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Inegavelmente, os estudos hegemônicos sobre a democracia brasileira têm enfatizado de forma expressiva o peso da variável institucional. Não obstante, uma vez que o sistema político também se baseia em valores, uma série de estudos vêm sendo desenvolvidos na tentativa de chamar a atenção para outros aspectos, destacando-se nesse cenário os estudos sobre cultura política e capital social.

Nos termos de Carvalho (2008, p. 240),

O capital social aparece como um recurso estrutural que pode ser estimulado socialmente, e “como todas as outras formas de capital, o capital social é produtivo, tornando possível o alcance de certos fins que não seriam atingidos em sua ausência”. Essa qualidade produtiva reflete uma dimensão singular e não tangível, uma vez que não está presente em um local específico, nem nos indivíduos nem nas ferramentas físicas da produção. O capital social é incorporado nas relações entre os agentes e se constitui como um bem público, indivisível e não passível de ser transacionado. Expressa o conjunto de atributos favoráveis das instituições informais e representa a sistematização de relações de confiança que geram reciprocidade nas trocas e obrigações de retornos sobre benefícios recebidos. Uma característica medular do conceito é manifestada pelo condicionamento dos interesses próprios pelos fins coletivos.

Na verdade, todo o movimento de valorização da dimensão da cultura política tem si dado em função da constatação de que, embora as instituições importem, elas não podem ser consideradas os únicos aspectos relevantes quando da avaliação do grau de aprimoramento das democracias existentes.

E dado esse aspecto de crescente relevância que tem sido conferida à dimensão cultural nos estudos sobre a democracia brasileira, seria interessante avaliar sob que aspectos tais estudos têm se diferenciado das concepções hegemônicas, para assim avaliar as reais possibilidades de interseção entre ambos os modelos de análise.

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CAPÍTULO 4

Cultura política e democracia no Brasil:

valores, atitudes e confiança como

aspectos relevantes para a

consolidação democrática

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Cada vez mais tem aumentado no universo da ciência política brasileira e entre os estudiosos sobre o Brasil, o número de pesquisadores que, em termos da análise sobre a democracia, especificamente a democracia brasileira, tem defendido a necessidade de não mais poderem ser negligenciados, aqueles aspectos que normalmente têm sido considerados como possuidores de um valor explicativo secundário. Isso quando não são considerados desprovidos de qualquer valor explicativo. Principalmente, quando o assunto é o funcionamento, estabilidade e o aprimoramento da democracia. É o que se observa, por exemplo, em relação à dimensão da cultura política.

Isso de dá a partir do reconhecimento, por parte de alguns autores, dos limites intrínsecos aos modelos explicativos que prioritariamente têm atribuído um peso maior a dimensão institucional, enquanto fator determinante, senão exclusivo, do bom funcionamento de toda e qualquer democracia.

Conforme nos apresenta Moisés (1990, p. 04):

A estabilização de um sistema político democrático supõe mais do que a realização periódica de eleições. É preciso, também, que uma parcela expressiva da população acredite que a democracia é a melhor forma de organizar a convivência coletiva e de solucionar conflitos na sociedade; isto é, que ela compartilhe de um conjunto de crenças e valores democráticos fundamentais, ou, dizendo de outra forma, de uma cultura política democrática. Por exemplo, é desejável, para uma democracia estável, que as pessoas não só votem, mas também acreditem que a competição político-eleitoral seja a melhor maneira de escolher os governantes.

Ou nos termos apresentados por Avritzer (1996, p. 20):

A democracia depende, para a sua reprodução, não apenas daqueles processos que ocorrem no sistema político strictu senso – aglutinação da opinião pública em partidos, atividades parlamentares e eleições –, mas depende também dos processos de formação e renovação de uma cultura política democrática.

Todavia, embora tais esforços analíticos tenham ganhado cada vez mais espaço e destaque com relação aos estudos sobre a democracia brasileira, não se pode afirmar que os mesmos são recentes, ou seja, não seria verdadeiro asseverar que apenas agora a preocupação com relação aos aspectos culturais tenha surgido, principalmente quando o assunto é a

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realidade política brasileira. Na verdade, os estudos que consideram a dimensão da cultura política, em termos de Brasil, remontam a contextos nos quais se tentava pensar o papel que a adesão a valores tipicamente democráticos, poderia desempenhar em relação à passagem do regime autoritário iniciado no ano de 1964, para a democracia algumas décadas depois.

De modo a ser um pouco mais preciso, pode-se dizer que os estudos que consideram o impacto da dimensão cultural sobre a lógica da organização e funcionamento da política brasileira, remetem a estudos clássicos como os realizados por pensadores sociais do século passado, como é o caso de Gilberto Freire (2004a, 2004b e 2006), Sergio Buarque do Holanda (1995) e Raimundo Faoro (1998). Entretanto, o presente capítulo terá como foco de suas considerações apenas os trabalhos mais recentes, escritos a partir da década de 1980, preocupados especificamente com o aprimoramento e consolidação da democracia brasileira.

Para esses autores a cultura política deve ser entendida como se referindo a uma ampla variedade de atitudes, crenças e valores políticos – orgulho nacional, respeito pela lei, participação e interesse em política, tolerância, confiança interpessoal e institucional – que afetam de algum modo o envolvimento das pessoas com a política. E por essa razão é que não acreditam que seja possível se desenvolver qualquer estudo sistemático sobre a democracia, sem que estes aspectos sejam considerados, uma vez que eles refletem diretamente o grau de adesão dos indivíduos ao regime político adotado.

No caso brasileiro, grande parte dos estudos sobre cultura política, principalmente em termos das opiniões e atitudes frente à democracia, têm sido realizados a partir da utilização de medidas desenvolvidas considerando- se a realização de estímulos nominais diretos. Desse modo, as pesquisas e

surveys que visam investigar os aspectos da cultura política no país, priorizam

a utilização de perguntas fechadas e estruturadas que mencionam a palavra democracia, conforme é feito inclusive em países da Europa e em outros países da América Latina, por consórcios como o Eurobarômetro e o

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Tais esforços levam em conta a memória do público sobre os regimes autoritário e democrático, tendo como objetivo captar o posicionamento dos entrevistados frente aos tipos de regime político, ou mesmo sua indiferença em relação a eles. Tentando associar, ainda, esses posicionamentos as diferentes experiências históricas e legados político-culturais. Portanto, o que se propõe com tudo isso, é realizar um teste para se avaliar o nível de envolvimento político e de preferência entre alternativas políticas dadas. No entanto, esse é apenas um dos aspectos que envolvem o processo de incorporação da dimensão da cultura política, junto às análises sobre a democracia brasileira.

Entretanto, o fato dos autores que trabalham com a dimensão da cultura política, considerarem a mesma, algo de extrema relevância para o estudo da política, entre os trabalhos que foram analisados, não se observa a adoção de uma postura determinista do tipo causal em relação a esta. Mesmo porque, para os autores trabalhados, é crucial o reconhecimento dos próprios limites normalmente atribuídos ao modelo culturalista puro de análise da democracia. Tanto que, distintamente do que ocorreu no capítulo 2, em que os trabalhos analisados puderam ser facilmente identificados com o modelo institucionalista de análise da democracia discutido no capítulo 1. Nesse capítulo não será possível enquadrar os estudos e estudiosos que tratam da dimensão da cultura política no Brasil como representativos, especificamente, do modelo culturalista de análise da democracia. Embora este último represente uma das bases de fundamentação desses estudos.

Isso porque, não é a intenção da grande maioria dos estudos analisados, defender uma relação de causalidade que venha a estabelecer que, para que haja democracia é necessária, antes de tudo, a existência de certos valores e pré-condições sem os quais a democracia se torna algo impossível. O fato, é que, em geral, a postura adotada reflete muito mais uma postura a favor da necessidade de se trabalhar de forma muito mais associativa e que envolve tanto a cultura política como as instituições, enquanto aspectos complementares no que diz respeito aos estudos e pesquisas sobre a democracia. Conforme sugere Baquero, (2008, p. 50):

Nesse contexto, a valorização da perspectiva culturalista da democracia contemporânea não deve ser vista como alternativa ao enfoque institucionalista. Tal postura seria ingênua e reduziria o debate sobre os

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dilemas e desafios que a democracia contemporânea latinoamericana enfrenta a um mero exercício estéril. É óbvio que a sobrevivência e a eficiência do contrato social de uma sociedade precisa de instituições, leis e normas que regulem os conflitos sociais.

Ou também, nas palavras de Moisés (1990, p. 04):

O ponto fundamental a ressaltar é que uma cultura política democrática não existe de antemão e independentemente das instituições políticas da democracia. Quando as instituições funcionam bem, elas podem fomentar crenças democráticas que eram débeis ou mesmo inexistentes. Isto é não é preciso que exista primeiro uma cultura política de certo tipo para que o regime democrático possa se implantar.

Tal postura tem como objetivo, evitar também a naturalização de certos aspectos identificados com o sistema político brasileiro, como ocorre algumas vezes em relação às interpretações sobre certos fenômenos, a exemplo da corrupção. Muitas vezes considerada como uma “consequência natural da sociabilidade brasileira” (AVRITZER, 2011, p. 46).

Assim, tendo tais questões sido esclarecidas, importa agora, se debruçar sobre alguns dos principais aspectos que têm feito parte da grande maioria dos estudos que tem enfatizado o valor da cultura política, quando o assunto é a democracia brasileira. São exemplos desses trabalhos: Moisés (1986, 1989, 1995, 2010a, 2010b), Moisés e Carneiro (2010), Avritzer (1995, 1996, 2002, 2011), Baquero (2001, 2003, 2007, 2008a, 2008b) e Almeida (2007). Nesse sentido, destacam-se entre as discussões: a preocupação em torno das bases sociais e políticas que estão por traz do maior ou menor grau de adesão ao regime democrático; o problema da confiança e; a questão da consolidação da própria democracia. E muito embora, cada um desses aspectos esteja diretamente relacionado, os mesmos podem ser tratados separadamente, sem que se perca de vista o quanto estão imbricados. Tornando apenas mais fácil uma melhor compreensão de todos os aspectos que envolvem tais questões,

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4.1. Bases sociais e políticas em sua relação com a democracia no