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Música e inteligência corporal-cinestésica

45 Sem data de publicação.

5.6 haRMONIa e CORPO

Os sons utilizados para a produção de música possuem de- terminadas características físicas, tais como oscilações bem defi- nidas (ou frequências) e a presença de harmônicos. Como afirma Larissa Suarez Peres na sua Monografia intitulada Matemática e Música: em busca da harmonia (sem data),

[...] a maioria dos sons musicais não ocorre apenas em seu modo mais simples de vibração (modo fundamental), pois são compostos sempre deste modo (fundamental) e de mais outros, chamados de modos harmônicos, que nada mais são do que o corpo vibrante oscilando também com frequências múltiplas inteiras (x2, x3, x4, etc.) da frequência do modo fundamental. [...] Os harmônicos presentes em um som são componentes ex- tremamente importantes no processo musical, tanto na forma- ção das escalas musicais, como na harmonia musical. Por causa dessas características naturais, sons com alturas (frequências) diferentes, quando postos a ocorrer ao mesmo tempo, podem criar sensações auditivas esteticamente diferentes.

Na continuidade de sua pesquisa, Peres explica que, quando uma segunda nota é tocada uma oitava acima da primeira, a sen- sação auditiva é de consonância, já que a frequência fundamen- tal da segunda é o dobro da frequência fundamental da primei- ra. Se o princípio de coincidência em boa parte dos harmônicos for mantido, outras combinações de sons podem ser geradas si- multaneamente, de modo que continuem agradando o ouvido. Percebe-se nessa discussão que existem vários significados para a palavra “harmonia”: a harmonia dos sons harmônicos; a har- monia como combinação de sons tocados simultaneamente; a harmonia entre diversas partes da mesma música, definida por regras de cada gênero musical; a harmonia como senso de equilí-

brio entre diversas partes, como, por exemplo, a harmonia entre matemática e música; e a harmonia que representa uma com- binação agradável entre diversas partes – inclusive sons. Vamos pensar mais um pouco sobre harmonia como combinação de sons tocados simultaneamente. Sendo assim, seria interessante explorar com os alunos os diversos significados da palavra “har- monia” na sua língua nativa, como também nas línguas que es- tão aprendendo. Será que todas as línguas em estudo utilizam a mesma palavra para todos os significados mencionados acima? Ou algumas línguas adotam palavras específicas para significa- dos específicos? E Português – será que existem significados téc- nicos expressos por outros termos? Vamos pesquisar mais sobre as redes semânticas estimuladas pela palavra “harmonia” nas diversas línguas?

Se pesquisarmos a história do uso de sons simultâneos, exa- minando a música produzida por culturas diferentes em épocas diferentes da história, descobriremos, por exemplo, que, na Ida- de Média, era corrente ou padrão o uso de apenas duas notas si- multâneas, enquanto na Renascença a combinação de três notas era considerada a unidade básica. Quais são as formas preferi- das de combinação das notas nas músicas antigas, de um lado, e nas atuais, do outro, em países como o Brasil, a Índia, a China e os países africanos? Vamos ouvir algumas músicas harmônicas dessas culturas? Quais as combinações preferidas pelos alunos? De acordo com Trehub (2005), os bebês nascem com prefe- rências musicais definidas. Preferem combinações específicas de notas musicais tocadas ou cantadas simultaneamente, como as 4ªs e as 5ªs perfeitas, ou seja: a sobreposição da nota Dó com o Fá (sobreposição de quarta) e da nota Dó com o Sol (sobreposi- ção de quinta harmônica perfeita). Por outro lado, seus cérebros reagem negativamente a acordes dissonantes, como aquele for- mado pelo toque simultâneo de um Dó com um Fá sustenido. Mas será que essas preferências são válidas para todas as cultu- ras? De que forma a percepção de combinações harmônicas se modifica durante a vida, na medida em que as pessoas passam a conviver com as músicas específicas de sua própria cultura? Cross (2003, p. 01, TA) trabalha com a heterogeneidade das mú- sicas produzidas por culturas distintas, mas também concorda

que existe uma base biológica comum às culturas, que poderá definir características universais da música. Ele diz o seguinte:

A música é um fenômeno tanto cultural quanto material. Sua realidade cultural é inegável: as músicas são heterogêneas, se transformam (Magrini, 2000) e são embutidas nos contextos culturais onde ocorrem (Bohlman, 1999), derivando seu signi- ficado dos contextos sociais e culturais, e por sua vez conferin- do significado aos mesmos contextos. Mas a música também possui materialidade nos seus sons e ações, e essa materiali- dade é definida e formatada pelo corpo biológico, sugerindo pelo menos a possibilidade de que a musicalidade seja univer- sal para o ser humano. Enquanto a heterogeneidade das mú- sicas produzidas nas diversas culturas pode ser considerada uma manifestação contrária à ideia da universalidade, parece que não existe nenhuma sociedade humana sem música, e que, para muitas dessas sociedades, a musicalidade é considerada tão fundamental quanto a fala para cada um dos seus mem- bros (Blacking, 1995). Naturalmente, o significado de ‘musi- calidade’ pode variar tremendamente de cultura para cultura, mas é possível argumentar que atributos em comum poderão caracterizar o que constitui ‘música’ para diferentes culturas. Assim sendo, seria interessante estimular os alunos a pesqui- sarem mais sobre semelhanças e diferenças entre linguagem e mú- sica. Vamos ouvir músicas e línguas de diversas culturas? O que os alunos pensam da polifonia da música tradicional da Bulgária? Da heterofonia da música religiosa do litoral oeste da Escócia? Quais as nossas reações corporais quando ouvimos músicas com características “diferentes” das músicas que conhecemos mais? 5.6.1 haRMONIa Na SaLa De aULa

A relação entre a harmonia musical e a reação corporal a har- monias diferentes pode ser explorada em sala de aula. Será que todas as pessoas têm as mesmas preferências? Os alunos conse- guem perceber diferenças entre as diversas combinações de notas? Eles identificam os mesmos acordes como “agradáveis” ou “desa- gradáveis”, “simples” ou “complexos”, “interessantes” ou “enfado- nhos”? De acordo com Teo (2003, p. 03), um dos objetivos mais

importantes da educação musical é a ampliação da compreensão e apreciação de diferentes estilos musicais. Porém, quando utili- zamos as preferências iniciais dos alunos como ponto de partida, garantimos maior envolvimento nesse empreendimento. Da mes- ma forma, a utilização de músicas de uma diversidade de culturas, na sala de aula de línguas, contribui para o desenvolvimento de atitudes multiculturais, essenciais para falantes de várias línguas.

O professor pode selecionar músicas tonais e atonais pro- duzidas por compositores diferentes, de países e/ou períodos históricos diferentes. Os alunos poderiam escolher sua música “preferida” e formar grupos de acordo com suas escolhas. De- pois de formar os grupos, o professor passaria informações so- bre os diferentes compositores e/ou sobre seus países de origem e solicitar que cada grupo apresente um pequeno resumo da música escolhida. Esse tipo de atividade contribui para promo- ver o conhecimento de culturas diferentes.

A diversidade musical pode ser explorada geográfica ou his- toricamente, ampliando de um modo ou de outro a apreciação das variedades culturais. E, na medida em que os alunos prestam atenção na composição de variados acordes, eles também esta- rão afinando seus ouvidos para melhor perceberem as nuances da língua que estão aprendendo.

Outra área do universo musical que pode ser explorada em sala de aula de língua estrangeira, que tem por base a íntima relação existente entre harmonia e corpo, é o canto em conjunto – o coral. Muitas pessoas gostam de cantar, portanto, pode-se criar um coral em sala de aula. Na medida em que os alunos aprendem a cantar, utilizando linhas melódicas diferentes para criar um conjunto harmônico, estarão treinando seus ouvidos para diferenciarem “vozes” diferentes. Aprendendo a distinguir sons individuais específicos no meio de diferentes combinações de sons, os alunos treinarão e desenvolverão sua capacidade para perceber e/ou identificar a “tonalidade” muito peculiar de uma fala no meio de muitas outras. Frequentemente, estudantes de língua estrangeira encontram dificuldades na hora de compre- ender o que o nativo está dizendo, na ocasião em que a fala des- te se sobrepõe às falas de outros nativos conversando todos ao mesmo tempo! Treinamento num coral pode contribuir para o

desenvolvimento dessa capacidade para “enfocar”, distinguir a fala de uma pessoa no meio de um grupo.

O canto coral funciona não só para desenvolver a percep- ção de linhas melódicas diferentes, como também para desen- volver a capacidade de se produzir e perceber linhas melódicas em harmonia umas com as outras. Esse tipo de exercício reper- cutirá não só na melhoria da percepção auditiva, mas contri- buirá também para desenvolver uma espécie de aprendizagem social colaborativa, promovendo assim uma conscientização de que o “todo” é maior do que o funcionamento separado das partes. O coral só funcionará quando todas as partes estiverem interagindo em perfeita harmonia.

O reconhecimento de que elementos diferentes combinam para produzir um conjunto, também pode ser desenvolvido através de músicas orquestradas – música clássica, rock, MPB –, não importa o estilo. Se a música é produzida por diversos ins- trumentos musicais, os alunos podem ser estimulados a diferen- ciar entre cada um deles. Por exemplo: a turma elege uma músi- ca conhecida cantada na língua que estão aprendendo. O passo seguinte é dividir os aprendizes em grupos pequenos. Cada um desses grupos “enfocaria” sua atenção na linha melódica de um dos instrumentos, tendo como tarefa reinterpretar a música original nos moldes de cada instrumento diferente que estiver sendo utilizado – alterando a letra original ou criando uma letra nova para acompanhar a melodia reproduzida pelo instrumento escolhido. Ao final de um tempo previamente estabelecido, to- dos os grupos cantariam juntos, garantindo assim a presença de todos os instrumentos da música original.

Vamos cantar em conjunto, exercitar a voz, experimentar combinações harmônicas exóticas, saborear um pouco os senti- mentos expressos por meio da música de outros povos? A mú- sica provoca nas pessoas uma variedade de reações emocionais que estimulam reações corporais específicas, e a música de cul- turas desconhecidas estimula reações ainda mais diferenciadas. Inevitavelmente, quando nós nos movimentamos, cantamos e tocamos músicas multiculturais, as nossas reações afetivas se tornam mais flexíveis, indicando uma aceitação ampliada da di- versidade musical (KOMIYAMA, 2005).