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3 METODOLOGIA

4.9 Apresentando – ANDRÉ

[...] tive tudo pra dar errado, pra não dar certo, mas eu dei, apesar de não ser uma coisa muito surpreendente,

mas eu acho que eu dei muito certo e é... É isso! (André)

André está com 23 anos, é natural do Município de Santa Cruz do Capibaribe-PE e cursa o quinto período do Curso de Medicina na UFPE. Seus avós e seus pais são analfabetos. Os pais são divorciados, ambos aposentados, o pai como agricultor e a mãe como costureira. André possui três irmãs, todas casadas e com o ensino fundamental incompleto. A educação e responsabilidade com o estudante foram assumidas por sua mãe, que até hoje o mantém financeiramente em Recife, contando também com o auxilio de uma bolsa universitária no valor de R$ 200,00. André fala com desprezo do pai e reconhece, ao longo de sua narrativa, a importância e determinação da mãe para a sua formação.

Por ser natural de um município pólo de confecção, o estudante afirma que é comum o ingresso precoce dos adolescentes e jovens no mercado de trabalho. No entanto, apesar da sua condição de pobreza, atribui à mãe o privilégio que teve de ter se dedicado exclusivamente aos estudos. Afirma:

Como é uma cidade muito voltada para o trabalho, o pessoal abandona a escola cedo para e minha mãe é uma heroína mesmo, ela fez de tudo e eu nunca precisei trabalhar, então eu estudaria, tranquilo. [...] A gente vivia assim, sempre com menos de um salário mínimo, só eu e mãe em casa.

André ingressou na escola com quatro anos, nunca teve problema de acesso a vagas. Ao longo da educação básica, frequentou três escolas públicas, sendo a última uma escola de referência, na qual concluiu o ensino médio. Em seu relato, recorda que foi o primeiro de sua turma a aprender a ler e que sempre

esteve a frente dos seus colegas em desempenho escolar. Lamenta, muitas vezes, as condições oferecidas pela escola pública, especialmente, em sua cidade que rebaixava o nível do ensino para atender aos alunos trabalhadores.

Declara que sempre foi destaque nas escolas em que estudou alcançando desempenho exemplar em todas as matérias escolares, especialmente, Matemática, Química, Física e Biologia. Conforme depoimento abaixo era um estudante sempre em busca de bons resultados:

Eu era muito... Eu sou... Aliás, hoje não... Hoje eu não me preocupo mais com esse negócio de nota não, mas eu era muito competitivo. Eu queria ser o melhor e assim, eu conseguia fazer isso. E eu era sempre assim, queria tirar medalha, queria estar sempre na frente dos outros, queria estar bem melhor do que os outros. Tipo, pra provar alguma coisa pra mim mesmo, pra dizer assim: Olha eu estou no caminho certo! Isso era pra me dar segurança entendeu? Porque a única segurança que eu tinha era essa pra mudar de vida. Era estudar... Estudar pra ver se eu conseguia mudar de vida!

Dentre outras atividades das quais participava durante a escola básica, faz referência às olimpíadas de Astronomia e de Química, além da participação em eventos no Espaço Ciência e monitoria de disciplinas. Enfatiza que recebeu medalha de prata na Olimpíada Nacional de Astronomia. Reconhece que, especialmente a participação em olimpíadas, contribuiu para aprofundar os estudos, pois funcionou com um incentivo a mais para estudar todo o conteúdo, incluindo o que não havia sido tratado pelos professores.

Em várias passagens do seu relato, André atribui a si próprio à razão maior de seu sucesso escolar, destacando sua constante autonomia para estudar e ir à busca do conhecimento, que não era devidamente oferecido pela escola pública. O estudante afirma:

[...] Eu fui muito autodidata viu? Eu vou te dizer uma coisa: eu fui muito autodidata, nesse tempo todo na escola. [...] Eu dependia muito de mim mesmo. Tipo, o professor dava a aula ou não, tanto faz, eu ia ler lá tudo e aprendia praticamente tudo lendo, porque na aula eu até ficava calado, não fazia bagunça não, ficava prestando atenção...

No que tange ao entrosamento e interação com os colegas na escola, André faz algumas restrições, considera principalmente o desinteresse dos

adolescentes para com a aprendizagem como o elemento que lhe distanciava dos demais colegas. Afirma:

Eu muitas vezes chegava na escola e não tinha com quem conversar, porque os meus colegas tinham um nível cultural muito baixo... Porque era isso, era muito baixo, eram voltados pra trabalho, não queria saber de estudo, era preguiça e passavam de qualquer jeito [...] Porque é um desafio ser estudioso na escola em que o povo só quer saber de namorar, só quer saber de ganhar seu dinheiro, só quer saber de celular, só quer saber de ser adulto sem ser, não quer se esforçar entendeu? Acha que tudo é a “sulanca”, que é como a gente chama a produção de roupa lá, é complicado você ser estudioso...

Os professores e gestores das escolas sempre o distinguiram como um aluno exemplar. Segundo ele, até hoje é reconhecido por seus antigos professores. Mesmo assim André lembra que, durante sua trajetória na educação básica fazia exigências para que os docentes assumissem com mais compromisso o trabalho. Revela que reclamava das ausências e falta de domínio de conteúdo por parte dos professores e que, nessas ocasiões, era ouvido e contava com a compreensão da equipe gestora. Sobre essa postura afirma:

[...] eu queria mudar o mundo pro lado da educação, tá ligado? Eu briguei com um professor que faltava, fui na secretaria reclamar das faltas dos professores [...] eu provoquei alguns professores... Assim, porque a diretora me ouvia muito, sabe? Era tipo o aluno número um da escola...

André iniciou um Curso de graduação em Química na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), mas por não se identificar com o curso e devido às dificuldades financeiras suspendeu o curso para se preparar e prestar vestibular para a graduação em Medicina. Para conseguir ingressar no referido curso, contou com o apoio de um médico do seu município, que o matriculou em um curso pré-vestibular na cidade de Maceió e custeou suas despesas por um ano nessa cidade. Ingressou no Curso de Medicina na UFPE no primeiro semestre de 2013. Analisando sua passagem pela escola pública posiciona-se da seguinte forma:

[...] A escola me estimulava e o conhecimento me fez abrir muitos horizontes entendeu? E eu tenho certeza que eu vejo o mundo de

uma forma diferente do que eu veria se eu não estivesse na escola, se eu não tivesse andado por esse caminho, sabe? Eu tive tudo pra dar errado, pra não dar certo, mas eu dei, apesar de não ser uma coisa muito surpreendente, mas eu acho que eu dei muito certo e é... É isso!

Reconhecemos André como um estudante de escola pública, que obteve sucesso escolar.