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3.2. Novos caminhos no papel do juiz

3.2.3 Ativismo e política e seu controle

Voltando as atenções ao exercício da atividade do juiz, se faz necessário observá-lo dentro do contexto em que foi inserido após a Constituição de 1988. O juiz passa a figurar como importante agente de modificação política dentro do sistema, sendo ou não este seu papel determinante.

A politização do Judiciário, ou a judicialização da política, implica o transporte de questões políticas para a esfera judicial, e tem despertado a atenção de

especialistas de forma mais evidente após o advento da Constituição Federal de 1988. A inserção de novos instrumentos de defesa dos direitos fundamentais (ações civis públicas, mandados de segurança coletivos, mandado de injunção, omissão legislativa) deu margem a um infinito número de novos litígios, por vezes semelhantes, ingressando na esfera judicial. O sistema de constitucionalidade trazido pelo constituinte contribuiu para aumentar ainda mais as ações que aportaram ao Judiciário, que, acionado, deve se manifestar em relação aos casos submetidos à sua apreciação.

As grandes transformações institucionais, políticas, sociais e jurídico-culturais que gradualmente se seguiram à Constituição Federal de 1988 tiveram como efeito a ascensão institucional do Poder Judiciário e, muito especialmente, trouxeram protagonismo inédito ao Supremo Tribunal Federal.

Mudanças aconteceram nas diferentes frentes: na ampliação dos temas julgados — controversos temas políticos e morais, ao mesmo tempo em que se analisaram temas nada relevantes alçados ao conhecimento pelos novos caminhos — e na argumentação — redução progressiva do positivismo formalista para a adoção

de uma metodologia mais criativa e voltada a valores e redução no alcance das decisões. Vale frisar que tais julgamentos ecoam sobre todo o sistema político e por toda a sociedade.

Com todas essas mudanças verificadas a partir da Constituição de 1988, o Poder Judiciário elevou seu padrão de interação com os Poderes Legislativo e Executivo. Passou a ser participante ativo na formulação das políticas públicas e na condução do processo democrático brasileiro. Significa importante alteração da dinâmica entre as instituições: tem-se um Executivo (federal) protagonista e centralizador; um Legislativo (nos três níveis federativos) sofrendo crises funcionais e déficits de confiança popular; e um Judiciário (STF, especialmente) antes distante dos

grandes temas políticos e sociais, agora alcançando grau de relevância e de autoridade político-normativa inédito em sua história.

Tem restado ao Judiciário decidir sobre questões cruciais às quais ele não tem se eximido; ao contrário, tem afirmado sua função de definir a vontade da Constituição em diversas áreas e sobre temas relevantes da vida política e social do Brasil recente. Diante do avanço de seu papel político, cabe compreender os pressupostos desta realidade apresentando alguns dos fatores que levaram à ascensão vertiginosa do ativismo judicial, para, mais à frente neste trabalho, encontrar uma proposta para sopesá-lo.

Trata a doutrina do conceito de ativismo judicial, ou seja, esta postura mais atuante do Judiciário diante dos novos rumos que foram traçados após a Constituição Federal de 1988, principalmente em razão de seu novo papel de garantidor dos direitos fundamentais.

Questão bastante discutida e controversa, o termo quase sempre é utilizado negativamente, tantas vezes por conta da inoperância dos demais poderes em cumprir com suas funções. Cabe ao Judiciário atuar de forma adequada, procurando evitar excessos.

São, portanto, sustentáveis os conceitos de neoconstitucionalismo moderado e ativismo judicial minimamente controlável, hoje mais do que antes.

Cabe aqui apenas registrar que o papel do juiz tem se alterado nos últimos tempos inclusive em razão da globalização, que induz um maior diálogo entre os juízes, muitas vezes reavivando as contradições entre o papel dos juízes e a democracia. Ocorre que a busca por uma Justiça universal traz três reflexões: a discussão sobre a emancipação do juiz em relação ao próprio Estado, o surgimento de um Judiciário político e a concorrência intensificada entre as ordens e culturas jurídicas.

A aplicação de princípios como parâmetro de solução do caso concreto gera maior participação do Poder Judiciário na criação do Direito e, em oposição ao passivismo judicial que definiu o juiz como “boca da lei” ou aplicador mecanicista do ordenamento, surge o ativismo judicial, alimentado pelas partes processuais (incluindo o Ministério Público) e por magistrados, com a construção de soluções jurídicas para cada caso concreto e com o imperativo de acesso ao Judiciário para a garantia de direitos e para a pacificação de litígios.

As críticas ao ativismo judicial enveredam para a politização do Judiciário, carência de legitimação democrática, perda das vantagens do positivismo, excessiva judicialização de vários temas e também para a desqualificação da estrutura judiciária. O ativismo judicial é um efeito inerente ao elemento organizacional do pensamento neoconstitucional. Abandona a atuação mecanicista de subsunção dos fatos à norma em favor de visões mais abertas e que permitam adequação das decisões ao caso concreto, trazendo um modelo de justiça formal à realidade contemporânea.

São condições para que o ativismo judicial seja minimamente controlável: i) Respeitar critérios de competência.

ii) As soluções ativistas devem ser, preferencialmente, formuladas para cada caso concreto, em respeito ao dinamismo, à complexidade e ao pluralismo da sociedade contemporânea.

iii) Deve ser realizado segundo parâmetros democráticos.

iv) A construção das soluções deve ser feita mediante mecanismos consistentes e controláveis, empregando técnicas como ponderação e proporcionalidade. v) O trabalho deve manter coerência em relação aos parâmetros utilizados tanto

intra quanto extra decisão.

A ampliação do tradicional espaço do juiz, viabilizada, dentre outros, pela abertura semântica das Constituições, trouxe com o ativismo certo conflito, carregando consigo a ideia de judicialização da política.

No rastro deste concatenamento lógico dos acontecimentos — abertura da Constituição, maior acesso à justiça e consequente maior atuação dos intérpretes da lei com a ideia de judicialização da política —, surge a necessidade da criação de alguma espécie de órgão responsável direta e exclusivamente pela fiscalização do Judiciário, bem como de um sistema de uniformização dos entendimentos.

Nessa linha, e visando a uma forma de remediar a crise de legitimidade, eficiência e celeridade, deu-se a promulgação e publicação da Emenda n. 45, de 08 de dezembro de 2004, que cuida da Reforma do Judiciário, com atenção especial para as propostas da criação do Conselho Nacional de Justiça e da súmula vinculante.

4 MEDIDAS ADOTADAS VISANDO APRIMORAMENTO

Em linhas gerais, antes da edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, a defesa da reforma do Judiciário pela sociedade civil indicava a necessidade de tratar basicamente dos seguintes pontos:

a) Ampliação e qualificação do acesso à justiça — buscava-se uma reversão estrutural na forma da prestação jurisdicional, a qual permitisse o acesso em condições de igualdade reais.

b) Democratização do poder — democratizar o Judiciário através da criação de condições de maior transparência e controle público pela superação de posturas contrárias dentro de sua própria organização.

c) Agilização de suas decisões — incidindo na ideia da qualificação e renovação da estrutura do processo e na defesa de mudança na competência dos tribunais superiores.

d) Tornar o Judiciário próximo da comunidade — na possibilidade de acesso, na forma de operar sua linguagem, na contextualização das decisões e, especialmente, na capacidade de oferecer defesa e promoção dos direitos humanos fundamentais.

Ao final de 2004, foi promulgada e publicada a reforma do Judiciário, medida reclamada para assegurar a necessária agilidade, eficiência na solução dos litígios e garantia de segurança e efetiva tutela para as relações jurídicas na sociedade.

Apesar de muito alardeada, a reforma trouxe de imediato à comunidade jurídica a espinhosa tarefa de identificar a exata extensão de seus efeitos e de concretamente alinhar a atuação do Poder Judiciário às demandas da sociedade brasileira do novo século, pois, quando afinal editada, mostrou-se carente de melhor técnica legislativa, sem precisão e superficial no trato de determinados tópicos. Fornecendo frágil e limitado instrumental de enfrentamento ao Judiciário, dotou-o da incumbência imensa de, extraindo da aplicação de fórmulas adotadas na implementação dos preceitos reformatórios, reconquistar sua credibilidade tão atacada.

Nessa perspectiva, serão examinados genericamente os instrumentos implementados, e de forma mais detida a questão da criação do Conselho Nacional

de Justiça e do instituto da Súmula Vinculante, que tratam mais de perto das questões trazidas nos capítulos anteriores.