CAPÍTULO IV – ASPECTOS IMPORTANTES PARA A INTERPRETAÇÃO DAS
6.1 Caso Schincariol – venda do controle societário
O caso Schincariol permite a análise da relação societária entre acionistas, o alcance
da cláusula de preferência e a melhor interpretação do princípio da segurança negocial no
direito societário.
Trata-se de transferência do controle societário supostamente sem observância do
direito de preferência do acionista minoritário
395, estipulado no Estatuto Social da Schincariol.
Pelo que se extrai na leitura do acórdão, o grupo minoritário requereu a nulidade do negócio,
com a possibilidade do exercício do direito de preferência, com o depósito futuro do valor
justo da participação societária ao grupo majoritário, após a determinação do judiciário da
forma de avaliação da sociedade e que ela seja realizada por empresa idônea.
Pela importância do caso, reproduz-se a ementa:
Tribunal de Justiça de São Paulo. Empresarial. Negócio de transferência do controle acionário da controladora pela holding e que violaria direito de preferência estabelecido em benefício dos demais sócios (intuitu personae). Ponderação que obriga entender como mais razoável para as partes e a sociedade a continuidade da transformação social. (grifo nosso). Agravo de Instrumento nº: 2176353020118260000 SP 0217635-30.2011.8.26.0000. Agravante: Alexandre Schincariol. Agravado: Jangadil Participações Ltda. Desembargador Relator Enio Zuliani. Data de Julgamento: 11/10/2011. Câmara Reservada de Direito Empresarial. Data de Publicação: 13/10/2011.
Observa-se da análise do caso que certamente é o princípio da segurança negocial no
direito societário que define a revogação da liminar e a permissão do registro da cessão de
quotas do grupo majoritário. Isso porque o quarteto lealdade, confiança, correção e real
vontade das partes não foi desrespeitado pela sociedade holding (ré).
395 O artigo 36 da Lei das Sociedades Anônimas possui a seguinte disposição: “Art. 36. O estatuto da companhia
fechada pode impor limitações à circulação das ações nominativas, contanto que regule minuciosamente tais limitações e não impeça a negociação, nem sujeite o acionista ao arbítrio dos órgãos de administração da companhia ou da maioria dos acionistas”. E ainda outra jurisprudência sobre a possibilidade de restrição das ações: “Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação. Direito Empresarial. Sociedade Anônima de Capital Fechado. Limitação à circulação de ações. Hermenêutica dos artigos 1.057 do CCB e 36 da Lei das Sociedades Anônimas. Sociedade empresária personificada anônima de pessoas: verificação da „affectio societatis‟. Inexistência de norma estatutária restritiva à circulação das ações da companhia de capital fechado ou definindo regras para exercício de direito de preferência. Impossibilidade de vedação à circulação das ações. Alegação de que a referida empresa, embora tenha sido constituída como uma sociedade anônima, ostenta características de uma sociedade de pessoas, eis que privilegia a figura dos sócios e preserva a affectio societatis. Reconhecimento pela doutrina e pela jurisprudência de que a sociedade anônima pode assumir, de forma excepcional, um caráter pessoal”. (grifo nosso). Apelação nº: 04155308820118190001 RJ 0415530-88.2011.8.19.0001. Apelantes: S.A. Rádio Tupi e outros. Apelados: Os mesmos. Relator: DES. Claudio Luis Braga Dell Orto. Data de Julgamento: 14/01/2015 - Décima Oitava Câmara Cível. Data de Publicação: 16/01/2015.
No capítulo III se teve oportunidade de criticar a disposição contratual “venda direta
ou indireta do controle”, afirmando que não era plausível clausular todo e qualquer
movimento societário, pois é impossível e contrário ao dinamismo próprio da ciência do
direito comercial, bem como isso não era necessário frente ao princípio da segurança
negocial.
Porém, no caso concreto ora em exame percebe-se que não houve qualquer tentativa
de frustrar a lealdade entre as partes.
Assim, concebido que todos os sócios da Schincariol participaram das reuniões com
o possível novo controlador, acrescentando-se que uma operação societária dessa
envergadura, em atenção aos deveres de diligência dos administradores, é precedida de carta
de intenções, auditorias legais, contábeis e econômicas, bem como inúmeras negociações e
garantias são outorgadas entre as partes para assinatura dos contratos finais, não é verossímil
conceber que os sócios minoritários desconheciam a operação em curso.
Ademais, como uma afronta ao princípio da segurança negocial no direito societário,
o ajuizamento de ação judicial um dia após o fechamento da operação, com petição i nicial
com mais de 105 laudas, comprova que havia um planejamento prévio dos minoritários, uma
espécie de abuso no manejamento de ação judicial e do poder minoritário, certamente, com o
intuito de obter alguma vantagem (a venda de sua participação ou acordo de acionistas mais
profícuo, por exemplo) na negociação com os novos controladores, empresa mundialmente
famosa e reconhecida.
Mais dois pontos chamam atenção: (i) o autor não depositou o valor da participação
societária do réu – observe-se que não parece correto o litígio sem a prova de segurança
negocial, com o depósito decorrente da possível compra que se discute
396; e (ii) uma
sociedade grande e conhecida como a Schincariol não possui em seu estatuto social cláusula
396 Bem aponta o voto: a questão da ausência do depósito deve ser encarada com uma atenção peculiar,
porquanto sempre que o legislador admite a preferência, exige o depósito como requisito de procedibilidade da preempção, conforme art. 504, do CC: “Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência”. O próprio art. 515, do CC, estabelece: “Aquele que exerce a preferência está, sob pena de a perder, obrigado a pagar, em condições iguais, o preço encontrado, ou o ajustado”, sendo que o art. 33, da Lei do Inquilinato (n. 8245/91) também informa o seguinte: “O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos, ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no Cartório de Registro de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel”. O art. 92, § 4º, do Estatuto da Terra (Lei 4504/64) garante a preferência ao arrendatário na aquisição do imóvel arrendado, desde que deposite o preço.
que disponha a forma de avaliação da ação
397e, consequentemente, a companhia, sempre
lembrando que há um plus no valor das ações que fazem parte do bloco de controle, se a
tivesse, poderia ter sido outro o desfecho do conflito.
Por fim, o acórdão acaba por corroborar a tese aqui defendida, pois como destacado
no capítulo anterior, o padrão de conduta dos sócios deve estar atrelado à preservação da
empresa, o que é justamente prestigiado. Confira-se parte do voto:
A liminar, a pretexto de salvaguardar um discutível direito de preferência (teórico) e que pretende ser exercido sem o seu mais acentuado componente de seriedade e disposição de adquirir as ações transmitidas (depósito do valor), construiu uma situação que favorece, única e exclusivamente, os interesses dos minoritários, constituindo um perigo para a instituição e para a segurança do negócio jurídico concretizado. O impasse provocado pela decisão em reexame poderá paralisar a administração, diante de não ser instantânea e ou natural a irreversibilidade de negócio envolvendo quantia vultosa, o que desestrutura a potencialidade administrativa, com inegável prejuízo para o desenvolvimento do objetivo social, prejudicando a sociedade e os contratantes. Isso significa que o juízo de ponderação que é necessário realizar na análise do cabimento da liminar acusa não ser razoável estagnar os planos sociais e das partes envolvidas para proteger um eventual direito de preferência que não foi exercido (total ou parcial) mediante depósito do preço. (grifo nosso).