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Música e inteligência corporal-cinestésica

44 Os autores não apresentaram dados para a inteligência Intrapessoal ou

5.5 RItMO e CORPO

Conforme já foi mencionado acima, os ritmos experimen- tados pelo feto nas primeiras semanas de vida são os ritmos do corpo da mãe. O nosso organismo é muito sensível ao ritmo, à pulsação regular, às vibrações que fazem parte do nosso corpo e que nos cercam o tempo todo. Há duas repostas corporais in- terconectadas envolvidas na percepção do ritmo: uma seria “ou- vir” o ritmo e a outra, a resposta física ao ritmo (O’DONNELL, 2002). De acordo com a psicóloga Douglis (1987, p. 42, TA):

Somos criaturas essencialmente rítmicas. Tudo, desde o ciclo de nossas ondas cerebrais ao bombeamento de nosso coração, nosso ciclo digestivo, o ciclo do sono – tudo trabalha em rit- mos. Nós somos uma massa de ciclos acumulados uns sobre os outros, somos claramente organizados tanto para gerar quanto para responder aos fenômenos rítmicos.

Entretanto, as pessoas podem perceber ritmos diferente- mente, com base na sua musicalidade ou educação musical. De acordo com um exemplo apresentado por O’Donnell (2002), os primeiros missionários europeus a chegaram à África afirmaram que os nativos não tinham uma boa noção de ritmo, pois a bati- da de seus tambores não parecia seguir um ritmo definido/espe- cífico. Posteriormente, descobriu-se que, na verdade, os nativos batiam os tambores em um polirritmo complexo – (2x3) + (3x4) + (2x3) + 5, etc. – de modo que o ritmo das batidas africanas era muito diferente, muito mais complicado musicalmente, quando comparado com o ritmo considerado culturalmente “normal” para os missionários europeus que foram incapazes de compre- ender a extrema riqueza do ritmo daqueles nativos.

Explorando mais ainda a relação curiosa entre os ritmos corporais e a música, de acordo com Marcelo S. Petraglia, no seu artigo O Tempo na Música (sem data de publicação),

Aquilo que musicalmente chamamos de pulso, compasso e ritmo podem ser entendidos como fruto das inter-relações e sobreposições de elementos cíclicos básicos. [...] Os diferentes compassos são resultado das diferentes combinações entre um

pulso básico e o pulso que os agrupa em diversas unidades mé- tricas. Um exemplo clássico é a relação entre o ciclo respiratório e o pulso cardíaco. Nos adultos estes dois ciclos se relacionam, em média, na proporção de 1:4, isto é: para cada ciclo respirató- rio completo, quatro “batidas” do coração.

Nascemos já “conscientes” dos ritmos do corpo e, duran- te a vida, adquirimos outros ritmos culturalmente definidos que facilitam a coordenação do movimento corporal. Segundo Hannon e Trehub (2005), atividades comunitárias que ocor- rem em todas as culturas, tais como a dança sincrônica, o bater de palmas, o tocar instrumentos, a marcha e o canto, têm seu movimento e coordenação facilitados pelo ritmo, o que impli- ca uma propensão universal para a coordenação de movimen- tos no tempo.

O ritmo parece ser o elemento musical que mais efeito tem sobre o movimento de nosso corpo. Seguimos o ritmo da mú- sica clicando os dedos, batendo os pés, palmas, tambores, ins- trumentos de percussão, balançando a cabeça, etc. Não são ape- nas os passos da dança que seguem o ritmo da música. Desde a mais remota Antiguidade, o ser humano usa a música para acompanhar e determinar a velocidade do movimento usado para realizar determinadas atividades. As lavadeiras cantam ao esfregarem suas roupas nas pedras do rio. Os soldados cantam suas marchas, ao se exercitarem no quartel. A propósito, há uma anedota interessante sobre esse tipo de atividade militar. Conta- se que, ao fiscalizar o serviço de um recruta, o sargento encon- trou-o assoviando uma valsa, enquanto esse varria lentamente o pátio, como se a vassoura fosse seu par. Imediatamente, deu-lhe uma ordem: “Soldado, assovie o tico-tico no fubá!”. Obviamen- te, a tarefa do recruta foi executada de modo muito mais rápido, pois ele agora seguia um ritmo bem mais acelerado.

Este é, sem sombra de dúvida, o segundo uso de música mais frequente em sala de aula, perdendo apenas para trabalhos fundamentados na letra da música. Grande parte dos professo- res usa a música para “animar” a execução de uma dada tarefa ou como fundo musical. Na maioria das vezes, portanto, o ritmo é pouco ou mal explorado, ficando apenas como fundo, não se

tornando o objeto central da aula, ou seja, o principal foco para alunos e professores no processo de aprendizagem.

5.5.1 RItMO Na SaLa De aULa

Como seria uma atividade pedagógica em que o ritmo fi- gurasse apenas como parte do fundo musical? Por exemplo: o professor pede aos alunos que se sentem em círculo e que cada um passe uma bola para o(a) colega ao lado, até que a música pare. Nesse instante, a pessoa que estiver com a bola deve fazer o que foi previamente especificado como objetivo do exercício, tal como perguntar algo para outro colega. Independente do ritmo da música, os alunos vão passar a bola o mais rápido que puderem, pois a meta deles é a de não ficar com a bola na mão quando a música parar. Passar a bola adiante é o objetivo dos alunos. A música fica em segundo plano, ou é até mesmo ignorada por eles.

É claro que não há nada de errado ao se usar música em uma atividade como essa, pois, além de divertida, os alunos ge- ralmente gostam de ouvir música, mesmo quando esta não é o foco da atividade. Há, no entanto, várias outras formas para se explorar a ligação entre ritmo e movimento na aprendizagem de uma língua estrangeira.

Para começar, todo idioma tem seu próprio ritmo, que deve ser ensinado juntamente com vocabulário, estrutura, pronún- cia, etc. Por que, às vezes, é tão difícil entender um japonês fa- lando inglês? Porque se tende a reproduzir o mesmo ritmo da língua mãe quando se fala outro idioma. E como a cadência do japonês é muito diferente da cadência do inglês, o aprendiz ja- ponês produz em sua fala um ritmo que é muito diferente do ritmo do inglês falado por um nativo. A pronúncia japonesa causa estranheza ao nativo de língua inglesa, podendo resultar em problemas de compreensão.

Há poucas atividades nos livros didáticos voltadas para o ensino do ritmo. Tal carência faz com que este seja relegado a um segundo plano, pois se considera que os alunos irão apren- dê-lo “naturalmente”. Apesar de isso ocorrer realmente para alguns, não é sensato imaginar que esse processo ocorrerá da

mesma forma em todos os alunos. Sempre haverá alunos que precisam do professor para indicar de maneira clara a existência desse ritmo na fala.

Para desenvolver a habilidade de coordenação rítmico-corpo- ral, alunos podem ser estimulados a bater palmas, ou os pés, estalar os dedos, ou fazer outros movimentos rítmicos enquanto cantam músicas na língua que estão aprendendo. Podem tocar instrumen- tos variados de percussão, reger pequenos grupos de canto, etc. Essas atividades contribuiriam muito para estimular os alunos a perceber melhor o ritmo da música através de movimentos corpo- rais. Mais tarde, essa percepção rítmica pode ser utilizada para iden- tificar palavras “importantes” em diálogos entre falantes nativos de língua estrangeira. Muitas vezes o aprendiz se perde quando ouve diálogos numa língua que não entende bem, pensando que precisa identificar o significado de cada palavra falada. Com uma percep- ção rítmica mais desenvolvida, torna-se possível identificar as pala- vras que são pronunciadas com mais força pulmonar e com maior intensidade. As informações físicas sinalizam que algumas palavras são mais importantes para o ato comunicativo do que outras. Os alunos podem também utilizar sua percepção mais aguçada de rit- mo para analisar poesias, peças de teatro, contos literários, explo- rando assim o senso de ritmo da linguagem utilizada pelos autores.

A propósito, existe um método de ensino de língua estran- geira baseado no ritmo musical que não poderia ser desconside- rado neste momento, conhecido como sugestopedia. O método foi criado pelo psicólogo búlgaro Dr. Giorgi Lozanov (2005). Sua pesquisa consiste em desenvolver nos alunos expectativas de sucesso, estimulando uma participação ativa, por meio de música, no processo de aprendizagem. Lozanov utiliza uma di- versidade de estratégias de ensino, criando um ambiente rico em estímulos sensoriais, incluindo a música. Baseado na ideia de que informações são registradas na memória profunda de longo prazo com maior facilidade quando a mente se encontra em estado relaxado de vigília, ocasião em que predominam on- das cerebrais de categoria “alfa”, esse psicólogo experimentou incorporar músicas com ritmo semelhante ao do estado “alfa” no cérebro como estratégia de aprendizagem. Descobriu que a música barroca, que tem um número de 60 a 70 batidas por

minuto, é detentora de um ritmo muito parecido com o ritmo cerebral de ondas “alfa”. Tal descoberta permitiu a Lozanov uti- lizar esse tipo de música como auxílio para alcançar um estado de relaxamento, propiciando assim um processo de aprendiza- gem mais efetivo.

De acordo com essa teoria, o método de ensino é dividido em quatro fases. A primeira se dedica à apresentação do mate- rial a ser ensinado e aprendido. Nesta fase, o professor cria um ambiente atraente que estimule a receptividade do aluno. A se- gunda fase envolve a apresentação “ativa” do material pelo pro- fessor, com acompanhamento de música clássica que utiliza um ritmo mais dinâmico. A terceira fase é dedicada a uma revisão “passiva” do material, acompanhada de música barroca com rit- mo mais relaxante, promovendo um estado de serenidade que é mais receptivo às novas informações. Na quarta fase, os alunos utilizam jogos, quebra-cabeças e outras estratégias prazerosas para consolidar sua aprendizagem através da produção.

Um exemplo de aula, nos termos desse método, pode ser ilustrada da seguinte forma: primeiro, há uma introdução artís- tica, na qual o conteúdo (vocabulário, gramática, etc.) é ensina- do de forma divertida utilizando dramatizações que envolvem professor e alunos. Depois, os alunos ouvem peças seleciona- das de música clássica de Mozart, Beethoven, Haydn, Tchaiko- vsky, etc., enquanto o professor lê e faz a entonação do texto de acordo com o ritmo da música que está sendo reproduzida, ao mesmo tempo em que os alunos acompanham a leitura em seus textos. Em seguida, os aprendizes leem o material ao som e ritmo de música barroca, da autoria de Bach, Vivaldi, Corelli, entre outros nomes ilustres desse período, cuja finalidade é pro- mover um estado mental tranquilo e receptivo. No dia seguinte, os alunos cantam músicas. Nessa ocasião, é atingido o estágio de produção, quando os alunos contam estórias e conversam na língua estrangeira, utilizando-se de todo o conteúdo estudado (LOZANOV, 2005).

Esse método se baseia na ideia de associação de estímulos e indução de estados mentais e corporais. Essa associação potencia- lizaria a memorização: a música induziria certos estados mentais e corporais agradáveis favoráveis à aprendizagem. Outros méto-

dos de ensino utilizam um embasamento semelhante, que são propostas de aprendizagem acelerada e estratégias de ensino base- adas no “efeito Mozart”, por exemplo. Entretanto, consideramos que métodos baseados no associacionismo e automatismo devem ser criteriosamente analisados e usados, portanto, com cautela.

Outra área fascinante, na qual se estuda ritmo em sala de aula, tem como fundamento os estudos desenvolvidos por pes- quisadores tais como Erickson (1980) e Barnhardt (sem data de publicação), que investigam o papel do ritmo no processo de co- municação, analisando, por exemplo, a base rítmica da interação entre professor e aluno. Esses dois pesquisadores constataram a existência de uma fundamentação rítmica nas interações verbais. Como Fritjof Capra (1987, p. 295-296) comenta em seu livro O Ponto de Mutação: “A comunicação humana [...] ocorre, em grau significativo, através da sincronização e da interligação de ritmos individuais [...] a oposição, a antipatia e a desarmonia surgem quando os ritmos de dois indivíduos não estão em sincronia”.

Barnhardt45, pesquisadora do Centro Cultural da Univer-

sidade de Alaska, no seu artigo que estuda as interações entre professores e alunos do povo nativo Athabaska, descobriu que os movimentos não verbais (como o movimento de acenar a ca- beça, mudar a posição de braços, cabeça ou corpo, andar, virar uma página) marcavam um pulso, um ritmo regular que era comum ao grupo. Porém, o dado mais interessante, constatado pela mesma pesquisadora, é o fato de que os professores nativos, descendentes do povo Athabaska, diferentemente dos professo- res não nativos, estruturavam suas aulas de tal forma que per- mitiam ao professor ouvir seus alunos durante grande parte do tempo. E normalmente o professor nativo se ajustava ao ritmo básico dos alunos. Como exemplo, citamos o seguinte: duran- te uma sessão de trabalhos efetuados por pequenos grupos, o professor ficava sentado à sua mesa, atendendo alunos que lhe procuravam. Quando se levantava para conversar com um dos grupos, ele caminhava até esse grupo em sintonia com o ritmo da fala dos participantes do grupo. Sentava junto aos alunos, escutava o que eles tinham a dizer e, quando começava a falar,