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MúSICa, eMOÇÃO e INteLIGêNCIa INtRaPeSSOaL

Música e inteligência intrapessoal

3.1 MúSICa, eMOÇÃO e INteLIGêNCIa INtRaPeSSOaL

A música tem o poder de alterar o humor e/ou os sentimen- tos do ser humano (DIDIER-WEILL apud SILVEIRA, 2005). No entanto, nem sempre temos consciência das nossas emoções ou das reações corporais despertadas em nós pela música. Ora, a ca- pacidade central da Inteligência Intrapessoal, segundo Gardner (1994, p. 185), é de propiciar

[o] acesso à nossa própria vida sentimental – nossa gama de afetos e emoções: a capacidade de efetuar instantaneamente discriminações entre esses sentimentos e, enfim, rotulá-las, en-

volvê-las em códigos simbólicos, basear-se nelas como um meio de entender e orientar nosso comportamento.

No Capítulo 5 – “Música e Inteligência Corporal Cinestésica” –, nós nos posicionamos contra o dualismo mente versus corpo, apresentando como suporte pesquisas das neurociências que indicam a continuidade entre ambos. Agora, nos colocamos também contra o dualismo afeto versus cognição. Segundo Piaget (1977, p. 16), “[...] todo intercâmbio com o meio pressupõe ao mesmo tempo estruturação [cognição] e valorização [afeto] [...]. [Porém,] esses dois aspectos da conduta não podem reduzir-se um ao outro”. Assim sendo, não podemos deixar de tratar de sentimentos e emoções, ou de afetos, em um livro que explora o tema das inteligências, uma vez que, ainda conforme Piaget, “[...] a inteligência em si não consiste numa categoria isolada e descontínua de processos cognitivos”.

Torna-se claro, portanto, que, além de promover o desen- volvimento cognitivo, nós professores também devemos pensar em atividades que proporcionem o desenvolvimento emocional, ou afetivo, em nossos alunos, uma vez que esses aspectos não são separados. Ao alienarmos a expressão das emoções e senti- mentos dos alunos do trabalho em sala de aula, deixamos de sa- ber como eles se sentem. Perdemos, assim, a chance de trabalhar com alunos interessados e motivados, pois não sabemos de que os alunos gostam, como gostam de aprender, etc. Como, então, planejar uma aula na qual haja expressão de afeto?

De acordo com Pires (2005), a música desperta variadas emoções ao veicular conteúdos de forma mais difusa, menos li- teral, do que as palavras veiculam as ideias. Grande parte das pessoas tem dificuldade em nomear seus sentimentos, em ex- pressá-los por meios linguísticos, e, da mesma forma, em inter- pretar as emoções descritas verbalmente pelo outro. Sendo as- sim, consideramos que a música é necessária ao ser humano, por proporcionar-lhe, entre outras emoções, satisfação e alívio, uma vez que ela o remete à experiência sonora intrauterina, quando o significado das palavras ainda não era conhecido (POCINHO apud SILVEIRA, 2005). Isso significa que a comunicação da mú- sica com o indivíduo é feita em outra instância que não a, ou

além da, verbal. No entanto, na maioria das vezes, essa dimen- são comunicativa da música para além da comunicação verbal é completamente ignorada na sala de aula, onde o trabalho tem como enfoque apenas a letra da canção.

Para compreender por que isso ocorre, precisamos enten- der a relação entre as partes que compõem o todo musical. Nos capítulos anteriores, vimos que a música se divide em três elementos fundamentais, que na verdade estão interligados: melodia, ritmo e harmonia (MACMILLAN, 2000). Resumida- mente, podemos considerar que a melodia pode ser definida como uma sequência de notas musicais dispostas em sucessão, seguindo um determinado compasso para formar uma unida- de reconhecível. Já o ritmo seria uma subdivisão de períodos de tempo divididos em seções perceptíveis, um agrupamento de sons relacionados principalmente à duração e à tonicidade. A harmonia é uma combinação de notas simultâneas, produzin- do acordes sucessivos.

A letra, ou a mensagem verbal da música, é apenas um ele- mento complementar, que acompanha a música em alguns ca- sos. Apesar disso, é ela que enfocamos mais quando utilizamos a música na escola. Por que será? Talvez porque tenhamos nos acostumado a focar apenas o aspecto verbal do ato comunicati- vo. Seja como for, esperamos que a esta altura nossos leitores já estejam conscientes da possibilidade (e necessidade!) de traba- lhar os domínios das sete inteligências propostas por Gardner na aquisição de qualquer tipo de conhecimento.

Nossa crença é que a prática de atividades que envolvam a Inteligência Intrapessoal pode desenvolver maior apreciação e contato emocional com a música. Para Lazzarin (2005, p. 27- 28), não trabalhamos como deveríamos a apreciação da música em sala de aula:

A atividade com música na sala de aula pode ser produtiva ao confrontar os diferentes tipos de repertório que os estudantes ouvem ou poderiam ouvir. Critérios como expressividade, for- ma, estrutura podem ser comparados e analisados, confron- tando-se estilos e gêneros diferentes. Nesse sentido do desloca- mento da ênfase do produto para o processo, em que os limites

da compreensão da música são alargados, pode-se ter um enri- quecimento da experiência com a música.

Como então trabalhar o aspecto comunicativo da música de maneiras diferenciadas, relacionando-a com emoções e senti- mentos? A seguir, apresentamos algumas atividades que podem ser vistas como exemplos. Lembramos ainda que existe uma grande diversidade não só de realidades socioeconômicas, mas também de alunos e de propósitos de ensino de uma língua. Cada professor deve criar a sua própria atividade, de acordo com a realidade e diversidade de seus alunos, podendo tomar como exemplo as sugestões aqui apresentadas.

3.1.1 MeLODIa, RItMO, haRMONIa e SeNtIMeNtO

Quando usamos músicas na sala de aula para trabalharmos com o aspecto comunicativo da língua, na maioria das vezes fi- camos presos à letra, esquecendo que sua melodia, seu ritmo e sua harmonia também nos comunicam algo. Fernando Pessoa (1955), em seu poema “Melodia Triste sem Pranto”, faz-nos lem- brar disso nos seguintes versos:

Melodia triste sem pranto, Diluída, antiga, feliz Manhã de sentir a alma como um canto

De D. Dinis. Vem do fundo do campo, da hora,

E do modo triste como ouço, Uma voz que canta, e se demora.

Escuto alto, mas não posso Distinguir o que diz; é música só,

Feita de coração, sem dizer: Murmúrio de quem embala, com um vago dó

De o menino ter de crescer.

Em cada verso desse poema, há uma voz que canta! Portan- to, é possível que no escutar dessa música haja uma letra a ser cantada. Mas o que é dito não se pode distinguir, e mesmo assim

a música tem um sentido, comunica algo, um sentimento, uma imagem, um movimento. Sua melodia é suave, um murmúrio que ao mesmo tempo se escuta alto. Ela se demora e, por con- seguinte, o tempo, o ritmo, também está presente, adicionan- do significado a essa comunicação que se dá sem palavras, sem gestos, mas que é intensa. É essa compreensão que esperamos compartilhar com nossos leitores nas atividades apresentadas no decorrer deste capítulo.

Um colega do grupo MI, José Mauriene Araújo Felipe, rea- lizou uma atividade extremamente interessante, durante o pro- cesso de escrita deste livro, denominada por ele de “laboratório musical”, onde a música é utilizada de um modo que explora bastante a Inteligência Intrapessoal na identificação de senti- mentos em praticamente todas as proposições desta. Por essa razão, pretendemos analisar alguns dados levantados por nos- so colega, com o propósito de explorar ainda mais algumas das possíveis conexões entre música e a Inteligência Intrapessoal ex- perienciadas naquele laboratório.

A primeira proposição do laboratório solicitava ao parti- cipante que escrevesse palavras-chave ou sentenças-chave rela- cionadas às três músicas propostas. Ao fazer isso, a pessoa pre- cisava traduzir para a linguagem uma impressão comunicada por outro meio que não o verbal, fazendo uso, portanto, da Inteligência Linguística. Porém, antes que isso seja possível, o indivíduo precisa ter consciência de sua gama de emoções e encontrar abordagens e modos de expressar seus sentimen- tos e pensamentos, ou seja, as duas primeiras características da Inteligência Intrapessoal conforme expresso no Quadro 1 deste capítulo.

Na segunda proposição, o participante deveria descrever tempos que as músicas evocassem, bem como falar de outros sentimentos e emoções provocados por elas. Para realizar essa atividade, a pessoa deveria buscar a compreensão de suas per- cepções internas (característica 9 – Quadro 1), usando a Inteli- gência Intrapessoal em conjunto com a Inteligência Visual-Es- pacial, uma vez que o sujeito haveria de pensar em um espaço e tempo (era), interpretando em imagem o que ele percebia em forma de som.

Na terceira e última proposição, propunha-se que o par- ticipante registrasse sua percepção de duração da música. Da mesma forma, a pessoa deveria buscar a compreensão de suas percepções internas (característica 9), usando a Inteligência In- trapessoal, mas agora em conjunto com a Inteligência Lógico -matemática, já que deveria demarcar o tempo da música.

Podemos perceber que a Inteligência Intrapessoal foi ativada em todas as etapas desse “laboratório musical”, mas não atuou isoladamente em nenhum momento. É importante ressaltar que como critério para ser reconhecida enquanto inteligência, de modo que possa ser isolada das demais, isso não significa que as Inteligências Múltiplas encontram-se separadas em nossas práti- cas cotidianas. Em muitas das atividades apresentadas neste ca- pítulo (e também nos demais), o leitor vai perceber que, embora o enfoque tenha sido direcionado para a conexão de música com uma das sete inteligências, é importante lembrar que as outras também estão presentes, de modo que uma única atividade con- templa alunos com diferentes perfis em relação a inteligências predominantes e, pela prática, desenvolve várias delas.

Outra atividade por nós sugerida, mas não exemplifica- da detalhadamente aqui, trabalha também com a percepção e expressão dos sentimentos que os alunos experimentam com a música. O professor pode escolher ou pedir que os alunos sugiram diversas melodias ou músicas que eles consideram significantes por algum motivo. Depois de tocar algumas, o professor pode solicitar que os estudantes façam uma lista de seus sentimentos com relação ao que ouviram. Depois, eles podem compartilhar em grupos o que sentiram ao ouvir cada melodia. Essa estratégia pode levar a discussões interessantes sobre como uma única melodia pode despertar sentimentos diversos em cada indivíduo, ou um único e mesmo sentimen- to comum a todos!

Essa riqueza de interpretações só é possível porque expe- rienciamos a música de acordo com nossas histórias de vida. Por isso, algumas vezes, a música poderá nos remeter a uma experiência primordial e, provavelmente, despertará o mesmo sentimento em todos. Outras vezes, alguns sentirão emoções di- ferentes de acordo com suas experiências individuais. Esse tipo

Figura 1: Exemplo de gráfico sobre os sentimentos, ao ouvir melodias30