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5 RESULTADOS – EM BUSCA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE

5.2 A escola pública, suas práticas e o ingresso no ensino superior

5.2.3 Os limites da escola pública na preparação do aluno para o ensino

Nesta seção destacamos algumas restrições da escola pública frente à preparação do aluno para ingressar num curso superior de alta seletividade em uma universidade pública. Dentre elas destacamos: a) Ausência e descompromisso dos docentes e b) Limites na aprendizagem dos conteúdos.

a) Compromisso e ausência dos docentes

... Primeiramente, os estudantes pesquisados fazem menção à falta de compromisso de alguns professores como um aspecto que os prejudicou academicamente. De acordo com as narrativas, eles tiveram professores que faltavam muito às aulas. Além das faltas dos docentes, os estudantes comentam sobre professores que não se preparavam para estar em salas de aula

trabalhando os conteúdos exigidos. Em consequência desse descompromisso, eles acumularam um déficit em suas aprendizagens. Especialmente do conteúdo em disciplinas às quais tiveram que superá-lo mediante a busca de alternativas. Para alguns até hoje esse déficit tem implicações. Relatam os participantes:

Tinham uns que não faziam nada, faltavam... Faltavam bastante, que só ficavam lá mesmo pra dar hora, não davam assunto... Tiveram alguns desses professores... Tinha muitas faltas! Física mesmo foi um problema, porque em física não tinha gente formada. (Lucas)

... Os professores faltavam muito e o maior problema meu era esse, que os professores eles faltavam muito. [...] tinha um professor lá de física que ele não dava aula... Sabe como é? Não dava aula! Na escola de referência lá e não dava aula, explicava quase nada e ficava lá, muito preguiçoso. [...] Os professores faltavam muito, muito, muito, muito... Chegava dia que a gente chega lá e não tinha aula, teve uma professora mesmo que faltou três semanas seguidas, teve... Era muito complicado, tinha aula vaga quase todo dia. (Pedro)

Em suas falas reconhecem que para melhorar a qualidade da escola pública um elemento essencial seria ter professores mais comprometidos com a aprendizagem do aluno. Eles não desconsideram os muitos problemas do sistema escolar público, como os estruturais já citados anteriormente neste texto, mas outros aspectos externos que influenciam no desenvolvimento da escola pública. A esse respeito André aponta uma série de elementos que concorrem para sua desqualificação: [...] “as famílias tem culpa, os meninos têm culpa, os professores têm culpa, a direção tem culpa, o governo tem culpa, a escola toda destruída, a sociedade tem culpa”.

Apesar de todos os agravantes citados, os estudantes atribuem especial destaque ao papel dos professores. Segundo eles, se todos os professores fossem comprometidos com o aprendizado dos alunos, a maior parte dos problemas da escola pública já seria solucionada. Admitem que todos os alunos enfrentam adversidades distintas externas à escola, no entanto o que eles têm em comum é justamente a capacidade de aprender, que poderia ser melhor considerada pelos professores. Dizem:

Eu acho que só os professores não mudaria a educação, mas assim, a coisa principal era os professores... Acho que mudaria muito do que ta ruim! Não seria tudo, mas... Ajudaria! (José) Assim, é muita coisa pra resolver sabe? Mas eu acho que os professores sejam a melhor parte. Porque assim, todo mundo tem problema na sua família né? Mas acho que o principal são os professores... (André)

André, mesmo admitindo que teve bons professores, ao se referir aos docentes faz uma crítica ao desprestígio da profissão docente indicando que em geral os que procuram os cursos de licenciatura são candidatos que não conseguem entrar em cursos mais seletivos, isto é, cursam licenciatura por falta de opção e não por uma afinidade com a profissão. Afirma:

Infelizmente, os melhores não são os que vão ser professores né? Os melhores alunos acabam... Mas assim, eu tive professores que foram excelentes, mas assim tem muito professor que... Assim, porque pra entrar pra ser professor, é o quê? Notas bem baixinhas no vestibular né? Ai muita gente diz assim? “Não, vou lá por causa da baixa concorrência” E acaba indo lá porque não tem outra opção... Não ta fazendo a profissão por gostar. Quem faz por gostar, ótimo, mas tem quem faz que não tem outra opção, aí chega lá e não quer dar aula, enrola qualquer coisa, você sabe... Principalmente, escola pública. Se você quiser não fazer nada, não faz, porque não tem fiscalização, não tem fiscalização, sabe? Ai eu acho que o principal passo seria os professores, pra que a gente aprenda. (André)

Conforme afirma André, esses profissionais acabam por atuar de forma descomprometida, muitas vezes prejudicando o aprendizado dos alunos. O mesmo participante também comenta que na escola pública não existe nenhum tipo de supervisão das práticas dos professores, o que seria mais um agravante para o desenvolvimento de um bom trabalho pela instituição. Mesmo que André não explicite a qual tipo de supervisão está se referindo, entendemos que se trata de fiscalização dos serviços públicos educacionais prestados à população usuária da escola oficial.

Outro aspecto muito presente na narrativa dos participantes em relação a escola pública foi a defasagem de conteúdos para prestar os exames que dão acesso ao ensino superior, os estudantes ressaltam as lacunas no ensino dos conteúdos que conseguiram ter acesso e lamentam pela não oportunidade de sequer terem estudado conteúdos fundamentais à formação, especialmente durante o ensino médio. Atribuem a essas lacunas e ausências ao baixo desempenho nas primeiras experiências em exames para ingresso em faculdades e universidades. Ao passarem pelas experiências reconhecem os limites da preparação oferecida pela escola pública. Nas narrativas expressam:

[...] eu fiz a prova do ENEM todinha e a redação eu não fiz, que era o que valia e eu não fiz a redação, aí no caso eu tirei zero em redação. Aí... Nesse dia quando eu vi o zero, aí foi que eu acordei. E eu meio que não me senti preparado pra redação, isso foi muito... Marcou muito esse dia, por que quando chegou a hora de fazer a prova, eu olhei assim... “Faça um texto dissertativo sobre o tema”. Aí eu olhei assim, “caramba!” Eu não sei fazer um texto dissertativo. Aí eu fiquei meio assim... Na escola não explicaram nada sobre isso, tanto é que foi essa novidade pra mim. (José)

[...] a gente não conseguia aprender o necessário para o vestibular. [...] o IME quando eu fiz a prova eu me assustei, tinham tantas questões difíceis lá, que eu nunca tinha visto e isso me abalou um pouco. Porque lá no interior eu já era meio acostumado né? Recebia prêmio todo ano, sempre ganhava o certificado de melhor estudante da sala e os professores sempre falavam: “Você vai conseguir o que você quiser!”. Mas lá quando eu cheguei, eu vi que era difícil. (Lucas)

[...] os professores que não davam o assunto completo. Aí a gente chega no vestibular e não vê o assunto completo e os alunos da escola particular vêm o assunto todo, e de qualidade, com professores muito bons, professores que sabem tudo na ponta da língua, aí é uma desvantagem né? A diferença é muito grande! (André)

As referências dos estudantes às lacunas e limites da escola em garantir a efetiva aprendizagem dos conteúdos confirmam o que diz Libâneo (2012) quando trata sobre a função social da escola pública na atualidade. Afirma:

A escola é uma das mais importantes instâncias de democratização social e de promoção da inclusão social, desde que atenda à sua tarefa básica: a atividade de aprendizagem dos alunos. Contudo, [...] temos uma escola identificada mais como lugar de encontro e

compartilhamento entre as pessoas em que [...] sejam acolhidos seus ritmos, suas diferenças do que como espaço propiciador de condições para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos. (LIBANEO, 2012 p.26)

Em relação às lacunas no ensino dos conteúdos, André considera que a dificuldade dos colegas do grupo classe constitui um dos motivos pelos quais não se avança na aprendizagem dos assuntos ensinados na escola pública. O estudante pondera o baixo nível acadêmico dos colegas e a necessidade dos professores explicarem repetidas vezes o conteúdo até que todos apreendam, implica em investimento de um tempo maior, algo que é subtraído do cronograma de outros conteúdos, o que acaba por prejudicar os alunos mais adiantados. Afirma:

Na escola, na escola pública é... A gente tinha alunos de vários níveis, entendeu? Aí as vezes o professor tinha que explicar três vezes o mesmo assunto, é complicado. [...] ele tinha que explicar, explicar, explicar... Pra eles aprenderem né? Pra galera aprender! Aí isso aí atrasava, porque ele explica três vezes uma coisa e outras coisas a gente não ver. [...] Os alunos muito bons, como eu falei, eles se prejudicavam por causa dessa questão, porque tinham alunos de vários níveis que atrapalhavam. (André)

Como a escola pública não transmitiu parte dos conteúdos indispensáveis para o acesso a um curso superior, os estudantes em suas narrativas referem-se a alternativas que utilizaram para se preparar e conseguir o acesso aos cursos de alta seletividade na UFPE. De acordo com suas falas, eles relatam que precisaram estudar individualmente o conteúdo ou ir à busca de cursos preparatórios.

Lucas faz menção ao apoio ou material fornecido pelo governo estadual (o tablet)22, como um recurso com o qual conseguiu se preparar, isoladamente, estudando de modo intenso para o exame. O estudante destaca seu esforço e investimento pessoal, tendo que estudar muitas vezes assuntos sequer vistos no ensino médio. Os demais participantes revelam que, além dos estudos individuais e de iniciativa pessoal, também lançaram mão de cursinhos pré-vestibulares, que

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Em 2011 foi instituído no estado de Pernambuco o Projeto Aluno Conectado, que dentre outras ações, distribui tablets para os estudantes do 2º e 3º anos do ensino médio Estadual. Além de livros escolares em formato digital, os tablets contam com softwares educativos.

foram custeados pelos pais e por terceiros, como foi o caso de André. Os que frequentaram curso preparatório admitem que somente nesse espaço tiveram a oportunidade de ter um professor abordando todo o conteúdo exigido para os exames de acesso ao ensino superior. Sobre as estratégias de preparação utilizadas, os estudantes destacam:

Aí no terceiro ano teve o tablet do governo, que eles deram. Eu só recebi no terceiro ano e só quando eu terminei, eu nem cheguei a utilizar no Ensino Médio. Aí eu peguei ele... Aí tinha um programa que ele vem com vários, todos os assuntos do Ensino Médio e de uma forma bem legal, com uma apresentação muito boa. É... Com animação... Eu esqueci o nome do programa agora, mas ele vem com esse programa... Educandos! É educandos. Aí eu fui e fui estudando por ali os assuntos que tinha da UFPE, que era bastante coisa e muita coisa eu não tinha visto, ou tinha visto muito rápido e não lembrava mais. Aí fui estudando tudo, estudei a metade. Boa parte... Tinha coisa que eu me lembrava ainda aí eu nem estudei. Aí como o vestibular só ia ser no outro ano em março... Em janeiro, ia ser em janeiro por causa da greve, aí eu tive um bom tempo pra estudar, passei o final do ano estudando mesmo, foi bem puxado. (Lucas)

Eu terminei meu ensino médio e fiz um ano de cursinho pré- vestibular, eu falei no questionário não foi? Aí eu fiz um ano de cursinho pré-vestibular e depois que fiz um ano de cursinho eu passei em Direito nessa faculdade particular, só que eu não quis e sai. Aí depois disso eu fiquei só estudando sozinho em casa, aí passei... Se não me engano parece que foi em 2012, eu acho! [...] A escola, ela focava muito em passar os conteúdos de cada ano sabe? Ela não tinha um plano de você sair qualificado para um vestibular. Isso í tinha que ser o pai ou o próprio aluno que tivesse essa iniciativa, se não a escola não... E em relação se preparou para o curso de Direito, aí é um não bem grande mesmo. (José) Quando eu saí dali de Química, eu entrei num cursinho pré- vestibular, o curso do Contato lá em Maceió, que inclusive não fui nem eu que paguei, quem pagou foi um médico de lá de Santa Cruz do Capibaribe, que lá ele ajuda as pessoas a se formarem em medicina sabe? Aí ele já tinha conseguido colocar dois alunos, dois meninos em Medicina, aí eu me interessei pelo projeto e pedi ajuda a ele e ele decidiu me ajudar, me mandou pra Maceió e pagou um cursinho lá... Pronto, aí eu fiz o cursinho lá e o cursinho é uma realidade super diferente. (André)

Os participantes comentam que o déficit no ensino dos conteúdos da educação básica, especialmente no ensino médio, não os prejudicou apenas na ocasião dos exames, mas eles sofrem as consequências dessa defasagem atualmente. Segundo os estudantes, muitos dos assuntos estudados nos cursos

superiores em que se encontram hoje exigem uma base fundamental e bem construída, oferecida pela escola básica da qual eles não dispõem.

Conforme relatam, nos cursos de alta seletividade em que estão matriculados, não conseguem acompanhar determinados assuntos básicos e empreendem um duplo esforço se comparados aos demais colegas de turma, para alcançar os resultados que almejam. Dizem:

[...] E... dizer que a gente tem base pra esses curso (sorrir), a gente não tem! Não é propiciado na educação básica. [...] Mas... se você se esforçar muito, se esforçar muito mesmo você vai conseguindo passar nas cadeiras, aí às vezes fica um déficit, você passou, mas fica um déficit ainda, você tem que correr, tem que ir atrás. Não é... não é fácil não, de modo algum! [...] Por exemplo, a matemática... É como se fosse uma construção mesmo sabe? Se não está bem fundamentado lá na base, lá em baixo, você começa a subir e ver outras coisas de forma instável. Aí é... Ou seja, tem muita coisa que tem que ser solidificado ainda. [...] Os alunos da minha turma da graduação que vieram de escola particular, eles tem muito mais oportunidade de ter lazer, por exemplo. Porque eles não precisam voltar lá atrás mesmo, sabe? Eu não, eu tenho que voltar, cada vez mais ficar preso... Não consegue evoluir, tem que voltar pra evoluir. (Pedro)

Em Física eu sofri! E todo mundo dizia que era fácil e gente que nem estudava tanto, eu estudava mais e sentia dificuldade. Eu tive que estudar mais, pesquisar mais, ver vídeos na internet. Matemática também, esse negócio de exponencial, logaritmo, essas coisas me assustavam. Aí eu tive que revisar isso, aprofundar isso, porque na lá no interior é mais difícil, matemática também, mas teve professor, mas física que foi meio deficiente pra mim. Em um ano foram três professores, aí... Aconteceu que eu acabei nem aprendendo muito bem e nos outros anos também foi complicado e foi uma deficiência que eu trouxe até a faculdade. Aí eu tive que realmente estudar mais, focar mais em física que meus colegas achavam fácil, pra eles era fácil porque eles diziam que aquilo ali já tinha visto no ensino médio, mas pra mim (sorri) não era tão simples e aí eu tive que me esforçar mais em física. (Lucas) Eu estou sentindo muita dificuldade agora, muita, muita, muita mesmo. Muita dificuldade! Por que aqueles tempos que eu não precisava estudar para tirar um dez (sorri) só estão na lembrança, bem longínqua. Aí realmente estou sofrendo muito agora. (José)

Neste eixo ficou explícita a incorporação de um discurso negativo e de impossibilidades relacionado à escola pública por parte dos participantes. Nas narrativas dos estudantes, a escola pública apareceu em contraposição à escola

particular. Sentimos a incorporação de um discurso ideológico muito recorrente na mídia, que apresenta a escola particular como a ideal, mas que nem sempre o é.

Contudo, quando os estudantes descrevem as estratégias de que lançaram mão para ingressar em um curso superior de alta seletividade, notamos que, para além do que vivenciavam na escola: eles empreendiam um tempo longo de estudo individual em casa ou em bibliotecas; contavam com a ajuda extra de professores; faziam cursos pré-vestibulares; participavam de aulões; simulados; preparatórios dentre outros. Tais estratégias utilizadas são semelhantes as utilizadas pelos alunos que frequentam escolas privadas. Depreendemos, pois uma representação de escola privada como ideal, completa, capaz de oferecer uma formação incomparável à oferecida pelas instituições públicas. Assim, sem negar os limites enfrentados pela escola pública, as diferenças de classe social e as disposições financeiras que podem influenciar no acesso à informação em ambas as instituições, admitimos que essa representação estaria eivada de ideologia23.