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ou não das instituições públicas de operarem como meios através dos quais suas preferências e interesses possam ser viabilizados.

Em último caso, importa que, em relação à questão da problemática da confiança, a maioria dos autores que representam a literatura especializada, ainda estão preocupados, dentre outras tantas coisas, com a importância da existência de valores democráticos que fortaleçam o sistema democrático como um todo e assim acreditam que existe uma forte relação entre a confiabilidade do sistema político, dos governos ou de suas instituições e o enraizamento desses valores e princípios democráticos.

4.3. Aprimorando a democracia

Está última questão existe a partir de sua associação direta com as outras questões até o presente momento trabalhadas. Já que para a maioria dos autores que enfatizam o papel e o valor da cultura política em relação às análises sobre a democracia, é quase consensual que a qualificação e a manutenção de um regime democrático requerem, antes de qualquer coisa a “internalização de atitudes tais como tolerância, compromisso, respeito e lealdade a valores democráticos” (BAQUERO & PRÁ, 2007, p. 106). O que, entretanto, não permite que esses autores possam ser caracterizados pela adoção de uma postura passiva frente a essa problemática, muito contrariamente, a maioria desses autores tem chamado a atenção para a necessidade de que se desenvolvam ações que possam estimular melhor o aprimoramento da democracia brasileira.

Dentre algumas dimensões deste processo Moisés (1995, p. 270) destaca:

Se as lideranças democráticas se convencerem de que as mudanças requeridas pelo sistema político brasileiro são indispensáveis, isto é, que os problemas da representação política, da organização do sistema partidário e do controle público dos poderes – para mencionar apenas os mais prementes – têm de serem enfrentados e equacionados a curto prazo, então as novas atitudes favoráveis à democracia encontradas entre a maioria dos cidadãos mostrar-se-ão fatores decisivos para o sucesso da estratégia de reforma das instituições. Se isso acontecer, o Brasil completará, finalmente, o seu longo processo de reinstitucionalização política.

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Isso porque, a existência dos déficits institucionais que afetam princípios como o primado da lei ou a responsabilização dos governos, na medida em que diminuem as expectativas em torno da capacidade do sistema político em atender às expectativas dos cidadãos, geram insatisfação com o próprio regime democrático e desconfiança em relação as suas instituições. O que por sua vez, pode levar a crença de que os direitos de participação e representação não permitem o enfretamento de problemas como à corrupção ou as dificuldades econômicas. Podendo então minar a legitimidade do regime democrático.

Segundo Moisés (2010b, p. 271):

Sem que os membros da comunidade política sejam motivados a recorrer às instituições e referenciar a sua ação por elas, as principais promessas da democracia – como a liberdade política, a igualdade dos cidadãos perante a lei, os seus direitos individuais e coletivos, e a obrigação dos governos de prestarem contas à sociedade de suas ações – ficam limitadas às formalidades da ordem constitucional. Criadas para assegurar a distribuição do poder na sociedade e também a possibilidade de os cidadãos, em sua condição de eleitores, avaliarem e julgarem o desempenho dos que governam em seu nome, o descrédito ou a desvalorização pública das instituições podem provocar o seu esvaziamento e a perda do seu significado.

No entanto, Baquero (2001) chama atenção para o fato de que, uma vez que é possível falar, no caso brasileiro, da institucionalização de uma cultura política fragmentada e de desconfiança, seria importante ultrapassar os limites de se pensar a consolidação da democracia apenas em termos do papel ocupado pelo processo de desvalorização pública das instituições. Segundo ele, é preciso reforçar a importância do desenvolvimento de associações informais, as quais deveriam, inclusive, funcionar concomitantemente com as organizações formais tradicionais, estimulando assim uma cidadania mais crítica e participativa, com mais capital social. Este último mostra-se de fundamental importância, já que sua própria definição se baseia, conforme nos afirma Baquero e Prá (2007), na ideia da participação das pessoas em organizações sociais, assim como na ideia de confiança entre membros de uma determinada comunidade.

Em relação ao Brasil, os autores consideram que as práticas autoritárias dos regimes autocráticos e que acabaram continuando após a promulgação da

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democracia, contribuem para a erosão do capital social, ou mesmo para a criação de um capital social negativo que se materializa em situações que tendem a privilegiar o clientelismo, o particularismo e até mesmo a corrupção.

A alternativa a esse problema estaria justamente no estímulo ao desenvolvimento de ações solidárias e recíprocas que envolvessem o amplo conjunto dos cidadãos, enquanto uma forma de atividade pedagógica que permita o desenvolvimento de instrumentos que estimulem a capacidade cívica. Daí a ideia de participatory publics (públicos participativos) em Avritzer (2002) e os quais implicam em mecanismos de deliberação coletiva no nível público, tendo-se os movimentos sociais e entidades de associação voluntária como os portadores de práticas alternativas que viabilizem práticas democratizantes.

Todavia, o problema é que, as análises têm mostrado que o movimento de democratização do país ainda não teria gerado o capital social necessário para que se possa garantir a base normativa de apoio a democracia. O que leva Baquero (2008a) a considerar que, do ponto de vista do desenvolvimento democrático, a participação mais frequente e consequente dos próprios cidadãos, é considerada essencial. De acordo com Baquero (2008a, p. 398):

A hipótese básica é que quanto mais uma pessoa participa de redes e associações, maiores as possibilidades de desenvolver virtudes cívicas que tangibilizem o bem coletivo. Existe evidência empírica que mostra a existência de capital social na promoção de cidadãos ou consumidores mais efetivos da política, na medida em que mostram que a existência de estruturas comunitárias fortes está associada não só à promoção do desenvolvimento e da participação comunitária, mas também ao apoio a políticas públicas governamentais.

De acordo com essa perspectiva o capital social pode incidir na promoção de instituições mais confiáveis, embora esse posicionamento não exclua o fato de que ações governamentais e instituições eficientes e eficazes não possam contribuir para a criação de capital social. Só que no caso brasileiro, o que parece ocorrer é que “o governo não parece disposto a abrir sua estrutura de oportunidades políticas, desvalorizando, neste sentido, suas próprias instituições e gerando, paradoxalmente, a necessidade de produzir capital social oriundo da sociedade lato sensu para melhorá-las” (BAQUERO, 2008a, p. 398). Por isso a importância de mecanismos institucionais como o

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orçamento participativo e outros tipos de instituições participativas (AVRITZER, 2008).

Entretanto, conforme nos retrata Baquero, em termos da cultura política brasileira, o que acontece é que essa mesma se caracterizaria como pouco participativa. Tanto em relação ao ponto de vista convencional da participação política como com relação à dimensão associativa. Isso porque, já que o déficit democrático existente é criado pelo mau funcionamento das instituições de representação, gera-se a necessidade da criação de mecanismos societários de fiscalização de gestores e instituições públicas. Tal fenômeno por sua vez demanda que as pessoas cada vez mais se voltem para a participação em grupos informais o que pode funcionar em caráter permanente quando se trata da fiscalização política em contextos democráticos.

Nesse sentido, o capital social como instrumento de empowerment das pessoas para agirem coletivamente pode ser o mecanismo que estava faltando para gerar uma democracia mais eficiente e com qualidade em que as demandas de grupos tradicionalmente excluídos não sejam esquecidas, ao mesmo tempo em que tais experiências fortaleçam o conceito de cidadania. Aceitar tal proposta, entretanto, envolve reconhecer que os paradigmas tradicionais que privilegiam soluções técnicas devem ser substituídos por outros que incorporem a dimensão subjetiva e social da democracia (BAQUERO, 2003, p. 104).

Em países em que predomina a presença de traços clientelísticos, personalistas e patrimonialistas, o capital social e o “empoderamento emancipatório” podem, segundo Baquero, se constituir em um dispositivo que permita a mudança de rumos no país.

Uma alternativa são as instituições de representação: orçamento participativo, conselhos de políticas e planos diretores municipais. As quais, embora se diferenciem quanto à maneira como a participação se organiza, são extremamente importantes para se pensar a efetivação da própria democracia.

Para Moisés (1986) a questão da democracia, portanto, aparece como um projeto a ser realizado. E muito embora não se possa afirmar que isso resulte da simples reconstrução e fortalecimento da sociedade civil, dimensão inclusive enfatizada por Avritzer, a organização desta funciona como um dos requisitos de organização da própria sociedade política e, por conseguinte, da democracia no país.

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