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Neste subtópico, objetivo esclarecer aspectos relacionados à formação do aluno como escritor e àqueles que deveriam ser abordados quando da análise da produção textual na escola. Serão considerados para esta abordagem teórica os estudos realizados, principalmente, por Goulart (2008); Marcuschi (2008); Koch e Elias (2015a); Leal (2008), dentre outros.

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Ao dominar determinada língua, a pessoa pode vislumbrar a possibilidade de participação social, pois é ela que permite a comunicação dos interlocutores. Assim, a escola deve propor atividades por meio das quais os alunos tenham acesso aos saberes linguísticos. Goulart (2008) reforça essa concepção, explicitando que a linguagem é um conjunto de recursos, por meio dos quais o sujeito pode se expressar e agir sobre a realidade.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa- PCN’s (BRASIL, 1997, p.24), a linguagem é uma ação interindividual que tem por finalidade produzir a comunicação nas práticas sociais. Assim

[...] a língua é um sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não só as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade e a si mesmas.

A linguagem oral permite ao sujeito uma representação da realidade, assim como regula o pensamento e o capacita a comunicar suas ideias, sejam elas para manter relações ou para influenciar os outros. As dimensões da linguagem não são excludentes, porque, ao mesmo tempo em que o sujeito comunica uma ideia, ele pode ser influenciado por outros sujeitos. Essa interação verbal tem como produto o discurso, que, por sua vez, não é produzido aleatoriamente, pois, para manter uma comunicação, o sujeito deve introduzir na sua verbalização conhecimentos que supostamente são sabidos por seu interlocutor.

A capacidade de perceber os conhecimentos do interlocutor ajuda a escolher qual gênero melhor se harmoniza ao discurso, que será representado por meio de textos. Nesse sentido, o texto passa a ser compreendido como produto do discurso oral e escrito, sendo definido como “uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações, que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Esse conjunto de relações tem sido chamado de textualidade”. (BRASIL, 1997, p.25, 26).

Essa concepção remete-me a uma compreensão de texto como uma produção escrita, que, embora denote uma sequência verbal, deve constituir uma unidade com significado, e o discurso deve atender a um objetivo comunicativo. Segundo Marcuschi (2008, p. 72), o texto tem de ser compreendido como uma

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unidade significativa que “promove uma (re) construção do mundo e não uma simples refração ou reflexo”.

O texto é a unidade básica de ensino. Concordo com Brilhante (2012), quando a pesquisadora enfatiza que, na atualidade, o grande desafio é transformarmos as situações de leitura e produção textual em uma reflexão sobre a língua. Isto é, o desafio pressupõe o abandono de práticas que reduzem essa produção à memorização de regras gramaticais, de acentuação e pontuação.

O trabalho com produção de texto na escola deve ter como objetivo formar escritores competentes, não no sentido profissional da palavra, mas um escritor que consiga com habilidade utilizar o discurso, de modo que resulte em uma comunicação efetiva, tanto para o leitor como para o escritor.

O escritor competente deve ainda desenvolver algumas competências linguísticas, como delimitar o destinatário do seu texto, o objetivo da sua produção, a intenção e a mensagem da sua produção textual. Além dessas competências, o escritor deve ainda saber escolher o tipo de texto adequado a cada situação comunicativa (JOLIBERT, 1994). O desenvolvimento dessas habilidades origina-se da prática de produções de textos, mesmo quando as crianças não conseguem grafá-los com uma escrita alfabética.

Para Leal (2008), a escola promove o ensino da produção textual, no entanto, essa produção não é compreendida como um espaço para o diálogo, uma vez que esses textos não permitem uma comunicação com o seu interlocutor, pois, geralmente, o professor centra a preocupação em corrigir os possíveis erros do aluno. Dessa maneira, a autora aborda, principalmente, o modo como se deve relacionar com o texto mediada pela interlocução como base do processo de ensino e aprendizagem do texto escrito.

A produção textual resulta do trabalho do aprendiz, que utiliza inúmeras modalidades de linguagem para estabelecer e manter uma relação de comunicação com seu leitor. Nesse sentido, Leal (2008) questiona o motivo pelo qual escrevemos, e, afirma que, escrevemos para que o nosso produto seja lido e compreendido por alguém. No momento em que o aprendiz aguarda o retorno de um leitor do seu texto, ele compreende que, por via do seu texto, ele pode manter um diálogo com seu interlocutor.

Na escola, o interlocutor da produção textual do aluno, na maioria das vezes, é o professor. Nesse sentido, quando ele passa um “visto”, dá uma nota ou

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conceito para o aluno, referente ao seu texto, ele exclui a possibilidade de um diálogo, porque um texto analisado dessa maneira, buscando-se erros a serem corrigidos, impossibilita a interação, pois,

[...] o aluno não escreve para ser lido, mas para ser corrigido. A lógica escolar elimina, desse modo, a atitude responsiva ativa, pois o aluno sabe de antemão que nada ou muito pouco pode esperar como resposta efetiva ao que produz (LEAL, 2008, p.55).

Nessa perspectiva, o texto produzido perde o significado comunicativo, porque se torna, segundo a autora, um produto fechado que não permite o diálogo. A ausência desse diálogo pode ser observada quando a criança escreve a palavra FIM ao término dos seus textos, demonstrando haver compreendida que, desde aquele momento, o assunto do texto está finalizado. Considerando que seu leitor, no caso, o professor, não mais manterá um diálogo com o aluno através da sua produção textual.

O diálogo pode ser mantido, desde o momento em que quem ensina compreende que um texto é constituído também pelo contexto histórico, social, cultural e simbólico do seu escritor. Ao considerar a existência dessas marcas nas produções textuais, aquele que ensina passa a dialogar com esse texto, e este cumpre a sua função comunicativa.

Ao propor uma produção textual para uma criança, há de se entender o que se estava esperando dessa produção, e como a criança compreenderá essa solicitação. A solicitação deverá respeitar os conhecimentos da criança, para que ela seja capaz de escrever um texto que atenda à perspectiva da interação.

Outra observação a ser pontuada é a preocupação exacerbada de alguns professores em corrigir aspectos gramaticais, ortográficos e estruturais desses textos. Para Leal (2008, p.64), essa atitude produz o seguinte influxo: “o ‘querer dizer’ do aluno não pode ser suplantado pelos ‘quereres’ escolares, que, na maioria das vezes, afastam o aprendiz de sua condição de um sujeito que produz textos, inserindo-o muito mais na condição de um sujeito que produz uma ‘língua’”.

Essa concepção focada nos aspectos gramaticais, ortográficos e estruturais pode ser comparada ao que Koch e Elias (2015a) nomeiam de escrita com foco na língua, caracterizada pela ideia de linguagem estática e inalterada, cabendo ao escritor apenas codificar o registro a ser decodificado por algum leitor, no caso, o texto que seria o resultado dessa codificação.

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Isso não significa, como bem lembram Kaufman e Rodriguez (1995), que o respeito ao conhecimento da criança seja reduzido ao abandono, e sim que, em atitude de cooperação com o aluno, o diagnóstico dos saberes linguísticos possa nortear seu planejamento, de modo que esse texto seja aprimorado por meio de situações que possibilitem a reflexão sobre o escrito produzido.

A concepção que proponho nesse trabalho é aquela de escrita com foco na interação. A escrita é compreendida como produção textual, e, para esta produção, é necessário que o escritor faça uma antecipação de conhecimentos e mobilização destes, ou seja, o escritor planeja a sua ação de escrever. Koch e Elias (2015a) compreendem, assim como Leal (2008), a escrita como meio de interação do escritor com o leitor, expondo seus conhecimentos, mas também respeitando os do leitor. É uma concepção interacional e que, portanto, dá possibilidades para que haja diálogo entre escritor e leitor.

Durante esse processo o escritor ativa quatro tipos de conhecimentos: linguístico; enciclopédico; de textos e interacionais. A seguir procedo a um breve comentário sobre esses conhecimentos, segundo a concepção de Koch e Elias (2015a).

 Conhecimento linguístico- são conhecimentos relacionados a ortografia, gramática e léxico, e que são adquiridos por meio das experiências comunicativas. As normas ortográficas, de acentuação gráfica e pontuação influenciam diretamente a comunicação contida no texto.

 Conhecimento enciclopédico- adquiridos com origem no conhecimento de mundo, que são guardados na memória e ativados durante a produção.

 Conhecimento de textos- modelos textuais que o escritor armazena, com precedência nas práticas comunicativas mediante a utilização de textos. Este conhecimento relaciona-se à capacidade de reconhecer qual gênero textual utilizar para cada situação comunicativa; e tem relação com a ativação de conhecimentos anteriores sobre outros textos, ou seja, a intertextualidade.  Conhecimentos interacionais- relacionados aos modelos cognitivos. Com

aporte nesses conhecimentos, o escritor consegue, na sua produção textual, demonstrar o seu objetivo e intenção; a quantidade de informação que o texto deve conter para possibilitar a comunicação; a variedade linguística

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apropriada; qual gênero textual atende ao objetivo comunicativo que pretende alcançar e a utilização de recursos para manter a atenção do leitor.

Percebe-se, pois, que a produção textual supõe uma preocupação com o leitor, portanto não escrevemos para nós e sim, para o outro. Nesse aspecto, os conhecimentos que foram descritos favorecem a interação comunicativa do sujeito que escreve com àquele que lê.

Brandão e Leal (2005) revelam a necessidade de realizar a produção textual em sala de aula, de modo que esta esteja permeada de significados para a criança. Para tanto, as autoras reforçam a noção de que estas atividades devem levar em conta os interesses das crianças, aproveitando-se, inclusive, dos eventos escolares como propulsores da produção textual.

O que elas fomentam é a necessidade de as crianças serem inseridas em atividades de produção textual mediante das quais possam visualizar a função social e comunicativa da escrita. Essa inserção, porém, não pode ser realizada apenas com a exposição de textos ou de sua produção. É necessário que as produções infantis sejam exploradas em sala de aula, com o objetivo de melhorá-las, de acordo com a necessidade comunicativa esperada.

2.4 A produção de textos narrativos: estratégias, revisão e reescrita

Neste subtópico, trago alguns aspectos específicos dos textos com

sequencias narrativas e as estratégias utilizadas por crianças durante as atividades de revisão e reescrita. Os pressupostos teóricos se embasam em Koch e Elias (2015a); Rocha (2008); Dutra (2011); Araújo (2004); Goulart (2008).

Não é minha intenção neste trabalho desenvolver uma temática aprofundada sobre gêneros textuais, mas sim abordar as características específicas das sequências narrativas, que é meu interesse central. Desse modo, esboço algumas concepções de gêneros textuais.

Koch e Elias (2015a) explicam que os gêneros são como modelos não estáticos que utilizamos nas nossas produções, sejam elas orais ou escritas. Embora se configurem como modelos, feitos padrões, são práticas comunicativas, constituídas e (re) reconstituídas por meio das vivências interacionais do escritor.

Quando as pessoas são capazes de nomear os textos, como bilhete, carta, diários, conto, dentre outros, habilitam-se a utilizar a competência