• Nenhum resultado encontrado

2 FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS:TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

2.2 Sucesso escolar dos alunos oriundos das classes populares

2.2.3 Sucesso Escolar na Produção Científica

Com a finalidade de buscar referências para melhor compreender e delimitar nosso objeto de estudo, realizamos uma pesquisa tipo estado da arte. De acordo com Romanowsky e Ens (2006), esse tipo de pesquisa contribui para construção e ampliação do campo teórico de uma determinada área do conhecimento e/ou de um objeto específico dessa área.

Com a realização desse levantamento conseguimos localizar as principais contribuições trazidas pelos estudos desenvolvidos sobre o tema e identificar as lacunas existentes na produção. Procuramos compreender a discussão circulante, em âmbito nacional, relativa ao sucesso escolar de alunos das camadas populares, oriundos de escola pública, que ingressam no ensino superior. Além disso, examinamos o modo de sistematização e organização dessa produção.

Como fonte de dados, usamos a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e o Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes). Essas fontes de dados contêm produções completas e agregam a produção científica educacional nacional, em nível de mestrado e doutorado, o que justifica a nosso escolha.

Nesse levantamento, privilegiamos o período de 1990 a 2015, tendo em vista que, no Brasil, o sucesso escolar, especialmente das camadas populares, vem sendo estudado de maneira mais significativa a partir das duas últimas décadas, conforme os clássicos lidos e já citados sobre o tema, tais como:

Bernard Lahire (1997), Bernard Charlot (2000), Maria Alice Nogueira (2004), Nadir Zago (2006).

Além disso, partindo de uma ordem cronológica da realização de pesquisas em âmbito nacional, identificamos que o primeiro trabalho foi a dissertação de Écio Antônio Portes, Trajetórias e estratégias escolares de universitários das camadas populares, que foi defendida em 1993, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMG.

Para o refinamento da nossa busca, utilizamos os descritores: sucesso escolar; sucesso escolar das camadas populares e sucesso escolar das camadas populares no ensino superior. De início, usamos o descritor sucesso escolar com o objetivo de identificar estudos e debates relativos ao tema, áreas do conhecimento e sentidos atribuídos. Em seguida, acrescentamos o termo camada popular ao descritor sucesso escolar com a finalidade de saber o que tem sido considerado sucesso escolar de alunos oriundos dessa camada da sociedade. Também buscamos compreender o que se tem percebido como camadas populares na conjuntura educacional. Com a inclusão do descritor ensino superior, tivemos a intenção de encontrar trabalhos referentes ao contexto desses sujeitos.

Consideramos necessário apresentar ainda algumas informações pertinentes a essa etapa da nossa pesquisa. Adotamos os seguintes critérios: os trabalhos deveriam conter o descritor no título, no resumo e nas palavras chaves e situar-se no período entre 1990 até 2015. Não adotamos filtros de idioma, nem de área do conhecimento. Após a seleção dos trabalhos, lemos os resumos e, em alguns casos, para maior esclarecimento, alguns capítulos lemos na íntegra, os trabalhos mais próximos do nosso objeto de estudo. Nesse levantamento, analisamos também elementos quantitativos e qualitativos dos trabalhos.

Referente aos dados quantitativos que obtivemos a partir do uso do descritor sucesso escolar junto aos dois bancos de dados já citados, ressaltamos os seguintes resultados: total de 27 (vinte e sete) trabalhos, assim distribuídos: 19 (dezenove) na BDTD e (8) oito na CAPES. No entanto, 6 (seis) se repetiram, ou seja, estavam publicados nos dois bancos, portanto, contabilizamos um total de 21 (vinte e um) trabalhos diferentes.

Desse total, três são teses de doutorado e dezenove são dissertações de mestrado. O trabalho mais antigo foi publicado em 1993 e o mais recente 2014. Após examinar a localização desses trabalhos, chegamos aos seguintes resultados: dos 21 (vinte e um) trabalhos, 13 (treze) são oriundos do Estado de São Paulo; 3 (três) de Goiás; 2 (dois) do Rio de Janeiro; um do Rio Grande do Sul; um de Minas Gerais; e um do Ceará. Tais resultados confirmam a existência de uma concentração dos trabalhos, que versam sobre o sucesso escolar, nas regiões Sul e Sudeste do País.

Todos os trabalhos estão vinculados aos Programas de Pós-graduação em Educação e, a sua maioria, está inserida em linhas de pesquisa de cunho sociológico ou psicológico.

No tocante aos dados qualitativos da pesquisa, procuramos, inicialmente, entender como esse tema tem sido discutido. De início, ressaltamos que o termo sucesso escolar assume um caráter subjetivo e polissêmico, tendo sido utilizado em diferentes sentidos: ora como adjetivo de uma prática específica, ora como condição de um ou mais sujeitos. Muitas vezes, para qualificar instituições, outras vezes para avaliar gestões e políticas e, em alguns casos, para evidenciar os resultados de trajetórias de superação.

Na maioria das pesquisas, a discussão relativa ao sucesso escolar está associada ao fracasso com enfoque em contextos e em resultados negativos, que precisam ser enfrentados até chegar ao sucesso. No entanto, esse sucesso não recebe uma conceituação ou definição, apenas são mostrados os elementos que poderiam modificar a realidade fracassada. Diante desse cenário, agrupamos os trabalhos que tinham semelhanças em seus objetivos e resultados.

Inicialmente, constatamos que parte dos estudos tem dado maior atenção às interações que acontecem no processo de ensino e de aprendizagem, e podem concorrer para o suposto sucesso escolar dos alunos. Por exemplo, os trabalhos de Trisotto (2008), Ferreira (2009) e Pavan (1996) analisam de modo específico, a influência do professor para o sucesso acadêmico dos estudantes.

Tais pesquisas apresentam a problemática da defasagem na aprendizagem dos alunos diante dos dados de avaliações institucionais, que comprovam um percurso de insucesso escolar mesmo diante da implantação de políticas públicas, que têm por objetivo melhorar a qualidade do ensino nas escolas. Diante

disso, buscam analisar como a formação, crenças e valores dos educadores podem promover o sucesso escolar dos estudantes. Nesse sentido, ganha relevo o perfil dos professores das escolas que alcançam bom desempenho. Os pesquisadores partem da hipótese de que, para além da situação socioeconômica dos alunos e das condições institucionais reais, o corpo docente é um fator que contribui para o sucesso escolar.

A partir da análise de diversos dados, tais como: nível socioeconômico, condições de trabalho, percursos escolares, profissionais e práticas pedagógicas, os pesquisadores traçam as características de professores que garantem trajetórias escolares de sucesso. As pesquisas destacam, com o apoio da literatura nacional e internacional, que as escolas, cujos resultados são positivos nas avaliações institucionais, apresentam as seguintes características: os professores têm boas expectativas em relação ao desempenho dos alunos; articulam os conteúdos entre si; e ministram os conteúdos de ensino, de uma maneira coerente. Dessa forma, garantem a assistência dos alunos.

Estudos dessa natureza evidenciam a necessidade de uma rigorosa revisão das práticas pedagógicas que, às vezes, estão fundamentadas em mitos e/ou em equívocos relativos à construção dos conhecimentos dos alunos. Destacam, também, a urgência de maiores investimentos em formação continuada, que estimule e efetive o exercício de reflexão dos professores sobre suas práticas. Diante disso, tais pesquisadores consideram que é preciso haver uma aproximação maior entre o conhecimento produzido na academia e as práticas educativas.

Ainda no campo das relações que concorrem para o sucesso escolar outro elemento ganha força: a relação da família com os alunos e com as instituições de ensino. Com essa perspectiva, Donencio (2014) afirma que a representação que os pais têm de escola, que é transmitida aos filhos, exerce forte influência nos resultados obtidos durante trajetória escolar. Nessa pesquisa, alguns pais ressaltam a necessidade da educação escolar como um instrumento de acesso a um futuro melhor.

Ainda nesse sentido, determinados trabalhos estudam, especificamente, a concepção de educação como investimento financeiro. Os dados destas pesquisas mostram que o investimento financeiro materializado em mensalidades

de escolas particulares de elite, cursos de idiomas e de matérias isoladas, dentre outros recursos, estão determinando o sucesso escolar dos alunos. Fica claro que tais pesquisas estão relacionadas a uma classe social privilegiada financeiramente.

Na maioria dos estudos o sucesso escolar é examinado como via de superação, ou seja, de minorias que conseguem lograr êxito acadêmico mesmo diante de algumas improbabilidades. As pesquisas de Cruz (2013), Pires (2008), Vasconcelos (2001), Arantes (2013) e Carvalho (2006) investigam trajetórias e histórias de vida com enfoque em fatores socioeconômicos e culturais, por exemplo: negritude, gênero e inclusão social.

Nesse levantamento da produção acadêmica, identificamos alguns estudos, que relatam trajetórias bem sucedidas de alunas, mais especificamente, da educação básica/Ensino Médio. Tais pesquisas investigam a construção simbólica do sucesso escolar, no universo feminino como inserção no universo social, ou seja, o significado que as jovens alunas dão ao sucesso escolar para se manterem com bom desempenho acadêmico com vistas à colocação profissional e social. Os resultados revelam a necessidade de repensar o sucesso escolar como uma categoria de gênero, que assume sentido em um processo de ressignificação do papel da mulher na sociedade. A inclusão dessas jovens alunas na sociedade está envolvida por elementos de natureza econômica, social e política, que criam novas expectativas e transformam a educação formal em um elemento decisivo no processo de ascensão social e de sucesso profissional. Dessa forma, o sucesso escolar torna-se uma estratégia de inclusão social.

Ainda nesse sentido, encontramos trabalhos que investigam trajetórias de mulheres negras que obtiveram sucesso escolar e social. Os trabalhos identificam os fatores que promovem a longevidade escolar e mobilidade social das jovens negras, que vivenciaram processos de escolarização diferenciados do restante do conjunto da população negra.

A inclusão de pessoas com necessidades especiais também se encontra como um caso de sucesso. Partindo da problemática de que a escola é a instituição responsável pela operacionalização de estratégias de ensino adequadas as singularidades dos alunos, os pesquisadores afirmam que a escola tem exercido o papel de reprodutora de desigualdades, pois expõe as

desigualdades sociais, físicas, econômicas e culturais, gerando, assim, desigualdades educativas.

No entanto, existem alunos que conseguem obter sucesso escolar diante desse contexto. Esse sucesso é identificado quando pessoas com deficiência conseguem concluir seus cursos. Os pesquisadores investigaram as histórias de vidas e seus respectivos contextos socioculturais e, assim, conseguiram identificar fatores que contribuíram para o sucesso escolar desses alunos. Dentre os fatores positivos, destacam o apoio da família e as práticas pedagógicas de alguns professores, que promovem a inclusão de todos os alunos.

O tema sucesso escolar é investigado em outros trabalhos, considerado como resultado de estratégias e práticas pedagógicas especifica que são utilizadas na escola e na sala de aula. Em geral, esses trabalhos tratam sobre estratégias significativas de aprendizagem que concorrem para o sucesso dos alunos no período de alfabetização. As pesquisas de Pires (2008), Filho (2010) partem da hipótese que uma trajetória de fracasso pode ser superada por meio de uma experiência pedagógica significativa para o aluno.

Apesar da grande expansão do ensino e dos investimentos em políticas públicas, que objetivam o acesso e a qualidade da educação para todos, os indicadores demonstram insucesso. Diante disso, tais estudos vêm comprovar a necessidade de se promover uma educação de qualidade no país. O uso de algumas estratégias pedagógicas pode modificar a situação de fracasso escolar, levando o aluno ao sucesso em sua trajetória acadêmica. Nesse sentido, destacam-se o uso de métodos inovadores de ensino de leitura e escrita; a contribuições do uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) para o alcance de bons resultados. Além disso, existem práticas de avaliação e de acompanhamento psicológico, que podem identificar as dificuldades da criança, que está vivenciando o insucesso escolar. Ressaltamos que tais trabalhos tinham um cunho mais psicológico, e estão inscritos na área de diálogo entre a educação e a psicanálise.

Outras investigações enfocam o potencial pedagógico das novas tecnologias, associado aos investimentos na formação de professores e equipe gestora para uma incorporação efetiva desses recursos. Contudo, existe um consenso: independente de métodos e estratégias específicas, os resultados só

serão satisfatórios se houver investimentos na área da Educação em toda a sua abrangência. As pesquisas deixam claro que o uso de novas práticas por si só não garante um resultado satisfatório, pois é preciso estar em consonância com a formação dos profissionais e com as práticas de sua administração.

Ainda nesse contexto, a pesquisa de Cerqueira (2005) investiga as interferências da liderança exercida pelo grupo gestor e os resultados de sucesso escolar; e analisa também a visão dos diversos segmentos da comunidade escolar acerca do sucesso escolar. Tendo chegado à conclusão que o sucesso escolar é percebido de diferentes maneiras pelas várias instâncias que compõem a escola, porém, existe a seguinte unanimidade: o sucesso de seus alunos decorre, em grande parte, das influências da liderança exercida pela equipe gestora. A formação acadêmica dos gestores e organização da área financeira e administrativa da escola são alguns dos indicadores que influenciam nos bons resultados. Declara que uma escola que pretende garantir o sucesso escolar de seus alunos deve atentar para as esferas administrativa, pedagógica e relacional, a partir de um trabalho que prime pela gestão democrática e participativa.

As políticas públicas ganham relevo quando problematizam o tema de sucesso escolar, mas, sempre, partindo do fracasso escolar. O trabalho de Marochi (2006) avalia as políticas públicas educacionais e investiga suas possibilidades e seus limites no enfrentamento do fracasso escolar que atinge prioritariamente as camadas populares da sociedade e em geral, o público das instituições educacionais públicas.

Nesse contexto, as políticas de correção de fluxo que objetivam ajustar a distorção idade-série existente na rede pública educacional ganharam mais evidência. O trabalho se debruça sobre políticas públicas vigentes, no período analisado, e na evasão e repetência dos alunos de redes públicas estaduais e municipais. A pesquisa constata a efetividade de políticas de correção de fluxo, pois houve alteração nos indicadores de produtividade das redes de ensino, tais como: redução do índice de reprovação na rede; e diminuição da quantidade alunos com histórico de fracasso escolar, que abandonam a escola.

2.2.4 Identificação dos Caminhos Teóricos e Metodológicos que Fundamentam as Dissertações e as Teses Enfocadas

Neste item, pretendemos, ainda que de forma sucinta, apresentar os principais teóricos adotados pelos autores da produção cientifica que localizamos nos bancos de dados da BDTD e da CAPES, já citados. Citaremos, também, algumas informações relativas aos procedimentos metodológicos.

Determinados autores se destacaram pelo seu uso recorrente da Sociologia, notadamente, os estudos de Pierre Bourdieu (1930–2002). A partir dos anos 1960, Bourdieu (1964, 1978, 1998) publica estudos que enfocam desigualdades escolares e denunciam suas causas, cujas raízes estão além dos muros da escola.

Até meados do século XX, nas Ciências Sociais e no senso comum, prevalecia uma determinada visão, que conferia à escolarização o papel principal no processo de superação do atraso econômico e de construção de uma nova sociedade, justa e democrática. Esperava-se que a escola pública e gratuita iria garantir acesso à educação a todos os cidadãos, que teriam oportunidades iguais. No sistema de ensino, os indivíduos estariam em condições iguais e, aqueles, que se destacassem por seus dons individuais seriam levados a galgar êxito em suas carreiras escolares e, também, poderiam assumir posições de destaque na sociedade. Havia, portanto, uma concepção de sociedade meritocrática.

No entanto, nos anos 1960, instala-se uma crise dessa concepção e uma reinterpretação do papel dos sistemas de ensino na sociedade é instaurada. Torna-se imperativo reconhecer que o desempenho escolar não dependia, apenas, dos dons individuais, mas da origem social dos alunos.

Nesse contexto, Bourdieu (2008) usa os conceitos de capital econômico, capital cultural, capital social e habitus para fundamentar sua teoria sobre Educação e origem social. Em um pensamento muito mais complexo do que está posto aqui, segundo esse autor, a herança cultural e familiar e, também, as influências das estruturas sociais têm fortes implicações escolares.

Ainda do campo da Sociologia da Educação, os pesquisadores enfocados apoiam-se em Bernard Lahire e Bernard Charlot, no que concernem às singularidades de diversos aspectos, que colaboram para o sucesso escolar das

camadas populares. Lahire (1997) e Charlot (2000) entendem que o fracasso e/ou o sucesso escolar são objetos que não podem ser pesquisados isoladamente, conforme já citamos. O que existe são alunos em situação de fracasso ou em situação de sucesso. Nesse caso, não é possível encontrar o fracasso ou sucesso escolar, mas é possível observar as condições sociais, educacionais, políticas, que criam tal realidade. Por conseguinte, a condição de fracasso ou sucesso escolar não é meramente um fenômeno produzido dentro da escola ou dentro da família, mas é resultante de um conjunto das singularidades de cada escola, de cada família e de cada aluno.

De modo mais tímido aparecem trabalhos que se inserem no campo da Psicologia, cujos autores utilizam os estudos de Lev Vygotski (1896-1934) sobre os processos cognitivos e sociais. Para Vygotsky (2001), a aprendizagem é um processo social e, por isso, deve ser mediada. Sob essa ótica, o papel da escola é orientar o trabalho educativo para fortalecer os estágios de desenvolvimento, ainda, não alcançados pelo aluno, estimulando novos conhecimentos e novas conquistas a partir de saberes já consolidados.

No que se refere aos procedimentos metodológicos, quase todas as pesquisas são qualitativas, mas algumas, também, assumiam caráter quantitativo. Todos são trabalhos empíricos, muitos são descritivos, alguns são do tipo estudo de caso e, também, alguns são estudos exploratórios. Quase todos adotam os seguintes instrumentos de investigação: entrevista, observação, questionário, análise documental e outros usam narrativa de história de vida. Poucos resumos indicam a técnica de análise dos dados, mas, após examinar a metodologia, constatamos o uso frequente da Análise de conteúdo proposta por Bardin (1997).