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Apresentação de experiência orientada e vivida por Pedro Moreno.

Música e inteligência interpessoal

40 Apresentação de experiência orientada e vivida por Pedro Moreno.

pergunta: “Se vocês pudessem escrever uma música denuncian- do o racismo, sobre o que vocês escreveriam?”.

Logo em seguida, foi solicitado a esses estudantes que apre- sentassem os resultados de sua tarefa. Para tanto, a turma foi dividida em pequenos grupos, cuja finalidade foi facilitar a dis- cussão entre os pares (peer-group discussion), tendo-se como obje- tivo estimular a produção oral e a prática da compreensão oral sem interferência do professor. Esta estratégia contribui para que haja redução de tensão por parte do aluno, que, enquan- to fala, não está sendo “julgado” ou avaliado pelo professor, estabelecendo assim as condições apropriadas para atos autên- ticos de comunicação. Neste caso, os aprendizes estão de fato trocando, entre si, suas próprias ideias. Imaginem a surpresa do professor que orientou essa experiência, quando alguns grupos foram adiante e se propuseram a escrever suas próprias músi- cas! A postura desses estudantes faz lembrar, uma vez mais, o quanto é importante assumir responsabilidade pela sua própria aprendizagem, de modo espontâneo (CAMBOURNE, 1988). Quando esses grupos decidiram por si mesmos escrever suas músicas, eles estavam tomando decisões autônomas sobre o que fazer para adquirirem mais conhecimento de língua estrangeira, neste caso a língua inglesa, para expressarem seus pensamentos, comunicando-se uns com os outros por meio da produção de música de sua própria autoria.

Além de criar condições propícias para a manifestação da comunicação autêntica, permitindo aos alunos que se sintam à vontade para refletir sobre o assunto de sua escolha, a atividade descrita acima também tem como propósito chamar a atenção da turma para os problemas sociais do mundo atual, como se fosse uma convocação para a tomada de consciência cidadã. Neste caso, o professor, munido de todo material disponível so- bre o tema, deve sutilmente convidar o aluno a se tornar parte ativa na busca de soluções para o problema em discussão. Na maioria dos casos, alunos e professores estão cientes de muitos problemas sociais, mas acham-se impotentes e não se sentem motivados para contribuir, de algum modo, no sentido de mu- dar a situação vigente. Diante deste cenário bastante incômodo, considera-se que uma série de causas políticas e socioeconômi-

cas tenha contribuído para criar uma civilização cujos sonhos de Igualdade, Fraternidade e Liberdade não se concretizaram em sua plenitude pelos motivos históricos e culturais já citados ao longo deste capítulo.

Esta sensação de impotência frente aos problemas sociais da atualidade tem suas raízes fincadas em um passado eurocêntrico e distante, há muito secularizado. Tamanha “impotência” está hoje atrelada, de certa forma, à falta de oportunidades para se colocar em discussão a problemática de um Estado econômica e socialmente globalizado já desgastado e desacreditado por falta de políticas públicas que transcendam o discurso apenas retóri- co e sabidamente vazio. A máquina ideológica do Estado, imbri- cada aos interesses capitalistas de uma elite global hegemônica, contribui diretamente para imprimir na formação identitária de cada pessoa uma educação cuja ideologia segue na contramão do lema da Revolução Francesa (1789), que em certo sentido parece ultrapassado em uma era pós-moderna, sem utopias, caracteri- zada pelo anonimato de massas comandadas pelo capitalismo selvagem (AGGIO; LAHUERTA, 2003) e, por que não dizer, cani- bal. Não é, pois, de admirar que cada cidadão professor ou aluno se sinta pequeno, sozinho, inútil, desiludido, incapacitado para agir, dada a dimensão incomensurável desses problemas existen- tes e com os quais “convivemos” como se fôssemos sonâmbulos ou zumbis de um pesadelo contemporâneo! Ter consciência des- sa situação de “impotência” já é um bom passo.

Não se pode “viver” apenas de esperanças. Se os professores decidirem promover discussões autênticas, troca de ideias diferen- ciadas sobre determinados problemas sociais, através de peque- nas, mas significantes, atividades como a citada acima, começare- mos a estimular os alunos para se expressarem sem medo de errar, para ouvirem o outro e perceberem que não estão sozinhos. A par- tir de discussões em conjunto, podem surgir propostas coletivas para o encontro de soluções. Quem trabalha com a área de lin- guagem, ou com o ensino-aprendizagem de línguas, precisa estar consciente de sua responsabilidade enquanto promotor de uma comunicação cada vez mais eficaz entre diferentes indivíduos, que formam nossas comunidades e que por sua vez compõem os di- ferentes povos. Em boa ocasião, lembra-se que os dois primeiros

objetivos do ensino fundamental, expressos nos Parâmetros Cur- riculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 07), preconizam o seguinte:

1. Compreender a cidadania como participação social e polí- tica, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, coo- peração e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

2. Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como for- ma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas.

Isso significa que, ao mesmo tempo em que estamos ensi- nando idiomas ou qualquer outra matéria, estamos também oferecendo oportunidades de expressão, comunicação, intera- ção, troca de experiência entre os alunos, tendo como objetivo conscientizá-los para promoverem atitudes de solidariedade e respeito, exercitando e potencializando a área de ação da Inteli- gência Interpessoal dentro da sala de aula, na esperança de que a prática do diálogo possa ser estendida para outros âmbitos de vivência social desses alunos.

Fica aqui esta proposta, esta provocação reflexiva para todos os professores e alunos que venham a ler este capítulo. Estamos cumprindo nosso papel social? Estamos realmente trabalhan- do a favor de modificações positivas em nossa sociedade? Existe preocupação de nossa parte quanto à forma como estamos mol- dando a sociedade do futuro? A mais importante e ética de todas as perguntas: estamos nós professores pensando em tudo isto preocupados com suas implicações práticas no dia a dia?

4.4.2 MULtICULtURaLISMO e INteLIGêNCIa INteRPeSSOaL

As digressões sobre alguns aspectos culturais de nossa épo- ca, envolvendo questões relativas à comunicação, psicologia da aprendizagem, problemas sociopolíticos, processo de globaliza- ção do mundo, interação social, etc., têm como finalidade justi- ficar a aplicação de tipos diferenciados de atividades em que se utiliza a música como ferramenta estratégica direcionada para a

melhoria do ensino de uma língua estrangeira. É importante ter em mente que o sucesso do ensino-aprendizagem de línguas de- pende da eficiência (do como) e eficácia (resultado) dessas ativida- des, sobejamente referenciadas neste texto. Quanto aos aspectos culturais mencionados acima, não se pode esquecer de que eles não devem ser ignorados, pois, além de configurarem a realidade em que vivemos, tais aspectos desembocam juntos numa espécie de estuário/oceano social, formando assim o fenômeno, muito característico de nossos tempos, denominado de multiculturalismo.

Nada mais característico da Contemporaneidade do que esse amálgama de culturas distantes e próximas, divagando em um labirinto de fenômenos muito complexos e que se conhe- ce muito pouco. Não se sabe ainda sobre os reais efeitos desse entrelaçamento de culturas, que por sua vez choca-se contra os ainda mal compreendidos novos paradigmas de espaços, redes e tempos virtuais. Mais do que nunca, vive-se hoje mergulhado em um ambiente multicultural. Contudo, antes de se adiantar alguns passos nesse universo invasor, ao mesmo tempo rico e ex- tremamente agressor, e sem fronteiras, é necessário saber do que se trata. Afinal de contas, o que vem a ser multiculturalismo?

Segundo pensamento de Fernández (1999), “multicultu- ralismo” tem geralmente conotação positiva, pois se refere à coexistência enriquecedora de diversos pontos de vista, inter- pretações, visões, atitudes, provenientes de diferentes bagagens culturais. O termo serve de “etiqueta” para uma posição inte- lectual aberta e flexível, baseada no respeito pela diversidade e na rejeição de todo preconceito ou hierarquia. As várias óticas devem ser consideradas em pé de “igualdade”; afirmações ou construções teóricas só podem ser julgadas em relação ao que é peculiar ao ponto de vista cultural.

Como é de se esperar, o termo “multiculturalismo” apresen- ta-se como plurivalente41, estando sujeito a interpretações am-