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Com relação ao último fator que aqui será tratado, o próprio subtítulo já possibilita certa antecipação das questões que basicamente norteiam o cenário das discussões em torno do sistema eleitoral brasileiro. A partir da utilização de parte do título de um artigo escrito por Amorim Neto e Santos (2002), o que se busca apresentar é justamente os dois principais grupos de análise que têm se tornado amplamente difundidos no cenário dos estudos sobre a democracia brasileira, reproduzindo inclusive o que se verificou quando da discussão em torno das relações executivo-legislativo e com relação ao sistema partidário.

Como bem se sabe, o sistema eleitoral brasileiro estabelece a realização de eleições majoritárias para os cargos do executivo, em todas as suas instâncias – federal, estadual e municipal –, bem como para a escolha dos senadores e utiliza o voto proporcional de lista aberta para escolha dos membros da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. No entanto, grande parte das discussões com relação ao sistema eleitoral se dá a partir das eleições para cargos ocupados via representação proporcional.

Nesses termos as discussões sobre o sistema eleitoral se definem a partir de dois pontos de vista básicos. O primeiro considera a atual configuração do sistema eleitoral baseado na escolha dos legisladores, ao menos a maior parte, em um sistema proporcional de lista aberta e que incentiva a personalização eleitoral, como prejudicial à democracia brasileira. Pois acaba trazendo efeitos desastrosos para a política do país, principalmente em termos da atuação dos eleitos. O que consequentemente, prejudica o funcionamento de outras instituições, como o sistema partidário e o Legislativo. Interferindo na materialização de princípios como representatividade e

accountability, comprometendo assim, o grau de aprimoramento da

democracia. Embora isso esteja amplamente associados a outros fatores como amnésia eleitoral (ALMEIDA, 2006) e o “dilema do rico”9 (RENNÓ, 2006), mas

9 Lucio Rennó utiliza a expressão “dilema do rico” para se referir a uma situação muito comum

durante as eleições proporcionais, embora não se restrinja a estas, que é a presença de muitos candidatos frente à possibilidade do eleitor de fazer apenas uma escolha, o que poderia acabar afetando negativamente o conhecimento do eleitor sobre seu candidato e prejudicar suas escolhas.

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que são questões que também estão diretamente relacionados com as regras definidas pelo próprio sistema eleitoral.

Segundo Ames (2003), conforme já fora mencionado, o sistema de representação proporcional adotado no país gera um amplo processo de personalização da política, o que afetaria diretamente as motivações subjacentes a atuação de candidatos e parlamentares. Desse modo, a idéia central aqui apresentada defende que

Por conta dos incentivos paroquiais gerados principalmente pelo sistema eleitoral de lista aberta da Câmara dos Deputados, os candidatos a cadeiras parlamentares teriam como melhor estratégia de campanha o cultivo do voto personalizado em detrimento de estratégias que enfatizassem a sigla e o nome do partido. Por outro lado, a consecução eficaz de estratégias centradas no voto personalizado levaria os candidatos a tentar capturar estreitas clientelas eleitorais, de base geográfica ou setorial, dentro dos seus respectivos estados. Por último, os parlamentares, assim eleitos deveriam, em sua atuação legislativa, patrocinar leis que canalizassem benefícios para suas clientelas eleitorais a fim de maximizar suas chances de reeleição (AMORIM NETO & SANTOS, 2002, p. 93)

Não é por acaso que toda a discussão em Ames sobre a política brasileira se dá a partir dos efeitos gerados pelo sistema eleitoral, principalmente quanto à definição de uma taxionomia representativa dos padrões de distribuição espacial do voto, tendo com foco municípios e estados brasileiros. Isso demandaria por parte dos legisladores que visam à reeleição, o esforço de construir uma reputação pessoal junto a sua base eleitoral. O que levaria esses legisladores a uma atuação, junto ao Congresso, de caráter amplamente distributivista e clientelista em favor de seus redutos eleitorais.

Tais aspectos conduzem a idéia de que o interesse do Legislativo brasileiro é, por sua vez, amplamente fragmentado. O que nos leva mais uma vez ao problema já mencionado da paralisia decisória, já que tal característica constituiria impedimento real para a aprovação da agenda governamental. Ainda mais quando tais circunstâncias são reforçadas pela total falta de controle dos partidos sobre seus membros. O fato é que, toda a análise em torno do sistema eleitoral brasileiro gira em torno dos “efeitos perversos” gerados pelo mesmo.

Entretanto, existe outra corrente de interpretação que considera que os possíveis efeitos gerados pelas regras adotadas pelo sistema eleitoral, principalmente em termos da personalização do voto, não conseguiriam

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interferir de forma definitiva e decisiva quanto ao controle partidário e consequente quanto à organização em termos partidários da atuação legislativa em torno do processo decisório. Mesmo porque, a idéia central aqui presente é a de que, o próprio sistema eleitoral criou regras que minimizaram os efeitos do personalismo eleitoral.

Também existe o fato de que, assim como da mesma forma que o sistema eleitoral pode acabar exercendo algum tipo de influência sobre a lógica de organização e atuação de outras instituições dentro do sistema político, essas mesmas instituições podem coibir, via suas regras e aspectos institucionais, os efeitos gerados pelo sistema eleitoral, via a influência que também exercem sobre ele.

Conforme nos apresenta Santos (2003) para que se pudesse confirmar a tese de que deputados tendem a investir recursos na constituição de reputações pessoais, bem como em atuações prioritariamente distributivistas e clientelistas, seria necessário que os mesmos fossem capazes de “identificar com clareza sua constituency eleitoral”, no entanto, segundo o autor, tal premissa é insustentável. Isso se dá porque, o número de deputados que conseguem se eleger com os próprios votos seria muito reduzido, sendo a vitória eleitoral definida a partir da transferência de votos que ocorre intrapartidariamente e entre partidos de uma mesma coligação eleitoral.

Esse aspecto traz consigo a necessidade, por parte dos deputados, de tentar aproximar-se, tanto quanto possível, do chefe do Executivo Federal. Uma vez que os deputados não possuem clareza sobre os limites que constituem suas bases eleitorais, fica difícil para os mesmos definirem que tipo de políticas e atuação devem privilegiar. Desse modo é preciso que estes possuam uma fonte por meio da qual eles possam emitir sinais sobre seu posicionamento junto a sua base eleitoral. Essa fonte é o presidente.

Por isso, pode-se afirmar que a transferência de prerrogativas do Legislativo para o Executivo não decorre, como imagina a teoria do voto personalizado, do paroquialismo dos representantes eleitos no contexto do sistema eleitoral proporcional de lista aberta. Ao contrário, o surplus de voto a ser adquirido pelos deputados brasileiros só pode advir da nacionalização de seu comportamento. Todavia, tal nacionalização implica transferir, tanto quanto for possível, prerrogativas decisórias para o presidente (Santos, 2003, p. 48).

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Quanto ao maior controle exercido pelas lideranças partidárias sobre os membros de sua bancada no âmbito do Legislativo, uma vez que as novas regras definidas pela Constituição de 1988 atribuem um maior grau de centralidade a figura das lideranças partidárias e, consequentemente aos partidos políticos no que tange ao processo de organização interna do próprio legislativo, torna-se inviável ou pelo menos muito custosa uma atuação individualizada e fragmentada por parte dos legisladores. Embora, isso não signifique que os deputados sempre agiram e agirão em conformidade com os interesses e orientações do partido do qual fazem parte, nem mesmo que não existam alternativas para que os legisladores busquem conseguir recursos com fins paroquialistas (Figueiredo e Limongi, 2005; Amorim Neto e Santos (2003).

Importa apenas perceber que existem formas diferenciadas de se interpretar o mesmo problema. Muito embora o foco permaneça o mesmo: avaliar os efeitos ocasionados pelas regras definidas pelo sistema eleitoral sobre a democracia brasileira.