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Pretendo, neste subtópico, trazer algumas características da escrita de crianças com deficiência intelectual, e a importância da mediação para o desenvolvimento de estratégias de escrita, tendo como embasamento teórico os estudos desenvolvidos por: Figueiredo (2012); Carvalho (2006); Salustiano; Figueiredo e Fernandes (2003); Fernandes e Figueiredo (2010); Vygotsky (1997).

Basicamente, as pesquisas acadêmicas no âmbito da língua escrita se concentram em discutir sobre a aquisição da escrita em crianças sem deficiência. Esses estudos constataram que as crianças sem deficiência elaboram hipóteses de conceitualização da língua escrita, que se configuram como objeto de conhecimento até que ela alcança uma apropriação sistemática desse sistema de representação. Em relação às investigações sobre a aquisição da língua escrita por crianças com deficiência intelectual, verifica-se que a temática é rara e ainda não foi amplamente abordada. Segundo Figueiredo (2012), os trabalhos de Koppenhaver, Coleman, Kalman e Yoder (1991 apud FIGUEIREDO, 2012) constataram que as crianças com DI não têm as mesmas oportunidades de experiências com a escrita ao se comparar com as experiências vivenciadas por crianças ditas normais. Essa diferença está atrelada à falta de estimulação e ausência de mediação, provavelmente pelo pressuposto da incapacidade de aprendizagem dessas crianças.

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A falta dessa mediação e a não estimulação podem ocasionar uma aprendizagem tardia, visto que a criança não terá vivências desde cedo com a leitura e a escrita. Ante tal afirmação, torna-se importante se recorrer a Vygotsky (1997), na medida em que o autor compreende o desenvolvimento infantil como resultado das interações com o meio, e enfatiza a positividade da participação das pessoas com deficiência em atividades pedagógicas com pares sem deficiência. Conforme pesquisa de Silva (2012), a produção textual das crianças com DI, quando mediadas por pares sem deficiência evoluíam qualitativamente.

Em seus estudos Figueiredo (2012) observou que as crianças com DI também elaboram esquemas para interpretar a língua escrita, assim como passam pelos mesmos conflitos cognitivos descritos por Ferreiro e Teberosky (1999).

Os resultados dessas investigações (FIGUEIREDO, 2012; SILVA 2012) com crianças com DI sugerem que, tal como ocorre nas crianças sem deficiência, a escrita das crianças com DI evolui qualitativamente e as atividades que mecanizam esta aprendizagem não promovem avanço conceitual. Carvalho (2006) comenta que esta evolução se dá por meio de atividades que possibilitem desafios, sendo fundamental que essas crianças estejam inseridas em grupos com crianças sem deficiência, tal como já recomendava Vygotsky (1997), para que haja uma troca de experiências.

As crianças com DI expressam os esquemas necessários para realizar a interpretação da escrita, todavia, elas apresentam certo grau de dificuldade para utilizar esses esquemas mentais, e estes se revelam por meio de três tipos de comportamentos

Os oscilantes, os hesitantes e os consistentes. Os primeiros procedem como se eles utilizassem esquemas que não estão ainda bem desenvolvidos. Os segundos se caracterizam por uma hesitação que indica a presença dos esquemas, mas a criança encontra uma grande dificuldade para utilizá-los. Os últimos utilizam seus esquemas de forma bastante semelhante às crianças normais da mesma idade cronológica. (FIGUEIREDO, 2012, p.38)

Na literatura, ainda não existe consenso de que essa oscilação representa um aspecto negativo do raciocínio dessas crianças. Se a hesitação significa uma evolução conceitual, a mediação, no modo proposto por Vygotsky (1997) poderá favorecer a mobilização dos conhecimentos prévios dessas crianças, embora elas exprimam dificuldade para ativar os conhecimentos prévios. Outro

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benefício da mediação para essas crianças é a apropriação que elas podem fazer de estratégias utilizadas pelo mediador (SALUSTIANO; FIGUEIREDO; FERNANDES, 2003).

Em uma de suas pesquisas, Figueiredo (2012) buscou identificar o conhecimento que as crianças com DI constituem em torno da escrita do nome próprio, antes de se apropriarem da leitura convencional. Para realização desse estudo, a pesquisadora utilizou a prova avaliativa da interpretação do nome próprio8 e aplicou a 15 crianças com idade de quatro a sete anos. Os resultados pontuados estão na sequência.

a) O conhecimento das letras do nome estava relacionado à idade da criança mantendo ainda uma ligação com o conhecimento e o nível de interpretação do nome.

b) A mediação em leitura e o nível socioeconômico não foram determinantes para o conhecimento do nome das letras.

c) A interpretação do nome não estava relacionada à idade, tal como foi observado no conhecimento das letras, e sim à importância da deficiência (limite, leve, moderada ou severa).

d) Das seis crianças com deficiência menos importante, cinco utilizaram satisfatoriamente os esquemas de interpretação do nome.

e) Das nove crianças com deficiência mais moderada ou severa, duas conseguiram fazer uso desse esquema.

f) Qualitativamente, demonstraram a mesma evolução conceitual com relação à interpretação do nome que as crianças sem deficiência.

No segundo momento, Figueiredo (2012) realizou um estudo comparado entre duas pesquisas com sujeitos com DI, em Quebec, no Canadá, e no Brasil. Neste estudo, a pesquisadora objetivou identificar a interpretação que esses sujeitos faziam da escrita e qual era o tipo de relação que eles realizavam entre letras e números, bem como o conhecimento sobre as letras.

Para esta verificação, foram utilizados cartões contendo variados tipos de escrita, tal como foi realizado por Ferreiro e Teberosky (1999). Os sujeitos deveriam

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classificá-los em apropriados para a leitura, e os que não serviam para ler, bem como justificar sua resposta. Os resultados pontuados estão na sequência.

 A maioria dos sujeitos não apresentou critérios de classificação da escrita.  Os sujeitos que não exibiram critérios de classificação não mostraram uma

opinião fixa sobre a classificação do cartão.

 Os sujeitos apresentaram um estágio intermediário antes da apropriação do critério qualitativo e quantitativo de uma escrita para que esta possa ser lida;  O estágio intermediário é caracterizado por uma utilização desorganizada dos

critérios qualitativo e quantitativo.

 Alguns sujeitos utilizavam o critério associado a números no cartão como não propício à leitura por não ser uma palavra.

 Os mesmos sujeitos que utilizaram o critério anterior também empregaram o critério da quantidade de letras necessárias para que o registro possa ser lido.  Apenas dois sujeitos usaram o critério associado ao tipo de caractere quando este se exibia em letras maiúsculas de imprensa ou letra cursiva, no entanto, esse critério não foi utilizado sistematicamente.

 Quatro sujeitos apresentaram a utilização do critério de variação do caractere, e este critério não manteve relação com o conhecimento das letras.

 Os sujeitos apresentaram dois níveis de classificação quanto a relação entre letras e números. No primeiro nível, foram identificados dois subníveis: os que não identificavam nenhuma letra e número, e, portanto, classificavam ambos como apropriado para a leitura. E, no segundo subnível, os sujeitos identificavam algumas letras e números, mas ainda não distinguiam quais serviam para ler. No segundo nível, os sujeitos já conseguiam fazer a distinção entre letras e números; mesmo quando não os reconheciam eles conseguiam distingui-los pela função.

 Quanto ao conhecimento das letras, foram identificados cinco níveis. No primeiro, encontravam-se os sujeitos que não conheciam nenhuma letra. No segundo, os sujeitos reconheciam apenas a letra inicial do nome. No terceiro, os sujeitos conheciam a letra inicial do nome e outras letras. No quarto, os sujeitos conheciam todas as letras do seu nome e outras letras associadas a nomes próprios. No quinto nível, situavam-se os sujeitos que nomeavam de maneira estável as letras do seu nome, além de outras letras.

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A pesquisa da autora citada comprova mais uma vez a capacidade de aprendizagem da criança com DI, neste caso específico, relacionado à língua escrita. Desse modo, o ensino tradicional que concebe a escrita reduzida a treinos visomotores por meio de atividades que não a concebem como um objeto de aprendizagem, não beneficia a nenhuma criança.

Uma das observações que pode ser feita com relação à aprendizagem dessas crianças é o fato de elas demonstrarem inconstância ao fazer uso dos seus esquemas de interpretação. Esta inconstância, no entanto, está relacionada “a um processo de maturação que se encontra em via de desenvolvimento e não a uma característica cristalizada da deficiência intelectual”. (FIGUEIREDO, 2012, p.151).

Outro ponto a ser considerado é que a diferenciação entre as crianças com DI e as crianças sem DI se dá pelo funcionamento operatório e o ritmo de desenvolvimento, mas isso não é determinante para o não desenvolvimento de estratégias cognitivas que facilitem a realização da atividade proposta pela pesquisadora.

Fernandes e Figueiredo (2010, p.85) conceituam estratégias como “[...] os recursos que o sujeito mobiliza na tentativa de produzir a linguagem escrita”. Elas são mobilizadas pelo sujeito e também pela mediação pedagógica. As autoras observaram três tipos de estratégias de escrita utilizadas por sujeitos com DI: identificação e associação de letras/palavras; comparação de letras/palavras; apoio nas unidades sonoras das palavras/sílabas.

A estratégia de identificação e associação de letras e palavras caracteriza-se pela utilização que a criança faz de letras isoladas para compor a sua escrita e são retiradas do seu vocabulário fotográfico. Essa estratégia indica que o sujeito está ensaiando o uso de conhecimentos adquiridos anteriormente.

A estratégia de comparação letras/palavras se caracteriza pela capacidade desenvolvida de comparar letras ou palavras de um determinado texto às do seu vocabulário fotográfico.

O apoio nas unidades sonoras das sílabas e palavras é caracterizado por uma escrita baseada na sonoridade das sílabas e palavras. As autoras enfatizam que essa estratégia emerge, principalmente, da mediação pedagógica.

As estratégias descritas foram observadas pelas autoras em sessões de intervenção. Em algumas sessões, foi utilizado o computador como instrumento de escrita, com o objetivo de identificar se esse recurso provocava maior motivação nos

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sujeitos. O uso do computador também teve a finalidade de investigar se por via dessa ferramenta, os sujeitos exibiriam maior atenção e concentração. A utilização desse suporte despertou o interesse dos sujeitos participantes das intervenções, assim como foi favorável também àqueles que denotavam alguma dificuldade motora.

Uma das vantagens mais evidentes do uso do computador para a escrita é a possibilidade de escrever, e, ao mesmo tempo, corrigir a escrita. Apesar de que a escrita no papel também pode favorecer a correção, mas o computador permite um maior número de ações quase que simultâneas tais como “[...] mudar a posição de letras e palavras, estabelecer distâncias entre elas”. (FERNANDES; FIGUEIREDO, 2010, p.94).

Consoante esses resultados, é possível refletir como o ensino e a aprendizagem da escrita vêm sendo desenvolvidos nas escolas. Defende-se o argumento de que devem ser estabelecidos critérios de respeito às especificidades de aprendizagem de cada sujeito. Desse modo, hão de ser desenvolvidas atividades que agucem e motivem a curiosidade infantil, e que essas atividades sejam capazes de promover o avanço conceitual dos alunos. Para tanto, reforço a necessidade de uma mediação pedagógica bem planejada.

Com essa concepção de aprendizagem da escrita, passo a discutir como ocorre a formação do aluno como escritor na escola e quais aspectos são e deverão ser observados durante uma produção textual, para que o texto não seja transformado apenas em uma atividade solicitada pelo professor; e sim que ele seja uma oportunidade para o aluno refletir sobre a língua escrita, e entender que quando escrevemos existe uma intenção comunicativa envolvida nesse ato.

2.3 O produtor de textos na escola: escrever para comunicar ou para ser