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Como foi possível perceber no capítulo anterior, é cada vez maior, entre os estudiosos da cultura política no Brasil a reflexão em torna da necessidade de incorporar em suas discussões a problemática da qualidade da democracia.

Conforme já fora destacado, uma vez que a estabilidade já faz parte do dia a dia de grande parte dos regimes democráticos, a preocupação agora se volta para a problemática do desempenho da democracia.

Segundo essa perspectiva uma democracia de qualidade, é aquela que garante ao conjunto dos seus cidadãos um elevado grau de liberdade, igualdade política e a possibilidade de exercer controle sobre as decisões

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políticas, através da existência de instituições estáveis e eficientes. Assim sendo, a democracia alcança certo grau de qualidade na medida em que conta com a legitimidade e satisfação dos cidadãos, por exemplo, em relação as suas expectativas sobre os governos.

Outro aspecto importante refere-se ao grau de liberdade e igualdade política do qual gozam cidadãos, associações, partidos políticos e outros tipos de organização social. Sem falar que seria muito importante, que os cidadãos sejam possuidores de um poder soberano que os torne capazes de avaliar a atuação dos governos, a partir do monitoramento da eficiência e equidade das respostas políticas apresentadas as suas demandas.

E muito embora exista certa discordância e divergência com relação à utilização da noção de qualidade da democracia, conforme nos apresenta Altmam e Pérez-Liñas (1999), interessa apenas saber, como isso impacta na reflexão geral sobre as democracias contemporâneas.

E entre os autores que trabalham com a perspectiva da cultura política no Brasil, mostra-se importante o fato de que alguns, a exemplo de Morlino (2010), têm chamado a atenção para o fato de que para que seja possível pensar o aprimoramento da democracia em termos de padrões de qualidade, é necessário considerar a relevância não apenas dos aspectos institucionais, mas também dos aspectos culturais enquanto garantidores da qualidade democrática. Para o autor,

Quando queremos pesquisar empiricamente a qualidade da democracia e consideramos as dimensões analíticas fundamentais dessa análise, como, por exemplo, a accountability e a responsividades políticas, crenças, valores, comportamentos e aspectos culturais mais gerais não podem mais ser ignorados (MORLINO, 2010, p. 41).

Isso porque, a qualidade da democracia passa a ser avaliada em primeiro lugar, a partir dos aspectos procedimentais – Estado de direito17,

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De forma simples, Estado de Direito pode ser definido como uma situação jurídica, ou um sistema institucional, no qual cada um é submetido ao respeito do direito, do simples indivíduo até a potência pública. O estado de direito é assim ligado ao respeito da hierarquia das normas, da separação dos poderes e dos direitos fundamentais. Para O’Donnell (2005) afirma que ele permite a garantia dos direitos políticos, das liberdades civis e em último caso dos próprios mecanismos de accountability em torno dos quais se afirma a igualdade política dos cidadãos e a possibilidade de constrangimento a toda e qualquer forma de abuso do poder. O que faz perceber o quanto a problemática sobre o Estado de Direito está intimamente ligada as demais dimensões relacionadas a geração de qualidade para a democracia. Disso decorre

169 accountability, responsividade –, mas também a partir de aspectos substantivos

– liberdade e igualdade – e de aspectos como a participação e a competição políticas. Em relação a esse último fator se destaca o fato de que a qualidade da democracia também dependeria do papel desempenhado pelos indivíduos- cidadãos e as diversas formas de associação com seus valores, tradições e objetivos comuns. Isso sem falar na avaliação sobre o desempenho das próprias instituições. O que define a maneira como os cidadãos interagem uns com os outros e com as instituições que fazem parte do cenário político democrático. Podendo assim interferir nos rumos da estabilidade democrática. Para Moisés (2010b, p. 301):

Embora seja evidente que o fenômeno da desconfiança das instituições democráticas não coloque em risco a existência da democracia em termos imediatos, o seu efeito impacta a qualidade da democracia em dois sentidos importantes: de um lado, a desconfiança das instituições mostra que o que está em jogo, desde logo, é o desempenho dessas instituições e a forma como os cidadãos as avaliam leva em conta a capacidade (ou incapacidade) delas de cumprir as expectativas que elas geraram, seja através do seu discurso autojustificatório, relativo à missão das instituições, seja através do seu esforço para obter a participação e o apoio dos cidadãos. De outro, a desconfiança das instituições também aparece associada tanto à tendência ao afastamento das pessoas comuns da esfera pública como à convicção de que a democracia pode prescindir das instituições de representação, como partidos e parlamentos. As instituições de representação se constituem, como sustentado por praticamente todas as abordagens do conceito de democracia, nos meios através dos quais os cidadãos expressam os seus interesses e as suas preferências mas, mais do que isso, são os instrumentos através dos quais, na dinâmica usual do regime, eles fiscalizam, controlam e corrigem as falhas do sistema democrático. Assim, a disposição de abrir mão dessas instituições – qualquer que seja a imagem que se faça do regime democrático – implica em prescindir de instrumentos de aperfeiçoamento da qualidade da democracia.

Assim sendo, a problemática da qualidade democrática torna-se um critério muito importante nas discussões mais recentes sobre a democracia, obviamente que, a partir de uma associação entre os aspectos institucionais e

que, uma das condições para a própria sobrevivência desse Estado de Direito, é a existência de um Judiciário independente associada a outras questões como o valor supremo concedido a Constituição, força policial profissional e eficiente, bem como corrupção controlada. E a principal forma de garantir o desenvolvimento desse Estado de Direito, seria através da difusão dos valores liberais e democráticos entre todos os membros de uma dada sociedade, principalmente entre os membros da elite, o que de certo modo já reflete as próprias dificuldades inerentes ao processo de garantir de fato uma maior viabilidade desse Estado de Direito em sociedades muito apegadas a valores hierárquicos muito arraigados, que enfrentam amplos problemas quanto a existência de clivagens sociais muito bem definidas.

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sócio-políticos de uma dada realidade. Mas, mesmo aqui não desaparecem os problemas quanto a como tornar efetivamente, tal qualificação possível.