• Nenhum resultado encontrado

Flexibilização da exigência de legalidade de residência no território

No documento Contencioso da Nacionalidade 2. edio (páginas 93-95)

PRINCÍPIOS DE DIREITO DA NACIONALIDADE – SUA CONSAGRAÇÃO NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS

2. Princípio da Nacionalidade Efectiva

2.3. Flexibilização da exigência de legalidade de residência no território

A preocupação da lei em basear-se em critérios de efectividade da ligação à comunidade portuguesa, e não tanto em critérios formalistas, manifesta-se ainda na simplificação da exigência de residência legal no território. Esta foi duplamente flexibilizada.

41 Op. cit., p. 24.

42 Esta última, prevista na Directiva 2003/109, de 25/11/2003 do Conselho, sobre o estatuto dos residentes de longa duração nacionais de países terceiros.

93

Em primeiro lugar, em relação à própria noção de residência legal. Anteriormente, a Lei da Nacionalidade considerava ser residente legal aquele que fosse titular de um título específico – a “autorização de residência”. Esta exigência levantava vários problemas, já que se tratava de um conceito definido no regime jurídico da imigração43. Havia ainda dúvidas no que tocava a

saber qual o tipo de título exigido44, bem como a sua aplicação aos cidadãos da UE45.

Actualmente, o art. 15.º da Lei da Nacionalidade estabelece que os indivíduos que tenham a sua situação regularizada, através de qualquer um dos títulos previstos na Lei de Imigração, na Lei do Asilo ou em convenção internacional de que Portugal seja parte, consideram-se como residindo legalmente no território46. Adoptou-se um conceito de residência legal mais flexível,

apesar de se manter uma ligação com as outras leis47. Ele aproxima-se mais do princípio da

nacionalidade efectiva, já que a ligação efectiva a um Estado pode ser independente do tipo de título que habilita um estrangeiro a residir no mesmo.

Mas a Lei da Nacionalidade foi ainda mais longe. Em alguns casos chega mesmo a prescindir da legalidade de residência no território para que o interessado possa adquirir a nacionalidade portuguesa. Tradicionalmente exigia-se o requisito da legalidade da residência, quer no que toca à aquisição baseada em residência, quer mesmo no que toca à atribuição da nacionalidade por nascimento baseada no ius soli. Neste último caso, aqueles que nasciam em território português só poderiam adquirir a nacionalidade portuguesa se os respectivos progenitores residissem legalmente no território. Começaremos por este último aspecto. A influência da situação legal dos pais na aquisição da nacionalidade por parte dos filhos tem sido já discutida pela doutrina portuguesa. Ela levanta alguns problemas em relação à proibição de discriminação em razão da ascendência, por distinguir entre os filhos de imigrantes em situação legal e os filhos de imigrantes em situação ilegal48. Mas, por outro

lado, não se pode separar totalmente o comportamento dos pais do destino dos filhos, já que quando estes nascem, a sua única ligação com a comunidade é estabelecida através dos progenitores49. Para além disso, a total ignorância da situação legal dos pais poderá causar

problemas já que, de acordo com a Constituição e lei portuguesas, não é possível expulsar do território um estrangeiro que tenha a seu cargo um filho menor de nacionalidade portuguesa 43 Isso levantava problemas constitucionais, já que a aquisição da cidadania portuguesa é uma matéria pertencente à reserva absoluta de competência da Assembleia da República (art. 164º, al. f)), e cuja disciplina deve revestir a forma de Lei Orgânica, não se exigindo semelhantes requisitos para a disciplina da imigração.

44 De acordo com a actual Lei da Imigração (Lei n.º 23/2007 de 4 de Julho), existem dois tipos de autorização de residência – temporária e permanente, o que levantava a dúvida de saber quais os relevantes para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa. Nesse sentido, JORGE PEREIRA DA SILVA,op. cit., p. 123.

45 Estes cidadãos não necessitam de uma “autorização de residência válida” para residirem legalmente em Portugal, nos termos da Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados-Membros.

46 No que toca à Lei do Asilo, julgamos que se deve considerar o período de tempo que decorre da formulação do pedido até à decisão do mesmo como contando para efeitos de residência legal.

47 Assim, não foram totalmente eliminadas algumas das dúvidas assinaladas. Sobre esta questão, v. V

ITALINO CANAS, op. cit., p. 526

48 M

ÁRIO TORRES, “O Estatuto Constitucional dos Estrangeiros”, Scientia Iuridica, n.290, Maio-Agosto 2001, p. 12.

49 JORGE PEREIRA DA SILVA,op. cit., p. 113. Em sentido contrário manifesta-se JACQUELINE BHABHA, que defende que a

dependência do estatuto dos filhos em relação ao dos pais se aproxima da anterior dependência da nacionalidade da mulher em relação à do marido, demonstrando uma concepção adulto-cêntrica da nacionalidade. Cf. op. cit., p. 199.

94

residente em Portugal50. Assim, permitir que os filhos adquiram a nacionalidade portuguesa

independentemente da situação legal dos pais irá implicar a impossibilidade de expulsão destes últimos, não obstante a ilegalidade da sua situação. Daí que se tente prevenir essa situação através da restrição de atribuição da nacionalidade a menores filhos de imigrantes em situação de ilegalidade. Solução oposta é a dos EUA e Canadá, que atribuem a nacionalidade aos nascidos no território independentemente de considerações ligadas à legalidade da estadia dos progenitores. Para equilibrarem essa abertura, consideram depois que a nacionalidade dos filhos menores não impede a expulsão dos pais51.

Não obstante, a actual lei adopta uma solução mista, permitindo em algumas situações a atribuição da nacionalidade originária a filhos de imigrantes em situação ilegal. No caso dos imigrantes de segunda geração, permite que estes adquiram a nacionalidade portuguesa, para isso bastando que apenas um dos progenitores tenha residido legalmente no território português durante cinco anos. O outro progenitor pode, por isso, encontrar-se em situação ilegal. A dispensa de legalidade de residência é ainda mais patente no caso dos imigrantes de terceira geração, que adquirem ipso iure a nacionalidade portuguesa pelo simples facto do nascimento no território, independentemente de qualquer exigência relativa à legalidade de estadia dos progenitores.

Também no que toca à naturalização, em dois casos se dispensa a legalidade de residência no território. O primeiro diz respeito aos menores nascidos em Portugal que aí completaram o primeiro ciclo de ensino básico. O segundo diz respeito à possibilidade de naturalização discricionária de adultos que nasceram em Portugal e aí tenham vindo a residir nos dez anos que antecedem o pedido de naturalização. Nestes casos, a inserção do imigrante na comunidade portuguesa, e, por isso, o princípio da nacionalidade efectiva, são tidos como superiores ao interesse do respeito pela Lei de Imigração.

No documento Contencioso da Nacionalidade 2. edio (páginas 93-95)

Documentos relacionados