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“Impulsos teóricos” — assim denominados por Canotilho24 — são desenvolvidos pela doutrina com o objetivo de demonstrar que o processo possui ligação material com os direitos fundamentais.

O autor enumera três perspectivas: 1) instrumentos de proteção e realização dos direitos fundamentais; 2) instrumentos “adequados e justos” para a limitação ou restrição dos direitos fundamentais, e 3) locais ou espaços de exercício dos direitos, liberdades e garantias. Do ponto de vista atual, quando o cidadão utiliza instrumentos jurídico-processuais possibilitadores de influência direta no exercício das decisões dos poderes públicos que afetam ou podem afetar os seus direitos, “garante a si mesmo um espaço de liberdade e de efetiva autodeterminação no desenvolvimento de sua personalidade”.25

Na objetivação da modernidade, a atuação processual representa a participação no procedimento de decisão da competência dos poderes públicos.

Na década de 1970, a leitura dos direitos fundamentais, conforme Peter Häberle, era “pano de fundo” político-social que explicitava claramente a “tríade” subjacente à teoria dos direitos fundamentais: a dignidade da pessoa humana, a democracia igualitária e o Estado de Direito Social.26

23 Ibidem, p. 89.

24 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2008, p. 72.

25 Ibidem.

26 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997, apud CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit.

A orientação doutrinária, na década de 1980, continua a valorar a dimensão indissociável dos direitos fundamentais, mas a participação tornou-se “dimensão intrínseca” dos referidos direitos.27

Na pós-modernidade, passaram a ser concebidos, essencialmente, como direitos de defesa. Postula-se o seu espaço de autorrealização e liberdade para uma decisão procedimental/processualmente garantida perante os poderes públicos.

No Estado Democrático de Direito, assinala Bezerra Leite, o processo pode ser definido como o “Direito Constitucional aplicado” e o “acesso à justiça passa a ser, a um só tempo, em nosso ordenamento jurídico, direito humano e direito fundamental”.28

Entre as finalidades do Estado, assim considerado e definido (ou seja, Democrático de Direito), o autor menciona a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, a correção de desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem- estar e da justiça social para todas as pessoas, o desenvolvimento socioambiental, a paz e a democracia. Assim, a garantia dos direitos sociais, como direitos humanos, recai sobre o processo, na promoção da defesa dos direitos fundamentais e de inclusão social.

Logo, a fim de efetivar tal garantia e conferir eficácia à normatização dos referidos direitos, revela-se essencial examinar o acesso à justiça.

A evolução do Estado Social para o Estado Democrático teria resultado da superação da inegável influência, na fase anterior (ou seja, no Estado Social), do positivismo jurídico, impedindo, assim, a admissão das fontes do Direito de forma ampla, incluindo mesmo os princípios gerais, como fez, posteriormente, a Constituição Federal de 1988.

Para Bezerra Leite,29 o Estado Social foi compelido a adotar políticas públicas destinadas à melhoria das condições de vida dos mais pobres, especialmente dos trabalhadores, como forma de compensar as desigualdades originadas nos novos modos de produção.

Cuidava o Estado Social de estabelecer igualdade substancial, real, entre as pessoas, através da positivação de direitos sociais mínimos. Era marcado por: constitucionalismo social; função social da propriedade; participação política dos

27 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 74.

28 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O acesso à justiça como direito humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2008.

trabalhadores na elaboração da ordem jurídica; e intervencionismo, ou dirigismo, estatal na economia mediante prestações positivas por meio de leis que criassem direitos sociais.

Os dois pilares fundamentais do Estado Social eram saúde e previdência.30 Com os dois choques do petróleo da década de 1970, a expansão desordenada do Estado, a explosão demográfica e o envelhecimento populacional decorrentes dos avanços na medicina e no saneamento básico geraram perigosa crise no financiamento desses pilares.

Mais do que nunca, o Estado do Bem-estar é necessário para garantir direitos diante dos novos riscos sociais, ao mesmo tempo em que é chamado a imaginar soluções que garantam sua sustentabilidade financeira e política.

[...] a noção de bem-estar social como uma condição geral que se alcança pela prevenção de patologias sociais, como pobreza e desigualdade, mais do que pela cura; pela oferta de oportunidades gerais, mais do que pela assistência; e por meio de ações que promovam as condições sociais do autorrespeito e da integração social, sem gerar diferenciações e alienação.31

É direito humano porque consta de tratados internacionais de direitos humanos e tem por objeto a dignidade, a liberdade, a igualdade e a solidariedade entre as pessoas humanas, independentemente de origem, raça, cor, sexo, crença, religião, orientação sexual, idade ou estado civil.

A Declaração Universal dos Direito Humanos, em seu art. 8º, aduz que: “Toda pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.

O acesso à justiça é também direito fundamental no Brasil. Consta do Título II da Constituição Federal, que relaciona os direitos e deveres individuais e coletivos: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, inciso XXXV). “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

30 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit.

31 KERSTENETZKY, Célia Lessa. O Estado do Bem-estar Social na Idade da Razão. Rio de Janeiro: Campus, 2012, apud BUAINAIN, Antonio Márcio. Reinvenção do Estado Social. O Estado de São

Paulo, 04 set. 2012. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,reinvencao-do-

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, inciso LXXVIII).

Ademais, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º, § 2º).