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Aquisição da nacionalidade fundada em residência no território português

No documento Contencioso da Nacionalidade 2. edio (páginas 91-93)

PRINCÍPIOS DE DIREITO DA NACIONALIDADE – SUA CONSAGRAÇÃO NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS

2. Princípio da Nacionalidade Efectiva

2.2. Aquisição da nacionalidade fundada em residência no território português

Para além de uma maior protecção conferida aos que nasceram em território português, a lei facilita ainda a aquisição da nacionalidade aos que, não tendo embora nascido no território, possuem uma ligação efectiva com o mesmo através da fixação de residência. A aquisição da nacionalidade fundada em residência é levada a cabo através do instituto da naturalização, que sempre foi tradicionalmente pensado para proporcionar a aquisição da nacionalidade àqueles que residiam num território.

É o respeito pelo princípio da nacionalidade efectiva que explica o dever imposto pelo art. 6.º, n.º 3 da CEN, de os Estados-parte preverem a “faculdade de naturalização de indivíduos legal e habitualmente residentes no seu território”. Essa Convenção exige ainda que, ao estabelecerem as condições dessa naturalização, os Estados fixem um período de residência não superior a 10 anos.

Nesse sentido, passou-se a prever na nossa lei um direito geral à naturalização derivado da residência no território, deixando esta de ser uma faculdade discricionária do Governo. Para beneficiar desse direito, o indivíduo tem de cumprir os requisitos previstos no art. 6.º, n.º1, a saber:

(1) Ser maior ou emancipado à luz da lei portuguesa;

(2) Ter residido legalmente em Portugal por um período de seis anos; (3) Ter conhecimentos suficientes da língua portuguesa35;

(4) Não ter sido condenado por ter cometido crime punível com pena de prisão de três anos ou mais de acordo com a lei portuguesa e

35 O nível de conhecimento linguístico requerido abrange apenas os conhecimentos mínimos indispensáveis para a interacção com a comunidade portuguesa. Corresponde ao nível A2 do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (art. 1º, n.º2 da Portaria 1403-A/2006, de 15 de Dezembro). A prova de possuir suficientes conhecimentos da língua portuguesa é documentada através dos certificados previstos no art. 25º do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 43/2013, de 1 de Abril.

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(5) Não constituir perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei36.

O regime em vigor até 2006 requeria condições adicionais. O requerente tinha de provar que, para além de residir em Portugal e de falar português, possuía ainda uma ligação com a comunidade portuguesa, cuja efectividade era avaliada discricionariamente pela Administração. Hoje, contrariamente, a lei considera que a residência e o conhecimento da língua portuguesa são indicadores suficientes de uma ligação efectiva com a comunidade nacional. O regime anterior requeria ainda que o interessado possuísse suficientes meios de subsistência. Este requisito foi também eliminado, pois levantava algumas dúvidas em relação ao art. 13.º, n.º 2 da CRP, que proíbe a discriminação baseada na situação económica37. Para

além disso, este critério seria problemático de uma perspectiva democrática, já que os direitos de participação democrática não devem ser dependentes de classe social38. Por fim, já não se

exige também a capacidade de o requerente reger a sua própria pessoa, já que isso poderia levar a uma discriminação em relação aos imigrantes portadores de certas deficiências39.

Esta reforma dos requisitos da naturalização é de aplaudir, já que os requisitos eliminados não eram fundamentais para se averiguar da efectividade da ligação com a comunidade portuguesa40. Recentemente, com as alterações de 2017 ao regulamento da nacionalidade,

passou-se a presumir o conhecimento da língua portuguesa quando o interessado seja natural e nacional de país que tenha o português como língua oficial há pelo menos 10 anos (não tendo de existir, no entanto, coincidência entre os dois países) e resida em Portugal, independentemente do título, há pelo menos 5 anos. Assim, por exemplo, o nacional de país de língua oficial portuguesa que tenha nascido em Portugal e neste país sempre tenha residido fica agora dispensado de comprovar o conhecimento da língua portuguesa. Como se explica na exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 71/2017, “corrige-se, por esta via, um obstáculo administrativo dificilmente compreensível, agilizando-se o procedimento, sem quebra de rigor”. Não obstante, não se compreende a exigência cumulativa de nacionalidade e naturalidade de países de língua portuguesa, já que, face à proibição de discriminação em função da origem nacional, deveria bastar a simples nacionalidade, independentemente de o indivíduo ser nacional de origem ou não desse país.

O referido Decreto-Lei veio ainda flexibilizar o requisito respeitante à dispensa de apresentação do certificado do registo criminal. Deixou de ser necessário apresentar-se o registo do país de origem quando o interessado não tenha nele residido em idade relevante

36 A anterior versão requeria que o interessado tivesse idoneidade cívica. Com a reforma, substituiu-se um conceito vago por critérios perfeitamente determinados. RUI MOURA RAMOS, op. cit , p. 208.

37 Não obstante, o Tribunal Constitucional considerou que este requisito não ofendia a Lei Fundamental. Cf. Ac. 599/2005, 2 de Novembro de 2005.

38 BAUBÖCK et al., op. cit., p. 29. 39 JORGE PEREIRA DA SILVA,op. cit., 132.

40 Portugal contrasta com os demais Estados-membros da UE, que continuam a exigir o preenchimento de condições onerosas para a naturalização, como cláusulas gerais de bom carácter ou de bom comportamento, posse de meios suficientes de subsistência, bom estado de saúde, conhecimento da cultura e costumes do país e juramentos de fidelidade. A França, a Áustria e a Dinamarca contam-se entre os países mais restritivos. Para uma análise comparativa, v. Observatório Europeu da Cidadania, in http://www.eudo-citizenship.eu.

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para esse registo (ou seja, após os 16 anos). Clarifica-se, pois, que os crimes cometidos antes dessa idade, ainda que eventualmente relevantes no país de origem, não o poderão ser em Portugal. Por outro lado, abandona-se uma exigência burocrática carecida de razoabilidade: veja-se o caso daqueles que, tendo nascido em Portugal, sempre aqui tenham residido, nunca tendo residido ou sequer viajado para o seu país de nacionalidade. Não faria qualquer sentido requerer o mencionado certificado a esse país.

No que diz respeito à contagem do tempo de residência, esta não necessita de ser ininterrupta, mas tem de ter ocorrido em território nacional. Assim, contrariamente às recomendações de BAUBÖCK et al.41, o período de residência passado noutro Estado-membro

não conta para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa. Nem teria de contar, julgamos nós, já que o regime de acesso à nacionalidade deve pautar-se em primeiro lugar pela ligação efectiva tecida com determinado território nacional. É esse o princípio norteador de um regime de acesso à nacionalidade, e não o objectivo de facilitar a livre circulação dos cidadãos da UE, ou mesmo de residentes de longa duração nacionais de países terceiros42.

Uma coisa é evitar que os critérios de aquisição da nacionalidade consubstanciem entraves ao exercício do direito de livre circulação – o que a lei portuguesa já consegue, ao não exigir residência ininterrupta no território. Outra bem diferente é eleger o princípio da livre circulação como o princípio primordial em matéria de aquisição da nacionalidade, mesmo com sacrifício do princípio da nacionalidade efectiva. Assim, julgamos que, para a aquisição da nacionalidade portuguesa, não se pode prescindir do cumprimento de um tempo mínimo de residência efectiva no próprio território português.

Apesar das progressivas melhorias do regime, consideramos que o legislador poderia ter ido ainda mais longe. De facto, apenas prevê um direito à naturalização baseado na residência para os adultos, esquecendo os menores residentes que não tenham nascido no território. Isso poderá traduzir-se num obstáculo à integração da chamada geração 1.5, i.é., daqueles menores que imigraram com os pais em tenra idade e que cresceram em Portugal. Enquanto menores, apenas poderão adquirir a nacionalidade por transferência da nacionalidade dos pais, uma vez obtendo estes a naturalização. Esta negação do acesso à naturalização directa dos menores traduz um preconceito de que apenas os adultos têm interesse em ser cidadãos plenos, esquecendo que, para além dos direitos de voto, há outros direitos de cidadania que podem interessar a não votantes, como o direito a não se ser expulso e a entrar no território onde se cresceu.

No documento Contencioso da Nacionalidade 2. edio (páginas 91-93)

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