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3 A BUSCA DE RESPOSTAS: PERCURSO METODOLÓGICO

4.2 A produção textual de sujeitos com deficiência intelectual:

4.2.1 As características da produção textual que sugerem a evolução

4.2.1.3 Palavras oralizadas e não escritas

Nesta categoria, foram analisadas a situações nas quais os sujeitos da pesquisa verbalizaram uma palavra, mas não a escreveram.

Na análise comparativa entre T1 e T2, em T1, os sujeitos oralizaram 130 palavras, mas não as escreviam, enquanto, em T2, ocorreu uma diminuição desses episódios, uma vez observadas 52 palavras ausentes das versões revisadas escritas dos textos.

O quadro 18 ilustra a distribuição desse quantitativo por sujeito.

Quadro 18 - Quantidade de palavras ausentes em T1 e T2 por sujeito

Fonte: Dados da pesquisa.

Com base no quadro 18, ao analisar as dez produções em T1 de todos os sujeitos, viu-se que a aluna Joana demonstrou o maior quantitativo de palavras ausentes da escrita (37), enquanto a menor incidência foi percebida nos textos de Jéssica e Karla, ambas com 17 vezes.

Ausência de palavras em T1 e T2 T1 T2 TOTAL Tereza 35 18 53 Joana 37 13 50 Jéssica 17 12 29 Karla 17 07 24 Renata 24 02 26 TOTAL 130 52 182

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Quanto às produções revisadas e reescritas na sala de aula comum (T2), foi maior a quantidade de palavras ausentes dos textos da aluna Tereza (18), ao passo que a menor frequência foi observada nos textos da Renata (02).

Foi efetuada a análise dos textos de cada sujeito, com apoio nas transcrições dos textos T1 e T2 realizados nas sessões 02, 05 e 09, considerando a maior frequência de ausência de palavras entre as três sessões selecionadas. Importante é registrar que, nas transcrições dos textos, foi inserido o parêntese nas palavras que os sujeitos oralizavam, mas não contemplavam na escrita de seus textos.

Com relação aos textos produzidos na SRM (T1), foram destacadas, inicialmente, as produções escritas de Teresa nas três sessões selecionadas para análise (2ª, 5ª, 9ª). Nelas, Tereza omitiu nove palavras em sua escrita, apesar de ter oralizado todas elas. Dentre as nove omissões, quatro eram artigos, um verbo e quatro conectivos textuais. O T1 da sessão 05 ilustra esse dado, uma vez que nesse texto ocorreu a maior ausência de palavras.

T1- sessão 05/ Tereza

Fonte: Barros (2017).

Nessa produção textual de Tereza, é registrada a ausência do artigo (A) por duas vezes, na posição que antecedia um substantivo. Ferreiro e Teberosky (1999, p.126), ao se referirem sobre a ausência de artigos das escritas de crianças enfatizam que, para os escritores iniciantes “Não seria necessário escrever o artigo, visto que é predizível a partir do substantivo; uma vez escrito o substantivo, a escrita do artigo se faz ‘supérflua’”. De acordo com as autoras, a ausência da escrita de artigos é uma maneira de interpretação da ideia da criança, quanto à necessidade de registrá-lo no texto.

As autoras citam ainda a pesquisa desenvolvida por I. Berthoud (1976 apud FERREIRO; TEBEROSKY, 1999) sobre a concepção de palavra pela criança. O estudo consistia em apontar oralmente, uma lista de palavras contendo substantivos, verbos, adjetivos, conjunções e artigos. De acordo com os resultados desta pesquisa, as crianças de quatro a sete anos de idade não consideravam como palavra a lista apontada. Desse modo, essas crianças tinham a tendência de não as

O Extra (com a) Débora (e a) Thaynna eu fiquei sozinha (e) queria achar minha irmã no final achei.

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escrever. Nesse sentido, a ausência dessas palavras das sessões iniciais da presente pesquisa parece compreensível, porquanto Tereza tinha sete anos de idade, e, portanto, ainda estava iniciando sua formação de escritora.

Quanto às versões revisadas e reescritas dos textos (T2) das sessões 02, 05 e 09, identificou-se seis palavras ausentes, das quais duas eram artigos e quatro funcionavam como conectores do texto. A seguir a transcrição de T2 da sessão 02.

T2- sessão 02/ Tereza

No texto transcrito, é notório novamente, a ausência de dois artigos, embora o maior quantitativo de palavras ausentes pertença a outra classe gramatical.

Ferreiro e Teberosky (1999) complementam, dizendo que a omissão do artigo da escrita da criança também pode ser relacionada à hipótese de quantidade mínima de letras. Na hipótese inicial de escrita, as crianças pensam que para se ler e escrever uma palavra, ela deve conter no mínimo três letras. Compreende-se também que, na concepção da criança, o artigo não configura palavra, quando em uma oração escrita, de tal modo que não existe a necessidade de escrevê-lo.

Já a aluna Joana apresentou a ausência de dez palavras de suas produções textuais, no âmbito da SRM (T1), referentes às sessões 02, 05 e 09. Desse total, quatro artigos, cinco preposições e um pronome. Para exemplificar essa característica de escrita dos textos de Joana, escolhi o T1 da sessão 09, no qual ocorreu a maior quantidade de palavras ausentes.

T1- sessão 09/ Joana

Fonte: Barros (2017).

Era uma vez (um) gato (e um) rato que estavam brincando de/ pega-pega (na) floresta e apareceu um/ cachorro aí apareceu um passarinho/ eles brigaram sem querer (e) pediram desculpas/ A menina resolveu isso tudo/ Aí o menino e a menina foram (para) casa.

Era uma vez uma cachorrinha (que) apareceu (na) cidade (e) tava brincando no jardim (com as) borboleta. O cachorrinho (ficou) olhando as estrelas triste. A pessoa tava passando na rua viu cachorrinho. A mulher pegou o cachorrinho levou para casa.

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No texto de Joana, foi destaque a não escrita do verbo FICAR após o substantivo CACHORRINHO. Relativamente à omissão da escrita dos verbos, Ferreiro e Teberosky (1999, p.134) enfatizam que, na concepção infantil, o verbo deve estar seguido do seu objeto para que possa ser escrito, já que ele representa uma relação com algo. Segundo as autoras, as crianças não compreendem a escrita “[...] como uma reprodução rigorosa de um texto oral, e sim como a representação de alguns elementos essenciais do texto oral”.

Importante é registrar o fato de que na versão dos textos revisados e reescritos em sala de aula (T2), Joana não omitiu palavras de suas produções nas sessões selecionadas para análise. Em decorrência desse resultado, vê-se que Joana evoluiu conceitualmente em sua escrita, uma vez que nas atividades de revisão e reescrita, ela não demonstrou esse comportamento de omissão de palavras oralizadas, quando era solicitada a rever a escrita de seu texto.

Em relação às produções textuais de Jéssica referentes às sessões 02, 05 e 09, ficaram oito palavras ausentes dos textos (T1) realizados na SRM. Dessas, três artigos, três preposições, um verbo e um pronome. Selecionei o T1 da sessão 09 para ilustrar esse comportamento de Jéssica, tendo em vista a maior ocorrência de palavras ausentes das três sessões mencionadas.

T1- sessão 09/ Jéssica

Fonte: Barros (2017).

No texto, prevaleceu a ausência de artigos, no entanto, tal ocorrência não prejudicou a progressão do texto da aluna. Nas palavras destacadas em amarelo, que Jéssica escreveu os artigos, quando eles antecediam a escrita de um substantivo. Quanto à versão revisada na sala de aula comum (T2), constatou-se um total de duas palavras ausentes, foi observado, ambas classificadas como verbo. A seguir o texto dessa sessão.

A novela Cúmplices de um Resgate vai terminar essa semana (estou) muito ansiosa com (o) final. Eu acho (que) a Rebeca tá grávida do Otávio. Vou sentir saudade da novela Cúmplices e eu quero que banda (a) faça (o) maior sucesso.

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T2- sessão 09/ Jéssica

Restou comprovada a ausência de palavras no final das sessões desta pesquisa. Esse comportamento, entretanto, não foi entendido como regressão na escrita de Jéssica e sim como evolução. Essas marcas evolutivas foram demonstradas pela aluna, na medida em que ela demonstrou maior apropriação da autoria de seus textos. Nas sessões finais de revisão e reescrita dos textos, Jéssica nem sempre aceitava a intervenção de seu colega, que desempenhava a função de mediador da revisão e reescrita dos textos. Esse comportamento de Jéssica sugeriu uma busca pela autonomia de sua escrita, assim como a conquista de autoria de suas produções textuais.

Ao analisar as produções textuais da aluna Karla, no contexto da SRM (T1) referentes às sessões 02, 05 e 09, foi notada a ausência de sete palavras (três verbos, dois artigos, uma preposição e um substantivo). Foram verificadas essas ausências, entre as sessões 05 e 09, de modo que, na sessão 02 não foi identificada a ausência de palavras.

Para exemplificar apresento o T1 da sessão 05, em que houve a ausência de quatro palavras (um verbo, um artigo, uma preposição e um substantivo).

T1- sessão 05/ Karla

Fonte: Barros (2017).

A aluna Karla exibiu, desde as sessões iniciais, dificuldades significativas para estabelecer a correspondência entre as palavras verbalizadas e a sua escrita. Desse modo, essas dificuldades repercutiam na sua escrita, apesar de que, em

Era uma vez que tinha mulher

Muito sortuda a filha é muito talentosa e muito bonita essa mulher tem

Duas filha muito famosa ela tem fã e a Mãe dela tá grávida do Otávio

Rebeca (vai comprar) muitas coisas para o filho será?

Esse (é o) Jason (do filme) sexta-feira treze ele mata pessoa com serra elétrica. É filme de terror eu gosto do filme mais assustador às vezes as meninas tem medo. Ele vem vingar a mãe dele

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comparação com as produções dos demais sujeitos, ela não mostrou o maior índice de palavras ausentes. Em T1, aqui exemplificado, apesar da ausência de palavras, essa omissão não interferiu na compreensão textual.

Quanto às atividades de revisão e reescrita dos textos (T2), Karla mostrou a ausência de apenas quatro palavras (dois verbos, um artigo e um preposição). Essas ausências se concentraram no T2 da sessão 09.

T2- sessão 09/ Karla

Na produção de Karla, tal como ocorreu nos textos de Jéssica, foi notada maior concentração de palavras ausentes de um texto das sessões finais. Ressalta- se que essas ausências não interferiram na progressão do texto. De modo semelhante à constatação já feita em relação ao comportamento da aluna Jéssica, é compreensível que a ausência das palavras também faz parte do processo de apropriação da função de escritor. Nessas sessões finais, Karla passou a não mais aceitar, nos momentos da mediação, que a sua escrita fosse monitorada pela aluna mediadora.

Para concluir, foram analisadas as produções textuais de Renata, considerando as três sessões mencionadas. Nas produções das referidas sessões houve um total de dez palavras ausentes (seis preposições, três artigos, um verbo).

Foi efetuada a ilustração dessa ocorrência com base no T1 da sessão 05, no qual restou identificado o maior quantitativo de palavras ausentes.

T1- sessão 05/ Renata

Fonte: Barros (2017).

Os resultados desta pesquisa coincidem com os achados de Gomes (2006), quando a autora acentua que, no seu estudo, a ausência das palavras dos

Eu gosto do Rebelde eu gosto da música deles (a) minha favorita (é) nada pode nos parar. A minha favorita (é) Roberta porque ela é bonita eu assisti a novela do Rebelde que passava (no) SBT

(O) Maluquinho estava assistindo televisão (e) comendo pipoca. Ele tava assistindo jogo (de) futebol (em) casa aí terminou (o) jogo (foi) ler livro maluquinho por futebol que legal e divertido. Quando termina de ler livro brinca de bola.

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textos dos sujeitos não prejudicou a progressão textual destes. Desse modo, mesmo com palavras ausentes, é possível se compreender a ideia contida no texto de Renata.

No que diz respeito à versão de revisão e reescrita dos textos, ao examinar as sessões 02, 05 e 09, foi detectado o fato de que a aluna Renata não escreveu textos com ausência de palavras, demonstrando assim um maior monitoramento da sua escrita.

Gomes (2006), ao investigar a produção textual de alunos com e sem síndrome de Down, concluiu que o maior quantitativo de palavras ausentes eram verbos e substantivos. Nesta pesquisa, a maior ausência incidiu em preposições, artigos, pronomes e substantivos. Dentre essas ocorrências, a ausência de preposições se manifestou de modo mais significativo, enquanto a de substantivos o fez com menor frequência.

Os resultados desta investigação coaduna-se com a de Gomes (2006), em relação ao uso da oralidade como recurso de planejamento da escrita. Nem sempre, no entanto, os sujeitos desta pesquisa obtinham êxito no uso dessa estratégia. Por outro lado, quando eles não conseguiam utilizar esse recurso com eficácia, os benefícios da mediação efetuada pelo seu par auxiliavam os sujeitos com DI a organizarem e planejarem melhor seus textos.

No subtópico que se segue, analiso no interior das sessões 02, 05 e 09 como se deu essa mediação, e os tipos de mediação que emergiram durante as sessões de revisão e reescrita textual.

4.3 Os efeitos da mediação sobre a produção textual dos sujeitos com