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6.1 Os Juizados e as alternativas à judicialização tradicional

6.1.3 Arbitragem

A Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, dispõe sobre a arbitragem. A arbitragem é um acordo de vontades, celebrado entre pessoas capazes que, preferindo não se submeter à decisão judicial, confiam a árbitros a solução de litígios, desde que relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Não se confunde com a transação, em que a solução do conflito de interesses é dada pelos próprios envolvidos, mediante concessões recíprocas. Na arbitragem, a solução é confiada a um terceiro que não o Estado-juiz.

O artigo 1º da referida lei restringe a arbitragem aos litígios que versem sobre direito patrimonial disponível, isto é, aqueles que podem ser objeto de transação entre os interessados. Questões que envolvam o estado e a capacidade das pessoas, os direitos da personalidade, alimentos e falência terão de ser submetidas à jurisdição estatal. Também não se poderá empregar a arbitragem nas matérias que se submetam à jurisdição voluntária, que é administração e fiscalização pública de interesses privados.

Alguns ainda entendiam, quando da publicação da lei, que a arbitragem ofenderia os princípios da inafastabilidade do Judiciário e do juiz natural, discutindo a respeito da constitucionalidade da arbitragem. Esta questão foi levada ao Pleno do Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela constitucionalidade em 12 de dezembro de 2001. Por sete votos a quatro, os ministros do STF decidiram que os mecanismos da Lei da Arbitragem (Lei n. 9.307/1996) são constitucionais. A decisão representou o epílogo de uma discussão que mobilizou o Supremo de 1996 a 2001. O entendimento foi firmado no julgamento de recurso em processo de homologação de Sentença Estrangeira (SE n. 5.206). A lei permite que as partes possam escolher um árbitro

para solucionar litígios sobre direitos patrimoniais, sendo que o laudo arbitral resultante do acordo não precisa ser homologado por autoridade judicial.

A arbitragem não afasta o direito à apreciação do Judiciário, posto que os interessados não estão obrigados a utilizá-la; apenas faculta a possibilidade de submeter a decisão a um terceiro. Eventuais abusos ou ilegalidades permitem à parte interessada postular em juízo a decretação da nulidade da sentença arbitral nos casos previstos em lei (art. 32).

Os interessados podem convencionar que o procedimento seja por direito ou por equidade. Nos dois casos, o árbitro será pessoa livremente escolhida pelas partes, que nele depositem sua confiança. Não há necessidade de que seja pessoa ligada ao Direito; deve ser pessoa de confiança das partes, as quais podem eleger mais de um. Os árbitros são sujeitos a causas de impedimento e suspeição, sendo possível a apresentação de pedido judicial de exceção.

A arbitragem será processada nos termos dos artigos 19 a 22 da referida lei e nos termos estipulados pelo compromisso arbitral.

Quanto de direito, a arbitragem deve solucionar o litígio com base nas normas legais, não sendo admitido julgamento contrário à lei. Quando de equidade, o árbitro buscará a solução que seja mais justa, mesmo que contrarie normas de Direito.

No silêncio, presume-se escolhida a arbitragem de direito. As normas poderão ser escolhidas desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

Pode-se ainda convencionar a utilização, pelo árbitro, dos princípios gerais de Direito, usos e costumes e as regras internacionais do comércio. Em qualquer caso, a arbitragem será sempre considerada um meio extintivo das obrigações, segundo o Código Civil, e a nova lei que não alterou sua natureza jurídica. A execução das decisões é realizada exclusivamente pelo Poder Judiciário, sendo a sentença arbitral título executivo judicial. A sentença arbitral estrangeira fica sujeita à homologação no Brasil.

6.1.3.1 Alterações significativas pela Lei n. 13.129/2015

Após anos de discussão, foi sancionada pela Presidência da República a Lei 13.129/2015, que reforma a Lei de Arbitragem trazendo consigo uma série de novidades que modernizaram o instituto.

Uma das primeiras mudanças notáveis trazidas pela nova lei se encontra logo no artigo 1º da Lei de Arbitragem, com a inclusão dos parágrafos 1º e 2º, permitindo a utilização do instituto da arbitragem pela administração pública direta e indireta.

A prática de arbitragem por parte da administração pública indireta já era aceita pela maioria da doutrina. Neste sentido, o Poder Judiciário vinha admitindo procedimentos arbitrais para entidades públicas, sendo que o STJ decidiu que, quando os contratos celebrados com entes públicos versassem sobre serviços públicos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro, ou seja, atividade econômica em sentido estrito, os direitos e obrigações deles decorrentes seriam transacionáveis, disponíveis e, assim sendo, sujeitos à arbitragem.

A Lei n. 13.129/2015 também modificou a Lei das Sociedades Anônimas, ao inserir o artigo 136-A. O novo dispositivo regula a inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, obrigando todos os acionistas, quando observado o quórum qualificado do artigo 136 da mesma lei.

Podem, portanto, não só as sociedades anônimas utilizar tal procedimento, mas também as sociedades limitadas que contiverem cláusula de aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas em seu contrato social. Contudo, tal convenção só terá eficácia após trinta dias contados da Assembleia Geral que a aprovou.

Outro aspecto importante é a nova redação dos artigos 35 e 39 da Lei de Arbitragem, estabelecendo que o STJ, e não mais o STF, homologue ou denegue sentença arbitral estrangeira. Tal alteração formalizou uma prática que já vinha sendo utilizada nos últimos anos. Isso porque a EC n. 45/2004 transferiu a competência do STF para o STJ para processar e julgar sentenças estrangeiras.

Os artigos 22-A e 22-B foram também acrescentados à Lei de Arbitragem. Com esses novos dispositivos, as partes poderão, antes de instituída a arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência. As partes, contudo, nesta hipótese, deverão instituir a arbitragem no prazo de 30 dias contados da data de efetivação da decisão que concedeu a medida cautelar ou de urgência, sob pena de cessar sua eficácia. Depois de instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.

Caso a parte tenha interesse em requerer uma das medidas e a arbitragem já esteja instituída, deverá dirigir-se diretamente aos árbitros.

Além disso, a Lei n. 13.129/2015 trouxe a inovação da carta arbitral com a inclusão do artigo 22-C, que nada mais é que um novo veículo de cooperação com o Poder Judiciário, caracterizando uma modernização e avanço da lei. Através da carta arbitral, os árbitros poderão requerer a colaboração do Poder Judiciário em medidas que demandem um ato estatal de força à distância para, por exemplo, o cumprimento de tutelas emergenciais.

Sobre a arbitragem, podemos destacar importante estudo em que Selma Lemos faz um levantamento do número de arbitragens e valores envolvidos nos litígios,97 com o objetivo de levantar dados sobre a evolução da arbitragem no Brasil, o qual traz as seguintes conclusões:

[...] da pesquisa efetuada permite-se extrair interessante referencial da arbitragem aplicada no cenário de importantes Câmaras de Arbitragem. Seus usuários são empresas que firmam contratos de médio e grande porte e as matérias tratadas advêm de contratos nas áreas comercial, empresarial e financeira.

As câmaras auxiliam na administração de procedimentos arbitrais e delas decorrem sentenças arbitrais ditadas por árbitros independentes, imparciais e com experiência nas matérias tratadas. Na sua grande maioria as sentenças arbitrais são cumpridas no prazo determinado pelos árbitros e raramente objetadas no judiciário, em ação de anulação de sentença arbitral. Há de se ter como referencial importante que esta é uma forma de solução de conflitos fruto de consenso das partes; portanto, estas (as partes) de antemão assumiram e administraram os riscos das escolhas efetuadas, em que o componente econômico foi de importância substancial no âmbito da decisão tomada. Nesta ótica, não resta dúvida que a

97Segundo a autora, “A pesquisa Arbitragem em Números e Valores, de 2010 a 2013, foi feita com base em dados de seis câmaras de arbitragem: Centro de Arbitragem da AMCHAM – Brasil (AMCHAM); Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC); Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem de Sâo Paulo- CIESP/FIESP (CIESP/FIESP); Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM); Câmara de Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas (CAM/FGV); e Câmara de Arbitragem Empresarial- Brasil (CAMARB). [...] Ficaram de fora da pesquisa os procedimentos administrados pelas demais câmaras brasileiras, as arbitragens ad hoc, ou seja, aquelas que não utilizam câmaras para administrar os procedimentos arbitrais, e as arbitragens administradas por câmaras internacionais, como é o caso da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), que administra um grande volume de arbitragens com partes brasileiras.” (LEMES, Selma. Números mostram maior aceitação da arbitragem no Brasil. Consultor Jurídico, 10 abr. 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/selma-lemes-numeros-mostram-maior- aceitacao-arbitragem-brasil>. Acesso em: 15 jun. 2016)

arbitragem tem na função jurídica de solucionar conflitos um importante e referencial componente financeiro a ser considerado na gestão dos contratos em razão do custo de oportunidade (custos de transação).98

Segundo a autora, o cenário de uma justiça lenta “afasta investidores, restringe o crédito, aumenta o custo de produção e a insegurança jurídica”. Todos esses fatores encontram-se refletidos em sua pesquisa, especialmente no setor empresarial, no qual as arbitragens vêm aumentando cada vez mais, seja em números, seja em valores. Porém, a tendência nacional confronta-se com a prática de nações em que já há um marco legal estabelecido sobre a arbitragem, bem como uma jurisprudência afinada sobre o tema, visto que, aqui, ainda é incipiente.

A arbitragem é um instrumento que promove o acesso à justiça de várias maneiras, “ganhando ou perdendo, as partes tiveram a oportunidade de se defender e externar suas razões”, os árbitros decidiram de acordo com o seu livre convencimento racional”, fazendo valer o contrato, o direito ou a equidade e a prova produzida. Os contratos empresariais são o locus onde é preferível solucionar conflitos por arbitragem, vez que é imperativa uma maior rapidez para que as empresas possam provisionar suas demonstrações financeiras com valores contratuais que, de outra forma, levariam anos ou até décadas para alcançarem uma solução no Judiciário. Este custo pode, e deve, ser evitado.

[...] Segundo estatísticas da CCI de 2012, por exemplo, o Brasil figurou como o quarto país com maior número de partes em casos novos, estando atrás apenas dos Estados Unidos, Alemanha e França. O volume de casos brasileiros iniciados na CCI representou, naquele ano, 52% do número de novas arbitragens processadas no total das seis câmaras brasileiras pesquisadas.

Estima-se, portanto, que o número de arbitragens envolvendo partes brasileiras ou com sede no Brasil seja muito maior. A pesquisa atesta o amadurecimento da arbitragem no país. As matérias levadas à arbitragem estão cada vez mais complexas e os valores em disputa, mais elevados.

Não só os números comprovam a expansão da arbitragem, mas também o posicionamento do Poder Judiciário brasileiro tem sido fator importante para a consolidação da prática da arbitragem no país. A jurisprudência do STJ tem se mostrado favorável à arbitragem, evidenciando o respeito ao instituto e aos

poderes dos árbitros, tornando o Brasil um ambiente juridicamente seguro para o desenvolvimento da arbitragem. A expectativa é que esta tendência se confirme nos próximos anos.99

Logo, a arbitragem é um instituto a ser conhecido e prestigiado, não apenas como alternativa à judicialização, mas como uma via menos onerosa para as questões que envolvem principalmente as empresas.

O ponto crucial aqui implicado, como mencionado anteriormente, é construir uma mudança de pensamento, desmanchar um mal hábito cultural brasileiro de entregar seus litígios à Justiça na esperança de procrastiná-los indefinidamente. Será preciso que novo modo de pensar acompanhe a mudança da forma de se buscar a solução do litígio meios tradicionais.