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transição entre o Jardim de Infância e o 1.º Ciclo do Ensino Básico

Vera Lúcia Isidoro da Cruz

Escola Superior de Educação e Ciências Sociais/Instituto Politécnico de Leiria Miguel Oliveira

Escola Superior de Educação e Ciências Sociais/Instituto Politécnico de Leiria

RESUMO

De acordo com as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar de 2016, as crianças aprendem e desenvolvem-se num clima relacional onde o educar e o cuidar estão interligados. Se- guindo esta perspetiva, ao refletirmos como iremos responder às necessidades de todas as crianças seguindo os seus próprios ritmos e interesses, sabemos que é imperativo ouvirmos as suas vozes sobre o que lhes diz respeito, criando assim um ambiente de mutuo respeito e compreensão pelo que se passa na mente de cada criança.

Partindo destes pressupostos, procuramos apresentar um ensaio investigativo realizado no âm- bito das Práticas Pedagógicas do Mestrado em Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico com um grupo de crianças do Jardim de Infância com idades compreendidas entre os 5 e os 6 anos de idade, tendo como principais objetivos: perceber o que pensam as crianças sobre o trabalho rea- lizado pelo Educador de Infância e pelo Professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico; conhecer através do desenho a sua perceção acerca do Jardim de Infância, do 1.º Ciclo do Ensino Básico, dos Edu- cadores e Professores; identificar as representações sociais das crianças quanto à passagem para uma nova etapa educativa; refletir sobre o contributo que as representações sociais das crianças têm na promoção de uma educação de infância com mais qualidade.

De acordo com os dados recolhidos, foi possível retirar algumas conclusões, nomeadamente que as representações das crianças estão muito próximas do real, fortemente influenciadas pelo contexto social com o qual tinham contacto.

Palavras-chave: Currículo, Educação Pré-Escolar, Primeiro Ciclo do Ensino Básico, Representações

ABSTRACT

According to the Pre-School’s Curricular Guide of 2016, children learn and develop in a relational context where caring and educating are interconnected. Following this perspective, when we re- flect about how we are going to answer the needs of every child, following their own rhythms and interests, we know that is imperative to listen their voices about their own concerns, creating an environment of respect and understanding the children’s minds.

Based on these assumptions, we attempt to present a research performed in the pedagogical prac- tice of Master’s Degree in Pre-School Education and Primary School, conducted with children be- tween 5 and 6 years old. This research has as main objectives: understand what children think about kindergarten and primary teacher’s work; know through drawing their perception about kindergarten, primary school, kindergarten teacher and primary teacher; identify the children social representations about the passage to a new educative stage; reflect about the contribute that the social representations may have on the promotion of a higher quality early childhood educa- tion.

In accordance with the collected data, it was possible to get some conclusions such as the children’s social representations are very close to the reality, which are strongly influenced by their social context.

196 Investigação, Práticas e Contextos em Educação 2018 —————— INTRODUÇÃO

Neste artigo procuramos apresentar um ensaio investigativo realizado com um grupo de crianças de Jardim de Infância (JI), com a intenção de percebermos o que pensam as crianças sobre o trabalho realizado pelo Educador de Infância e pelo Professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico (1.º CEB). Foi também nosso objetivo conhecer, através do desenho, a perceção das crianças acerca do JI, do 1.º CEB, dos educadores e professores. O estudo incide também nas representações sociais (RS) das crianças relativamente à passagem para uma nova etapa educativa e no contributo destas represen- tações para a promoção de uma Educação Pré-escolar (EPE) com mais qualidade.

1. CURRÍCULO – ORIGEM E CONCEITO

Ao explorarmos alguns estudos percebemos que o conceito de currículo surgiu nos finais do século XIX, consequência da expansão e crescimento industrial que alteraram a sociedade tanto a nível social como económico (Roldão, 2013; Fernandes, 2011). Assim a sociedade, ao sentir o dever de res- ponder às necessidades da época, colocou novas exigências aos sistemas educativos daquele tempo, exigindo uma formação uniformizada a nível social (Paraskeva, 2002, citado por Fernandes, 2011). O currículo era assim visto na época como uma sequência de objetivos a alcançar ao longo do processo de ensino-aprendizagem, que, por sua vez, eram selecionados pela sociedade. Posto isto, nas escolas era somente transmitido o conhecimento educativo pretendido, de forma massificada.

Hoje em dia, ao nos focarmos nos modelos de desenvolvimento curricular para a Educação de In- fância sabemos que existem diversos modelos que definem a estrutura e papéis desenvolvidos pelo educador, professor e criança ao longo da ação educativa. Em Portugal, baseadas na Lei-Quadro para a EPE 5/97 de 10 de fevereiro, temos as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE), documento orientador para as instituições tanto públicas como privadas. Tal como a mes- ma indica, as OCEPE destinam-se a “apoiar a construção e gestão do currículo no JI, da responsabi- lidade de cada educador/a, em colaboração com a equipa educativa do estabelecimento/agrupamen- to” (ME, 2016, p.5). Por sua vez, o 1.º CEB em Portugal e a sua estrutura curricular assentam nos Programas e Metas Curriculares de cada área curricular disciplinar.

Ao analisarmos atentamente ambos os currículos de cada etapa, verificamos que existe em ambos uma preocupação na construção do saber de forma articulada, assente numa abordagem globalizante e integrada. Constatamos ainda que permanece uma relação entre as áreas de conteúdo presentes nas OCEPE e as áreas e conteúdos presentes no Programa de 1.º CEB.

2. TRANSIÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR E O 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO

As transições estão intimamente relacionadas com as mudanças dos ambientes sociais imediatos da vida de cada um de nós. Estas exigem ajustamentos no nosso comportamento pois os nossos papéis, interações, relações ou atividades passam a ser diferentes (ME, 2016).

Nos últimos anos, tem aumentado significativamente a preocupação relativa à transição da criança entre a EPE e o 1.º CEB. Tal está relacionado não só com os efeitos que esta transição tem a longo prazo, como na forma como a criança é encarada nos dias de hoje, ou seja, um ser competente, que participa de forma ativa na aquisição e desenvolvimento dos seus conhecimentos e tem direito a ex- primir as suas necessidades e opiniões (Formosinho, 2016).

Por ser uma problemática um tanto complexa, as transições têm sido motivo para o desenvolvimen- to de inúmeras investigações nos últimos quinze anos (Oliveira-Formosinho, Passos & Machado, 2016). As consequências deste processo, boas ou menos boas, dependem não só das características das crianças, das suas famílias e dos contextos educativos, como também “das características das relações entre o centro educativo e a casa, entre a sala específica que a criança frequenta e a família” (Oliveira, 2015, p.30), salientando assim as representações sociais dos intervenientes da ação edu- cativa e as suas relações.

3. PERSPETIVAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CRIANÇA

As crianças adquirem conhecimento ao compreenderem e ao colocarem em prática no seu dia-a- -dia informações específicas. Estas informações, por sua vez, são construídas e desenvolvidas ao longo do tempo, através da maturação do nosso corpo, das experiências com os objetos de natureza

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física e lógico-matemática, da transmissão social e, por fim, da equilibração de todos os fatores mencionados anteriormente.

O conhecimento social é assim marcado pela interação continua entre o ser humano e o meio onde está inserido, por meio de interações sociais, que permitem construir o conhecimento de valores, de representações e da identidade do próprio individuo (Lopes & Campos, 2015).

Ao refletirmos sobre a transição da criança do JI para o 1.º CEB, sabemos que a criança, como não vivenciou o momento seguinte, adquire informações sobre esse mesmo momento principalmente através da transmissão social. Para compreendermos como a criança vivencia esta nova etapa sem a ter experienciado, é crucial “ver” através dos seus olhos e perceber como as crianças adquirem e desenvolvem as suas perspetivas e RS. Afinal, a forma como a criança encara a transição irá também influenciar o modo como a criança ultrapassa este processo.

4. METODOLOGIA

Ao verificarmos que as RS que as crianças tinham sobre o 1.º CEB eram bastante diferentes, pro- cedemos a uma investigação qualitativa de índole exploratório, na forma de estudo de caso, por se centrar, segundo Sousa e Baptista (2011, p.56), “na compreensão dos problemas, analisando os comportamentos, as atitudes ou os valores” onde “o investigador desenvolve conceitos, ideias e en- tendimentos a partir de padrões encontrados nos dados, em vez de recolher dados para comprovar modelos, teorias ou verificar hipóteses”.

O ensaio decorreu no ano letivo de 2015/2016. No inicio da investigação todas as crianças de 5 e 6 anos de idade tiveram oportunidade de participar. Porém, ao conversar com a educadora, verificá- mos que não seria possível realizar uma entrevista posterior a todas as crianças que iriam transitar, pois não saberíamos as escolas para onde estas iriam. Assim, a seleção dos participantes teve em consideração, para além da idade, a oportunidade de realizar uma nova entrevista após a transição para o 1.º CEB, no início do ano letivo seguinte, sendo escolhidas quatro crianças que sabíamos que transitariam para o mesmo agrupamento. Assim, no estudo, participaram quatro crianças, com ida- des compreendidas entre os 5 e os 6 anos de idade, três do sexo masculino e uma do sexo feminino, pertencentes a um JI da rede pública do concelho de Leiria. No sentido de salvaguardar as identida- des das crianças, atribuímos a estas nomes fictícios.

Com o objetivo de obter várias perspetivas das RS dos participantes sobre o JI, 1.º CEB, educado- res e professores, os dados obtidos foram recolhidos em duas fases distintas, através de entrevistas semiestruturadas e desenhos das crianças. Optámos pelas entrevistas pois tínhamos o propósito de “recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (Bog- dan & Biklen, 1994, p.134). Por sua vez, escolhemos como fonte de dados também os desenhos pois esta “é uma ferramenta para os adultos interpretarem o pensamento da criança, visto ser o resultado do que a criança vê, pensa e imagina” (Derdyk, 1989, citado por Correia, 2012, p. 21).

Na fase inicial, a recolha de dados foi realizada através de entrevistas a todas as crianças com 5 e 6 anos de idade e, após cada entrevista, foram recolhidos desenhos realizados pelas crianças. Por último, numa segunda fase, após seleção das quatro crianças, recolhemos novas entrevistas após a transição para o 1.º CEB. No final desta segunda entrevista, as crianças observaram os desenhos realizados na fase anterior, indicando as alterações que fariam no momento a cada um.

De forma a organizar e analisar os dados e conteúdo das entrevistas, criámos duas matrizes e proce- demos à análise de conteúdo. Para tal, dos dados obtidos emergiram temas, ligados com as questões realizadas nas entrevistas, nomeadamente: Tema I – Percurso educativo, Tema II – Organização e gestão do ambiente educativo, Tema III – Papel dos docentes, Tema IV – Transição para o 1.º CEB (Matriz 1). A Matriz 2 repete os três primeiros temas da Matriz 1, diferindo apenas o Tema IV - Dese- nhos realizados no JI- Alterações aos desenhos realizados no JI.

5. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Vozes das crianças no JI

PERCURSO EDUCATIVO

Ao tentarmos compreender que ideias as crianças têm sobre o facto de frequentarem o JI, as crianças revelam que são os pais que, nesta fase das suas vidas, naturalmente tomam as decisões. No entanto,

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demonstram também compreender o motivo da sua frequência no JI reconhecendo o valor da EPE, tanto pelo facto de ser um contexto que permite que brinquem, como um contexto onde se promove a aprendizagem.

“Porque a mãe mandou-me para aqui [para o jardim de infância]” (Madalena, Entrevista 1); “Venho para aprender” (Rui, Entrevista 1).

Organização e gestão do ambiente educativo

Quanto às atividades realizadas no JI, as crianças referiram o brincar, as experiências e os planetas, estando os dois últimos relacionados com os projetos realizados durante a PES. As crianças demos- tram que estão a fazer aprendizagens significativas, nomeadamente com os projetos que estão a de- senvolver e reforçam, sempre que têm oportunidade, que no JI há espaços e momentos para brincar. “Brincamos (…) E vai-se para o recreio.” (Rui, Entrevista 1);

“Experiências. Vulcões. Planetas…” (David, Entrevista 1).

Representação do contexto dos docentes e do papel que desempenham

Ao enumerarem as representações que têm do 1.º CEB, as crianças afirmam que nesta etapa edu- cativa as atividades que desenvolvem são essencialmente relacionadas com a leitura e a escrita, os intervalos e a inexistência de áreas e de brincadeiras:

“Não tem áreas. E porque tem intervalos.” (Rui, Entrevista 1);

“Diferente porque lá ninguém brinca. (…) só trabalham.” (Miguel, Entrevista 1).

Ficámos com a ideia que as crianças consideram que no 1.º CEB a gestão curricular é exclusiva do professor, ou seja, professor a ensinar e aluno a aprender, deixando transparecer diferenças signifi- cativas entre JI e 1.º CEB, nomeadamente a ausência do brincar no 1.º CEB e também a simpatia dos educadores em relação aos professores do 1.º CEB.

Relativamente ao trabalho desenvolvido pela educadora, na primeira entrevista, os intervenientes ti- veram opiniões variadas pois indicaram que o docente ensina a ler e a escrever, manda nas crianças, ajuda na realização de experiências e ajuda ainda a aprender:

“Ensinam a escrever (…) E a ler.” (Madalena, Entrevista 1); “Manda (…). Nos meninos” (Rui, Entrevista 1);

“Ajuda-nos a fazer as experiências. Ajuda-nos a fazer, a aprender as coisas.” (David, Entrevista 1). Quanto à professora, na primeira entrevista, as crianças consideram que as suas tarefas consistiam principalmente em escrever, ajudar a realizar trabalhos, dar ordens e chamar os meninos para a sala: “Ela escreve. E ajuda a fazer coisas difíceis.” (Madalena, Entrevista 1);

“E [também] mandar. E chamar os meninos para dentro.” (Rui, Entrevista, 1).

As crianças parecem não estabelecer uma grande diferença entre o papel dos educadores de infância e dos professores do 1.º CEB. Consideram que ambos são figuras de autoridade e que os apoiam na sua aprendizagem.

DESENHOS REALIZADOS NO JI

Quanto aos desenhos que representam o JI e o 1.º CEB, realizados após as primeiras entrevistas, ain- da no JI, a maioria das crianças parece dar ênfase ao recreio/ exterior e aos momentos de brincadeira no JI e ao edifício interior ou exterior no 1.º CEB.

A Madalena representa o JI através da educadora e das crianças em interação, representa o recreio e a brincadeira entre todos. Quando lhe pedimos que representasse a escola do 1.º CEB desenhou um edifício grande e com muitas salas.

O David representou o JI através do espaço exterior e do escorrega presente naquele espaço. O 1.º CEB representa-o através da professora e daquilo que tem para dar aos meninos. Podemos perceber que a representação que tem do 1.º CEB é que se trata de um contexto centrado naquilo que o pro- fessor faz e define.