental como técnico, consequência das dificuldades de integração sensorial ou psicomotoras (ex. problemas resultantes da textura das tintas, tamanho dos pincéis, posição e dimensão e fixação do suporte, etc.). Como refere Alberto Sousa (2003, p.185) «cada material contribui de modo específico para a expressividade e a criatividade da criança em determinadas condições específicas. Compete ao professor procurar o material mais adequado para cada situação particular.»

Estas diretivas foram materializadas através de atividades planificadas e realizadas ao longo de doze unidades temáticas, recusando à priori tarefas infantilizantes, e, portanto, não-funcionais, as quais no contexto da educação inclusiva, constituem a antítese ao nível de participação desejada conduzin- do a exposições totalmente desintegradas em relação aos pares.

METAMORFOSES - O PROCESSO, O PRODUTO E A CRIAÇÃO DE SIGNIFICADOS