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O PATRIMÓNIO, A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

Património Cultural, a Escola e a Educação: novos desafios para a

O PATRIMÓNIO, A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

Pinto (2016), reportando-se ao crescente interesse pelo património cultural, evidente na atenção que lhe é dada nos media, na ação dos museus e sítios históricos, cada vez mais dinâmicos em relação ao património pelo qual são responsáveis e, também, no turismo e no consumo de bens culturais, questiona “Até que ponto esse interesse corresponderá a uma consciência patrimonial e, sobretudo, a uma consciência histórica relativamente ao papel dos vestígios patrimoniais na relação temporal?” (p. 54). A primeira, a consciência patrimonial, é alcançada quando, após a tomada de consciência que o objeto produzido ultrapassa a sua função utilitária inicial, o objeto “conquista uma identidade patrimonial” (p. 54), sendo este um processo individual e coletivo. A segunda, a consciência histó- rica, “é uma construção simbólica e, do mesmo modo que a identidade, comporta um processo de apropriação simbólica do real” (p. 55), influenciada e estimulada pelas experiências do presente e dependente do contexto de produção.

No âmbito de uma educação patrimonial, os alunos seriam desafiados a refletir sobre o seu patri- mónio e de que forma este contribuiu, e contribui, para a construção da identidade (nacional, local e pessoal). Neste sentido, e segundo Pinto (2015, 2016), a educação histórica seria uma importante mais-valia para a educação patrimonial, pois permitiria, recorrendo a atividades e experiências edu- cativas planeadas com cuidado, que o património cultural fosse interpretado no seu contexto históri- co, proporcionando a compreensão da “evidência” que permite dar sentido ao passado.

Os professores são um importante elemento nesse processo de construção, pelas novas gerações, de identidades conscientes, logo refletidas (Pinto, 2015, 2016). Ao proporcionarem experiências educa- tivas assentes no contacto direto com o património, promovem o sentido de pertença e a aquisição de competências que permitirão, aos alunos, adquirir as ferramentas para a compreensão dos me- canismos de construção da identidade, promovendo, simultaneamente, o sentido de pertença numa sociedade progressivamente mais globalizada e deslocalizada.

Nas aulas de História, por exemplo, o património cultural poderá ser utilizado como fonte primária para o estudo de conteúdos letivos, não olvidando que o património é, ele próprio, conteúdo. Ao apli- carmos nessas aulas uma conceção metodológica que privilegie o papel do aluno na organização e cons- trução do conhecimento, é necessário que as estratégias e atividades proporcionadas aos alunos desen- volvam, nestes, competências várias e não o fomento da memorização de conhecimento já construído. O estudo do património contribui, segundo Mattozzi (2008), “potencialmente na formação histó-

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rica, visto que permite dar consistência às informações e abstrações dos textos históricos e porque constrói a percepção e a visão histórica do território” (p. 149), com o objetivo de “gerar o sentido, o conhecimento e o respeito ao patrimônio” (p. 149). A fruição dos bens culturais, permite a descober- ta, pelos alunos, de valores simbólicos e, também, afetivos. Nesse sentido, os professores de História deverão desenvolver estratégias que, recorrendo aos bens culturais (património), orientem e possibi- litem aos alunos a produção de conhecimento próprio. Mattozzi (2008) refere ainda que quando os alunos contactam com o património e têm experiências de fruição desses bens, mobilizam e colocam em ação competências várias (de observação e de análise, entre ouras), bem como o entendimento da sua função e valoração social.

O conhecimento legado do passado estimula uma consciência crítica relativamente às crenças e iden- tidades, nossas e dos outros (Pinto & Squinelo, 2017). As autoras acrescentam que a partir do patri- mónio próximo do aluno, que se constitui como fio condutor do processo de ensino-aprendizagem, poderão ser planificadas atividades assentes “no contraste de informações, colocando questões do tipo como era/como é/o que mudou” (Estepa & Cuenca, 2006, p. 57 apud Pinto & Squinelo, 2017). O património, como referido anteriormente, poderá, e deverá ser ele próprio objeto de estudo e não um mero recurso ilustrativo de um passado mais ou menos distante (Pinto & Molina, 2015). Atual- mente, no contexto de ensino-aprendizagem, é recorrente o recurso ao património em contexto de visita de estudo, como ilustração da informação previamente transmitida pelo professor aos seus alunos. Por exemplo, em sala de aula, o professor transmite informação, construída e reconstruída por ele, relativa ao reinado de D. João V (o fausto da Corte, a sociedade que a frequentava, as festas, o luxo, as prerrogativas régias, a origem dos recursos financeiros para as realizações régias, etc.). Após a aula (por vezes, vários dias depois) realiza-se uma visita de estudo ao Palácio-Convento de Mafra como ilustração do que fora transmitido em sala de aula, para que os alunos, ao contactarem direta- mente com um dos exemplos do património edificado construído no período Joanino, verificassem, por si, a informação que lhes fora veiculada em sala de aula.

No contexto acima exemplificado, o património serve, essencialmente, como reforço do conheci- mento transmitido pelo professor, pelo que posterior à sua contextualização. Considerar-se-á que o desenvolvimento do pensamento e da compreensão histórica dos alunos se fará unicamente pelo contacto direto com o património, isto é, pela visita posterior à contextualização? Ou que a educa- ção patrimonial ocorrerá por meio de uma visita a um objeto patrimonial, pela simples observação direta? Consideramos que não. O Palácio-Convento de Mafra poderia ser simultaneamente, conte- údo e recurso. A sociedade, o fausto, os recursos económicos, e, entre outros, o ambiente cortesão, poderiam ser trabalhados pelos alunos, in sito e a partir do próprio monumento, numa primeira fase, possibilitando o desenvolvimento da compreensão histórica, a mobilização de conhecimentos e competências e, claro, a educação patrimonial. Para tal, os professores teriam de desenvolver estra- tégias e atividades/tarefas que fossem ao encontro de metodologias assentes no papel dos alunos na construção do seu conhecimento.

Bergamaschi e Stephanou (2000) propõem várias atividades a desenvolver no âmbito de uma educa- ção patrimonial assente no papel ativo dos alunos, destacando, entre outras, o caminhar pelas ruas, a observação dos edifícios e das paisagens, a visita a museus, observar práticas culturais, entrevistar os habitantes locais, etc.. Estas constituiriam oportunidades para os alunos trabalharem e desenvol- verem noções temporais como continuidade/descontinuidade, permanência/mudança, situar perío- dos históricos em relação ao presente no qual se situam.

Etapas claramente definidas possibilitariam essas oportunidades aos alunos e a metodologia propos- ta por Bergamaschi e Stephanou (2000) poderia ser aplicada ao exemplo anterior do Palácio-Con- vento de Mafra, mas agora com processos substancialmente diferentes, e tendo um problema/pro- blemática para o qual é necessário encontrar respostas. Numa primeira etapa, in sito, a observação, na qual se identificaria o objeto de estudo, o Palácio, a sua organização, função e significado, seguido do registo para fixar o conhecimento percebido e a sua análise. Na segunda etapa, a exploração, seria feita a análise do problema, as hipóteses e a pesquisa em fontes variadas, assumindo uma postura crítica. Na terceira e última etapa, a apropriação, com a(s) reposta(s) ao problema já encontrada(s) e com o objetivo de desenvolver a participação criativa e valorização do objeto patrimonial em estu- do, poderiam realizar-se recriações, dramatizações, entre outras, possibilitando a internalização do conhecimento adquirido.

O papel do professor? Orientar e proporcionar os instrumentos necessários aos alunos. O papel dos alunos? Construir o seu próprio conhecimento, mobilizando e desenvolvendo diversas competên-

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cias. Recorrer a metodologias como a acima referida, implica que o património seja assumido como tal, conteúdo e recurso, cabendo ao professor criar e desenvolver estratégias e atividades assentes em sólidas conceções metodológicas que proporcionem o contacto direto do aluno com o património, material e imaterial, com o objetivo de promover, além da compreensão e consciência histórica, uma consciência cívica mais reflexiva e atenta para a necessidade de uma constante defesa e preservação do património, e não apenas quando o mesmo se encontre, por um qualquer motivo, em perigo. Alves (2006), no mesmo sentido, considera que “está reservado à História o papel de abrir caminho para o aluno desenvolver o seu processo de construção pessoal que desague numa consciência histó- rica que exercite a sua cidadania na defesa de um património que também lhe pertence” (pp. 70-71).