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CAPÍTULO IV – ASPECTOS IMPORTANTES PARA A INTERPRETAÇÃO DAS

5.1 Pontos controvertidos do direito societário

5.1.11 Arbitragem no direito societário

A possibilidade de arbitragem no direito societário foi reforçada com a inserção do

artigo 136-A, na Lei das Sociedades Anônimas

353

, que dá direito de recesso ao acionista

351 COELHO, 2014b, p. 352. 352 Ibid., p. 352.

353 “Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do

art. 136, obriga a todos os acionistas da companhia, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações (art. 45). § 1º A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contados da publicação da ata da Assembleia Geral que a aprovou. § 2 º O direito de retirada previsto acima não será aplicável:

I – caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe; II – caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia

dissidente de deliberação da assembleia que aprove a inclusão de cláusula de arbitragem no

estatuto social.

A doutrina já defendia a vinculação do acionista à cláusula de arbitragem mesmo

antes da reforma legislativa, defendendo, entre outros argumentos, que a arbitragem serve

para direitos disponíveis, a prevalência do princípio majoritário e que o instituto, como outros

dispositivos estatutários, deve coadunar com o objetivo social.

Nesse caminho, confira-se Cahali

354

:

Considerando o princípio basilar do direito societário, a affectio societatis, e considerando o princípio majoritário, que regem as sociedades, deve ela obedecer aos votos da maioria, que guiarão à vontade da sociedade. Nesta linha de raciocínio, nos parece plenamente válida a defesa de que mesmo o dissidente deve se submeter à cláusula arbitral. Se insatisfeito com esta votação, da mesma forma como poderia estar insatisfeito com o resultado de outra assembléia (p.e. aumento da remuneração dos administradores), o acionista sempre poderá vender sua participação societária.

Nesse ponto já se conclui

355

:

O reforço ao instituto da arbitragem, que acabou introduzindo modificação na Lei das Sociedades Anônimas, sob a ótica societária é interessante, pois reforça a possibilidade de arbitragem no direito societário e permite claramente ao acionista dissidente, em sociedade por ações, o direito de retirada da sociedade mediante reembolso de suas ações. Poderia, entretanto, desmistificar a importância do acionista, que, como vimos, faz parte de um todo e está inserido dentro de uma sociedade, graças à sua autonomia privada, realizando negócio jurídico. Desta forma, não existe uma submissão do acionista vencido nos órgãos de deliberação e sim uma sujeição consentida, de claramente aceitar a vontade da maioria. Também, como dito, não há que se falar em renúncia de direitos e sim, mais uma vez, na sujeição à vontade dos acionistas que compõem a maioria social. Em prol da sociedade e de sua função social, se é a vontade da maioria a inclusão de cláusula compromissória, pelas qualidades da arbitragem, não deverá isto ser impossibilitado.

aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas „a‟ e „b‟ do inciso II do art. 137 desta Lei”.

E a justificativa que constava no Projeto de Lei nº. 406/2013: “Preenche lacuna atualmente existente em benefício das companhias, permitindo, de forma clara e organizada, a utilização da arbitragem para dirimir conflitos societários, mediante modificação estatutária, aprovada em Assembleia Geral, com quorum qualificado de pelo menos metade das ações com direito a voto, que obrigará a todos os acionistas. Protege, todavia, os acionistas minoritários, ao assegurar a eles o direito de retirada se discordarem da deliberação que institui a convenção de arbitragem. Suspende ainda a eficácia da deliberação que aprovar a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social, até o decurso do prazo de trinta dias previsto na lei societária para o exercício do direito de retirada, evitando que entre a data da deliberação e o término do prazo do recesso exista dúvida sobre a competência do Poder Judiciário para resolver eventuais conflitos”. CALHEIROS, Renan. Projeto de Lei do Senado nº 406, de 2013. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=114641>. Acesso em: 18 jul. 2015.

354 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 343.

355 BUSHATSKY, Daniel. A reforma da lei e a arbitragem no

direito societário: importância da sociedade empresária, oportunidade de reforço e regramento do instituto e

Aqui interessa frisar que o acionista ou administrador vinculado à cláusula

compromissória não pode desrespeitá-la, sob pena de ferir o princípio da segurança negocial.

Se os sócios, em maioria, decidiram apoiados nas vantagens (celeridade, tecnicidade e sigilo)

da arbitragem que a solução de eventual conflito será por esse instituto, somente há uma

opção: seguir a orientação que é melhor para a sociedade e, consequentemente, para a

preservação da empresa.

Se o sócio descontente em solucionar conflito pela arbitragem quiser demandar no

judiciário, é medida de segurança negocial enviar carta com a sua posição de renúncia à

cláusula de arbitragem, esperando que sociedade ou outros sócios façam o mesmo. Havendo

recusa destes, somente poderá existir a solução pela via arbitral.

Entretanto, poder-se-ia questionar se a existência de cláusula de arbitragem

extremamente complexa e custosa para sua operacionalização não ofenderia os direitos dos

sócios minoritários e, consequentemente, o princípio da segurança negocial no direito

societário. Exemplificando: cláusula de arbitragem que estipulasse, para a sociedade

brasileira, que possua em seu quadro societário também brasileiros, a eleição da Câmara

Internacional de Comércio (CCI), na França, com três árbitros, língua alemã e como eleição

de lei aplicável o direito alemão. Para piorar: sede da arbitragem em Frankfurt, Alemanha.

Em uma primeira análise, a resposta seria positiva. Porém, é necessário dividir a

resposta em duas. Apresentada justificativa plausível ao sócio minoritário sobre o motivo das

disposições da cláusula (futura internacionalização da sociedade com empresas alemãs) e ele

teve a oportunidade de utilizar seu direito de recesso na introdução do termo no

Contrato/Estatuto Social e não utilizou ou, se a previsão já existia no momento de seu

ingresso na sociedade, considerou-se que a cláusula é plenamente válida.

Por outro lado, se a cláusula foi inserida sem justificativa plausível ou quando não

era possível o direito de recesso e, portanto, à revelia (tácita ou expressa) do acionista

minoritário, parece que ela deve ser anulável, evitando-se abusos de poder de controle.

Abre-se mais uma dúvida: anulada a cláusula pelo juiz estatal, deve a solução do

conflito societário ser resolvida pela arbitragem ou pela jurisdição comum? Se a vontade

majoritária é a solução pela arbitragem, parece que é este o instituto que deve ser privilegiado,

adequando-o às possibilidades do minoritário, nos termos do artigo 7º, da Lei de

Arbitragem

356

.

Mais dois pontos devem ser levantados: (i) afora a arbitragem existem outros

métodos adequados de solucionar conflito

357

(conciliação, mediação, consulta ao especialista

etc.). É sempre salutar e alinhado com padrão de conduta esperado pelos envolvidos na

operação de uma sociedade, antes do ajuizamento de ação judicial ou do início do

procedimento arbitral, tentar solucionar o conflito por um método autocompositivo, sem a

imposição por terceiro da solução final; e (ii) as pacificações através dos métodos alternativos

ao judiciário ganharam tanta força, que o Novo Código de Processo Civil

358

incentiva até

356 “Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a

parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim”.

357 Levi aborda outros métodos de solução de conflitos: “(i) rent-a-judge também denominado private judging

consiste em um meio híbrido (privado e público) por meio do qual as partes elegem um árbitro, que informam o tribunal, que expede uma espécie de autorização para que o processo no âmbito privado aconteça. A sentença estará sujeita a recurso perante as cortes públicas e a decisão é de domínio público, o que significa dizer, constitui precedentes. (ii) baseball arbitration: as partes elegem um terceiro, árbitro, e fazem as ofertas em envelopes selados. O árbitro julgará a controvérsia escolhendo um dos valores apresentados que mais se aproximar do veredicto que daria. Uma variação desse modelo é o night baseball arbitration, que também prevê a entrega pelas partes das ofertas em envelopes fechados, só que nesse caso, o árbitro procede ao julgamento da controvérsia da maneira convencional e, com a sentença em mãos, abre os envelopes e verifica qual das ofertas é mais próxima à sua decisão, sendo então essa a proferida. (iii) High-Low Arbitration ou Bracketed Arbitration consiste em um procedimento pelo qual as partes concordam previamente com as faixas dos valores que serão apurados na sentença. O requerido estipula o valor máximo que pagará e o requerente o valor mínimo que aceitará em pagamento. O árbitro pode ou não conhecer os parâmetros estabelecidos pelas partes. Se a decisão do árbitro previr um valor menor do que o mínimo estabelecido pelas partes, ficam valendo o valor mínimo e do mesmo modo, se o valor for maior, vale o máximo ofertado. Entretanto, se a decisão do árbitro contiver um valor dentro da faixa preestabelecida, a decisão do árbitro é a que vincula as partes. (iv) Mini-trial, embora seja denominado como um pequeno julgamento, se apresenta como uma forma de negociação estruturada com procedimentos que podem variar a depender da vontade das partes. Essa dinâmica se afigura como uma oportunidade para que as partes negociem e cheguem ao acordo, mas caso isso não aconteça, elas podem buscar outros meios para a resolução do conflito. Já o judicial mini-trial é um procedimento híbrido que ocorre dentro do juízo estatal. (v) Early neutral evaluation ou neutral evaluation que consiste em submeter a controvérsia a uma avaliação vinculante, realizada por terceiro imparcial (de preferência com expertise no tema em questão e em outros meios de resolução de conflitos) que avalia os pontos fracos e fortes fazendo um prognóstico das chances de sucesso que cada uma das partes possui em possível demanda. (vi) Neutral fact finding, geralmente composto por um painel conduzido por advogados, investigadores experientes, que atuam de modo imparcial, contratados em geral por órgãos públicos e grandes organizações, de modo a esclarecer fatos e oferecer respostas claras a quem possa interessar. (vii) Disputes Boards surgem no contexto das grandes obras de construção civil e de infraestrutura, tendo em vista a necessidade de uma ferramenta para tratar as inúmeras controvérsias que naturalmente surgem ao longo do extenso período das relações contratuais. (viii) Facilitação: atua de modo a tornar a conversação mais fluída, manter o foco das discussões e o ambiente mais favorável às negociações. (ix) A construção de consenso (consensus building) se identifica por um conjunto de técnicas que possibilitam a construção de uma decisão conjunta a ser tomada por várias pessoas (grupos ou organizações), não pelo voto da maioria, mas sim pela participação de todos os envolvidos, que oferecem suas opiniões e são escutados em prol da construção de um acordo ou decisão com a qual todos possam conviver”. LEVY, Fernanda Rocha Lourenço.

Cláusulas escalonadas: a mediação comercial no contexto da arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 118-124.

358 Trazem-se alguns dos artigos do novo Código de Processo Civil tratando a questão:

“Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. Art. 319. A petição inicial indicará:

judicialmente a conciliação e a mediação, deixando ao juiz a possibilidade de indicar também

a arbitragem.

Assim, a melhor interpretação da arbitragem no direito societário é aquela que se

interliga ao princípio da segurança negocial. É leal, cumpre a expectativa e é correto o sócio

ou administrador que observa as disposições estatutárias e se sujeita a participar do melhor

método adequado de solução de controvérsias possível para determinado problema em prol da

sociedade

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