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Poder judiciário e razoável duração do processo: crise na efetividade da cidadania

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE DIREITO

MARIA LÚCIA DA MATTA BERARDO

PODER JUDICIÁRIO E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: CRISE NA EFETIVIDADE DA CIDADANIA

SÃO PAULO

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MARIA LÚCIA DA MATTA BERARDO

PODER JUDICIÁRIO E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: CRISE NA EFETIVIDADE DA CIDADANIA

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação “Stricto Sensu” em Direito

Político e Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor José Carlos Francisco

SÃO PAULO

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B483p Berardo, Maria Lúcia da Matta

Poder judiciário e razoável duração do processo: crise na efetividade da cidadania. / Maria Lúcia da Matta Berardo. – 2016.

137 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2016.

Orientador: José Carlos Francisco Bibliografia: f. 125-131

1. Acesso à justiça. 2. Duração razoável do processo. 3. Devido processo legal. 4. Reforma do Judiciário I. Título

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MARIA LÚCIA DA MATTA BERARDO

PODER JUDICIÁRIO E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: CRISE NA EFETIVIDADE DA CIDADANIA

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação “Stricto Sensu” em Direito

Político e Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito.

Banca Examinadora

___________________________________ Professor Doutor José Carlos Francisco

Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________ Professor Doutor Bruno César Lorencini

Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________ Professor Doutor Nino Oliveira Toldo

Universidade de São Paulo

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador e professor, Doutor José Carlos,

Pela generosidade de sua acolhida em todos os momentos.

Sua sincera humanidade diante da vida e das pessoas renovou minha fé no Direito, E nos faz acreditar que é possível um mundo melhor na prática. Mesmo.

Aos meus examinadores, Doutor Nino e Doutor Bruno,

Por terem deixado seus compromissos e terem aceitado nosso convite. Pela gentileza nas correções a este humilde trabalho.

Aos meus pais e aos meus irmãos,

Pelo incentivo sempre. E sempre. E de novo e de novo.

Silvia e Pedro,

Companheiros que dividiram as angústias deste percurso. Chegamos os três!

Geison e Luiz,

Suas escolhas de vida foram fonte de inspiração e me deram coragem. O primeiro, para tentar novamente com renovadas esperanças o mestrado. O segundo, para persistir até seu final, sem desculpas para desistir.

Promessa cumprida. Vocês estão aqui. E para sempre na minha vida.

Hugo e Selma,

Pessoas que surgem na nossa vida e ajudam muito mais do que imaginam. Anjos.

Por fim, Padre Joãozinho,

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Enquanto houver vontade de lutar, haverá esperança de vencer.

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RESUMO

A presente dissertação trata do acesso à justiça na construção da cidadania, seu contexto normativo e, especialmente, dos desdobramentos que se instauram na demora da prestação jurisdicional. Dentre os objetivos do trabalho, destacam-se o direito fundamental à duração razoável do processo, o estudo analítico do Judiciário como instrumento da atividade estatal e a análise das questões afeitas ao deslindar do processo, mas também e fundamentalmente os reflexos que transpassam seus resultados na sociedade. Visando cumprir os objetivos apontados, discorre-se acerca de soluções para que se obtenha sua efetiva concretização como forma de proteção do Estado, sendo traço visível da materialização do conceito amplo de cidadania. A primeira parte trata do antigo diagnóstico que deságua nas causas da sobrecarga enfrentada pelo Judiciário; na sequência, aborda-se o acesso à justiça na Constituição Federal de 1988, com o problema advindo do maior número de questões trazidas ao Judiciário. A próxima parte apresenta os novos contornos do Judiciário com ponderações necessárias que ultrapassam o campo do Direito para examinar o novo papel do juiz neste quadro. Segue-se a explanação das medidas que foram implantadas com o objetivo de aprimorar o sistema. O capítulo seguinte trata especialmente, utilizando-se de números obtidos por meio de relatórios, do real quadro da situação dos processos e seus desdobramentos. Por fim, na última parte, analisam-se novas propostas para aperfeiçoar o acesso à justiça, inclusive buscando formas alternativas à judicialização. Ao final, conclui-se que o legislador quis evidenciar o direito descrito artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal como forma de garantir a efetividade do acesso à justiça, o qual não deve corresponder simplesmente ao ingresso em juízo, mas à obtenção de uma prestação jurisdicional qualificada como resposta e garantia ao cidadão que recorreu ao Judiciário.

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ABSTRACT

This essay discusses access to justice in the construction of citizenship, its normative context and, specifically, the issues deriving from the delay in the issuance of court decisions. This essay highlights the fundamental right to the reasonable duration of the process, as well as analyses the Judiciary as the instrument of state action, and the issues associated to the duration of the process, mainly its impact in the society. To meet that goals, the author discusses possible solutions to implement such fundamental right as the materialization of the ample concept of citizenship. The first section of the essay reviews the old diagnosis that identifies the causes for the excessive Judiciary workload, and the second section discusses access to justice in the 1988 Federal Constitution as the source for such increased workload. The third section aims to present the new outline for the Judiciary, with views that go beyond Law and the new rule of judges in this context; following that the author details the measures adopted to improve the Judiciary system. The fourth section reviews data reported on the Judiciary. The last section of this essay advances proposals to improve access to Justice, including alternative dispute resolution mechanisms. Finally, the author concludes that the right set forth by article 5, LXVIII of the Federal Constitution should not correspond simply to access to courts, but to effective court decisions to the citizen that had to resort to the Judiciary Systems.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1 - Indicadores por magistrado e por servidor na Justiça Estadual (ano-base

2013) ... 85

GRÁFICOS Gráfico 1 - Total de casos em tramitação por ramo de justiça (ano-base 2013) ... 76

Gráfico 2 - Distribuição da força de trabalho total (ano-base 2013) ... 77

Gráfico 3 - Série histórica do total de magistrados e servidores ... 77

Gráfico 4 - Número de magistrados por ramo de justiça (ano-base 2013) ... 78

Gráfico 5 - Número de servidores por ramo de justiça (ano-base 2013) ... 78

Gráfico 6 - Série histórica da movimentação processual ... 79

Gráfico 7 - Casos novos por magistrado: 2ª Instância X 1ª Instância (ano-base 2013) ... 81

Gráfico 8 - Carga de trabalho dos magistrados: 2ª Instância X 1ª Instância (ano-base 2013) ... 82

Gráfico 9 - Índice de Produtividade dos Magistrados (IPM), 2ª Instância X 1ª Instância (ano-base 2013) ... 83

Gráfico 10 - Taxa de Congestionamento: 2ª Instância X 1ª Instância (ano-base 2013) ... 84

Gráfico 11 - Movimentação processual do Poder Judiciário (ano-base 2013) ... 86

Gráfico 12 - Série histórica da movimentação processual ... 87

Gráfico 13 - Taxa de congestionamento total (ano-base 2013) ... 88

Gráfico 14 - Taxa de congestionamento na Justiça Estadual (ano-base 2013) ... 88

Gráfico 15 - Percentual de Pendentes de Execução vs. Taxa de Congestionamento de Conhecimento (ano-base 2013) ... 89

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LISTA DE ABREVIATURAS

CF Constituição Federal

CNJ Conselho Nacional de Justiça CPC Código de Processo Civil

CSCE Conferência sobre Segurança e a Cooperação na Europa EC Emenda Constitucional

FGV Fundação Getulio Vargas

IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano OAB Ordem dos Advogados do Brasil OEA Organização dos Estados Americanos PJe Processo Judicial eletrônico

SE Sentença Estrangeira

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SUMÁRIO

Introdução ... 11

1 Diagnóstico do Poder Judiciário ... 17

1.1 Fatores da lentidão ... 19

1.2 Administração Pública em juízo ... 23

2 Ampliação do acesso à justiça ... 26

2.1 Construção da cidadania ... 26

2.2 Direito fundamental e meio no Direito Processual ... 29

2.3 Perspectivas no Direito Processual Constitucional ... 30

2.4 Direitos fundamentais e processo ... 32

2.5 Dimensões do acesso à justiça ... 35

2.5.1 Dimensão constitucional ... 35

2.5.2 Dimensão transacional ... 36

2.5.3 Dimensão social ... 37

2.6 Constituição Federal e garantias processuais ... 39

2.7 Garantias processuais constitucionais ... 41

3 Novos contornos do Judiciário ... 45

3.1 Obstáculos à implementação da efetividade ... 47

3.1.1 Ponderação sociológica e política sobre acesso à justiça ... 49

3.2. Novos caminhos no papel do juiz ... 54

3.2.1 Neoconstitucionalismo ... 56

3.2.2 Limites da interpretação judicial: outro aspecto interno ... 59

3.2.3 Ativismo e política e seu controle ... 62

4 Medidas adotadas visando aprimoramento ... 65

4.1 Emenda Constitucional n. 45/2004 ... 66

4.2 Criação do Conselho Nacional de Justiça... 67

4.3 Súmula Vinculante ... 69

5 Dados e reflexos dos efeitos da alta litigiosidade nas pesquisas ... 74

5.1 Causas da litigiosidade nas pesquisas ... 79

5.2 Primeira Instância desprestigiada ... 80

(12)

5.4 Consciência da situação e caminhos futuros ... 92

5.4.1 Primeiro Grau ... 93

5.4.2 Metas nacionais como instrumentos de gestão ... 94

5.5 Considerações finais e as trazidas pelo próprio relatório ... 97

6 Ainda algumas possíveis soluções ... 99

6.1 Os Juizados e as alternativas à judicialização tradicional ... 101

6.1.1 Juizados Especiais ... 102

6.1.1.1 Juizado Especial Cível ... 102

6.1.1.2 Juizado Especial Federal e Juizado Especial da Fazenda Pública ... 103

6.1.1.3 Juizado Especial Criminal ... 103

6.1.1.4 Os Juizados Especiais e o acesso à justiça ... 104

6.1.2 Mediação e conciliação ... 107

6.1.3 Arbitragem ... 112

6.1.3.1 Alterações significativas pela Lei n. 13.129/2015 ... 113

6.1.4 Processo judicial eletrônico ... 117

6.2 Comentários sobre o novo Código de Processo Civil ... 118

Conclusão ... 122

Referências ... 125

Anexos ... 132

Anexo 1 - Mapa estratégico do CNJ 2015-2020 ... 133

Anexo 2 - Efetividade da prestação jurisdicional 2015-2020 ... 134

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INTRODUÇÃO

A proteção jurisdicional desempenha função político-social, pois, ao materializar o acesso à justiça, torna efetivos e reais os direitos em abstrato proclamados pela ordem normativa fundada na Constituição ou advinda de atos de Direito Internacional.

Nesse contexto, cabe ao Judiciário, no exercício de suas funções institucionais, atuar como órgão protetor dos direitos da pessoa humana, concretizando a importância da Constituição e das declarações internacionais de direitos como instrumentos de limitação do poder e de guarda essencial das liberdades públicas.

O presente estudo pretende discorrer sobre o acesso à justiça na construção da cidadania, seu contexto normativo e alguns desdobramentos, especialmente os instaurados pela demora na prestação jurisdicional e os modos alternativos à judicialização.

O problema atual da sociedade democrática é extrair das proclamações constitucionais de direitos sua máxima eficácia, a fim de tornar possível o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais. Isso concretiza o conceito tão proclamado de cidadania e constrói a moldura que delimita o conceito. A promoção da cidadania vai depender da capacidade do Estado de executar políticas públicas, assegurando aos indivíduos o exercício de seus direitos. Uma prestação que não atenda aos reclames dos jurisdicionados fulmina as possibilidades de concretização do exercício da cidadania. Portanto, o exame do acesso à justiça constitui a chave para a efetivação de tal garantia, visando conferir eficácia à normatização dos referidos direitos. Para tanto, procura-se tratar das questões afeitas ao Poder Judiciário e que transbordam para os outros campos da relação social dentro do Estado.

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Em decorrência do aprofundamento do tema descrito, a problematização central que se coloca é justamente a prestação jurisdicional e a construção de novas alternativas à judicialização na busca da cidadania.

Solucionados os entraves que dispersam o processo no tempo, com a pretendida agilidade da virtualização, por exemplo, será necessária uma nova reconstrução do modo de pensar o Direito, pois, tantas vezes, justamente os litigantes buscam o Judiciário apenas para ganhar tempo ao invés de resolver suas questões — como tantas vezes se observa nas causas que envolvem empresas e até mesmo a Administração Pública.

Têm-se duas questões postas: o Judiciário responde às demandas às quais se destina? O que precisa acontecer para a concretização da efetividade do acesso à justiça no Brasil?

A escusa por impossibilidade fática do Estado em cumprir as normas assecuratórias de prestações positivas redigidas com o respeito às regras deveria ser excepcional, posto que o Estado também está obrigado a cumpri-las dentro da pauta de valores imanentes à Constituição e, se não consegue, deveria oferecer opções equivalentes que o valham. Em outras palavras, na impossibilidade de oferecer processo que atenda anseios do jurisdicionado que buscou o Estado, que este possa encontrar alternativa à judicialização com peso equivalente e tão respeitável quanto o é a sentença judicial.

Objetivando garantir aos jurisdicionados uma tutela célere, tempestiva, consentânea e eficaz, o legislador pátrio inseriu na Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, o inciso LXXVIII ao art. 5º, firmando a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação a todos os litigantes. Na mesma linha, firmou-se o Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano — assinado pelos três poderes da República em 15 de dezembro de 2004, o qual frutificou em diversas normas renovatórias tendentes a acelerar o desenrolar dos processos judiciais.

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A mudança jurisdicional pretendida por tal princípio não eliminou todas as demais cargas patrimoniais necessárias para ingressar em juízo. Pior, solucionou o problema do ingresso à Justiça, mas, devido ao elevado número de demandas, inviabilizou o acesso à adequada prestação da tutela jurisdicional, que também é componente do princípio do acesso à justiça.

As possibilidades de resposta à questão decorrerão da análise dos obstáculos postos ao deslinde do processo. A efetividade, como símbolo da garantia constitucional posta, depende da atuação de todos os envolvidos, bem como de repensar o contexto social e político envolvido, para além do jurídico.

Procedendo-se à análise do direito à duração razoável do processo como direito fundamental explicitamente colocado na Constituição Federal, positivado no artigo 5º, inciso LXXVIII, pela Emenda Constitucional n. 45, promulgada em 08 de dezembro de 2004, pretende-se concluir que o legislador quis evidenciar o direito ali descrito como forma de garantir a efetividade dos demais pontos fundamentais assegurados; em outras palavras, o acesso à justiça não deve corresponder ao ingresso em juízo, mas à obtenção de uma prestação jurisdicional qualificada como resposta e como garantia ao cidadão que recorreu ao Judiciário.

Para que se superem os entraves à prestação jurisdicional em tempo razoável, é necessário adequar o modelo posto, com suas garantias pretendidas, à realidade política, legislativa e social brasileira.

O objetivo do presente estudo, assim, é a análise do direito fundamental à duração razoável do processo, no âmbito da teoria geral dos direitos fundamentais e seus desdobramentos no quadro geral das normas constitucionais postas, bem como as consequências pretendidas pelo legislador constitucional. Para tanto, o estudo discorre acerca de soluções para que se obtenha sua efetiva concretização como forma de proteção do Estado, sendo traço visível da materialização do conceito amplo de cidadania. O indivíduo que busca a segurança jurídica de sua questão posta sob a égide da proteção do Estado espera obtê-la nos limites legais e, mais que isso, de forma eficiente e célere. A cidadania personifica-se na prestação rápida do Estado ao questionamento de seus jurisdicionados.

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garantia de acesso à justiça, respeitando-se o devido processo legal. Por conseguinte, o estudo lançará luzes sobre a atividade do juiz.

O presente estudo visa, ainda, analisar as questões afeitas ao deslindar do processo, mas, também, e fundamentalmente, os reflexos que transpassam seus resultados na sociedade. Passando pelas recentes reformas, objetiva-se apresentar um caminho que atenue a descrença na efetiva e tempestiva prestação jurisdicional. Do contrário, muito se perde no campo da concretização da cidadania no Brasil, que, simplesmente, torna-se inviável quando não se materializa.

Na esteira dessa problemática da crise na demora na prestação jurisdicional, em meio a conturbadas discussões políticas, a Emenda Constitucional n. 45/2004 criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão do Poder Judiciário brasileiro. Em linhas gerais, suas principais funções são o controle administrativo e financeiro do Judiciário, julgando processos relativos a essas questões. Além disso, o CNJ desenvolve programas que buscam agilizar e melhorar as atividades da Justiça brasileira, atuando ainda na verificação do cumprimento dos deveres funcionais de juízes e servidores do Poder Judiciário.

Para exemplificar e ilustrar sua atuação, os Anexos 1 e 2 trazem o planejamento estratégico nacional do Poder Judiciário para os anos de 2015 a 2020 realizado pelo Conselho Nacional de Justiça. O quadro de desafios na efetividade da prestação jurisdicional representa o cenário ideal a ser buscado na concretização do pleno acesso à justiça para todos.

Os caminhos apontados nos relatórios analisados no capítulo 5 representam, para muito além de uma discussão utópica ou de um mero transbordar da dura realidade da vida prática transportada ao meio acadêmico, um objetivo a ser alcançado para a concretização do que propôs o constituinte brasileiro. De nada serve a letra morta da Constituição se não se concretiza na vida real.

A desmedida procura pela aceleração da tutela no âmbito judicial, reclamada pela sociedade, não deve esvaziar o conteúdo das garantias processuais postas. É preciso encontrar formas de garantir a concretização dos direitos fundamentais, em especial o da duração razoável do processo quando a lide estiver judicializada. E, também com total eficiência, é preciso encontrar meios alternativos de solução de conflitos para a pacificação social além dos muros do Judiciário.

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no texto constitucional a nova determinação da necessidade de o processo durar um tempo razoável. No entanto, é preciso que se reflita sobre o tema e se busquem soluções concretas, ao invés de apenas serem criados mecanismos de punição do Estado para tornar o processo mais célere e efetivo.

A fim de que se permita amplo direito de defesa, contraditório, provas e recursos, deve haver um lapso temporal decorrente da obediência do trâmite necessário e imprescindível a uma solução justa. Porém, a duração exagerada do processo esvazia o conteúdo das garantias obtidas. Assim, para que a solução seja a mais equilibrada possível, não há que se apressar as fases nem tampouco estender o processo no tempo.

Para que se garantam os objetivos pretendidos pelo Estado Democrático de Direito, é preciso que se reavaliem e se adaptem as normas postas em consonância com a realidade apresentada. É necessária uma mudança geral na construção do pensamento em relação à solução do litígio; inclusive trazendo novas propostas para que esses mesmos litígios possam ser evitados.

As reformas legislativas são parte de um processo que deve passar pela implementação de um modelo satisfatório para atendimento das demandas, com soluções efetivas, o que inclui a implementação de meios alternativos de solução de conflitos, surgindo como via de complementação do poder jurisdicional e de pacificação social para que possa o poder estatal cumprir seus objetivos constitucionalmente postos.

O caminho percorrido na elaboração do trabalho e na construção dos capítulos obedece a uma ordem antes de tudo lógica. Decorre como consequência natural de cada tópico precedente.

O primeiro capítulo aborda o acesso à justiça na Constituição Federal de 1988, sem dúvida a razão principal da ampliação dos horizontes anteriormente enfrentados pelo Direito, abrindo novos caminhos, antes desconhecidos, que também necessitaram de novas soluções — por exemplo, a questão dos direitos coletivos.

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Aconteceu uma mudança nas questões a serem apresentadas, o que exigiu uma mudança no modo de agir dos que operam o Direito. Nesse processo de acesso ao Judiciário, deu-se, como que naturalmente, uma nova forma de atuação em resposta do ente acionado, a qual trouxe novas questões, como: o ativismo, a judicialização da política e o neoconstitucionalismo quando da busca pela interpretação que mais se adequa ao caso enfrentado. Tais questões são abordadas no terceiro capítulo, em que, ainda, analisam-se os novos contornos adquiridos pelo Judiciário com o alargamento das novas questões trazidas, remodelando, inclusive, o papel do juiz, que com isso busca outra forma de interpretação no processo.

Na sequência, temos que o sistema se mobilizou e, especificamente, a Emenda n. 45/2004 trouxe o Conselho Nacional de Justiça e a instituição da Súmula Vinculante como pretensas ferramentas para o enfrentamento da questão, as quais serão tratadas pontualmente no quarto capítulo.

O quinto capítulo apresenta, especialmente através de números obtidos por meio de relatórios elaborados pelo próprio Poder Judiciário, a real situação do acervo de processos e dos servidores em atividade, a fim de que se possa pensar uma solução a médio e longo prazos a respeito das questões debatidas anteriormente.

Por fim, no sexto capítulo, analisam-se propostas para o enfrentamento da questão, em seus aspectos externos e internos ao processo. Externamente, analisam-se outras formas de solução dos litígios que não a judicialização do conflito. Nesanalisam-se sentido, conciliação, arbitragem e mediação apresentam-se como caminhos frente aos novos desafios enfrentados pelo Direito.

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1 DIAGNÓSTICO DO PODER JUDICIÁRIO

Uma ideia mais ampla de Justiça trata dos contornos do acesso a condições dignas de vida. Uma de suas vertentes se traduz no acesso ao Judiciário como um dos mecanismos disponíveis à cidadania para que possa mediar conflitos que se apresentam no processo de realização desta mesma Justiça. Dito de outra forma, acesso à Justiça é condição estruturante de promoção concreta da cidadania e de realização dos direitos humanos.

Ao Judiciário compete prover condições para que o próprio acesso à justiça, em sentido amplo, possa ou não ser objeto da demanda da mediação judicial.

Frente às questões postas que reafirmam o problema estrutural da Justiça no Brasil, é sempre atual a reflexão sobre os rumos do Poder Judiciário em constante transformação.

A morosidade da Justiça e a sobrecarga do Poder Judiciário são um fenômeno mundial, por terem surgido com o próprio Estado, e não estão confinadas a uma região específica nem constituem característica de determinado país. Trata-se de preocupação que é enfrentada por muitos países, independentemente do sistema jurídico em vigor (Civil Law ou Common Law).

Tal fenômeno é resultado do processo histórico das civilizações modernas, cujo dinamismo e complexidade impõe constantes transformações nas relações sociais e, consequentemente, nos ordenamentos jurídicos. Os conceitos se apresentam em constante ruptura inclusive no Estado Democrático de Direito, tornando ainda mais atual a consagrada expressão que afirma que “nada é perene a não ser a mudança

contínua”. O ambiente de permanente incerteza, apesar de possibilitar um

alargamento no horizonte das pretensões, traz consigo a necessidade de o Estado oferecer uma contraprestação que, para além de célere e efetiva, traga ao jurisdicionado mecanismos de segurança e estabilidade em meio às transformações, inclusive nas relações jurídicas.

O resultado prático a ser observado é que, nas sociedades modernas, cada vez mais se apresenta ao poder constituído a busca da solução dos litígios, ou seja, ocorre o aumento da judicialização dos conflitos.

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de novas interpretações para o texto apresentado, em razão do emprego de novos e tantas vezes abstratos conceitos a serem analisados.

Adquirem relevo na noção de acesso à justiça no âmbito Judiciário dois aspectos: a) a disponibilização de mecanismos e instrumentos; b) a conscientização da população acerca destes mesmos mecanismos e instrumentos, bem como uma clara percepção do próprio Judiciário por esta mesma população. Ou seja, a noção da importância do Judiciário deve ser fortalecida com a sua aproximação em relação à vida da comunidade.

A ampliação do acesso à justiça deve ser associada à modernização e agilização de procedimentos e processos, o que consistiria em qualificar a institucionalidade democrática no Brasil.

A questão do acesso à justiça deve ser enfrentada como uma das prioridades urgentes do Judiciário, para que a população, consciente de seu papel, escolha ou não essa via na solução de seus conflitos. Qualificar o acesso é promover condições concretas de atuação, contando com recursos e mecanismos de qualidade.

A histórica afirmação do Poder Judiciário como defensor dos direitos e garantias fundamentais, mesmo tendo que enfrentar dificuldades sociais, culturais e políticas, se iniciou com a República, incutindo necessária ideia de igualdade republicana e limitação dos poderes do Estado, consagrada até os dias de hoje.

Não é possível tratar de um verdadeiro Estado Democrático de Direito sem um Poder Judiciário autônomo e independente, que exerça sua função de guardião da lei e garantidor da ordem na estrutura governamental republicana.

Do mesmo modo que é inconcebível a demora nas decisões, por não trazer Justiça aos cidadãos, é igualmente inviável o atraso na regulamentação das normas constitucionais e a demora administrativa na implementação dos diversos direitos sociais, pois tais atrasos afastam os cidadãos de seus direitos.

Conforme salienta Alexandre de Moraes,1 a modernização não depende

somente do Poder Judiciário. É também preciso uma modernização legislativa, pois não se pode dar continuidade a tecnicismos exagerados, processos protelatórios e procedimentos morosos. A modernização deve ser também executiva, posto ser necessário dotar o Poder Judiciário da infraestrutura adequada para o exercício de suas funções, no sentido de efetivação da Justiça e da cidadania, garantindo a

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necessária independência e autonomia de seus membros, auxiliando em sua modernização e informatização e possibilitando maior celeridade processual.

1.1 FATORES DA LENTIDÃO

Para que se dê uma prestação jurisdicional efetiva e tempestiva, o provimento deve ser resultado de um processo tecnicamente bem estruturado e dentro de um espaço de tempo que não seja exageradamente longo.

É preciso atentar para os demais fatores que gravitam em torno das tão proclamadas reformas conceituais da lei processual, não se limitando nem se restringindo às alterações processuais como caminho que leve a uma definitiva solução para a sobrecarga do número de processos na Justiça.

Em que pesem seus aspectos criticáveis, como muito ataca a doutrina — por exemplo no caso da falta de rigor terminológico sistemático —, deve-se curvar para o fato de que muitas das inovações adotadas recentemente pela legislação italiana já estavam presentes anteriormente no Código Processual Civil brasileiro. Logo, no caminho para a agilidade processual, deve-se enfrentar também outras fontes de demora. Muita ênfase é dada — principalmente quando emerge na mídia a questão da morosidade judicial — somente aos aspectos jurídicos e técnicos envolvidos. Urge atentar-se para os demais fatores de origem política-procedimental, operacional-subjetiva e física.

Na ordem política, o Poder Judiciário sofre nítido desprestígio. Desde 1891 o Brasil assiste à supremacia do Executivo, secundado pelo Legislativo e, em terceiro plano, aparece o Judiciário. Suas deficiências são tomadas como regra geral, vez que é visto com uma lente de aumento em suas inadequações.

Mas o mesmo Estado que condena seu Judiciário se mostra incapaz de contribuir de forma objetiva para minimizar a deficiência de sua demora na prestação jurisdicional, exceto através de consecutivas mudanças processuais.

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Junto com o formalismo processual em excesso, citem-se as rotinas viciosas e não previstas em lei. Exemplos de apego inútil à tradição e ao comodismo, tornam a prática de atos de mero expediente ou ordinatórios verdadeiros calvários para quem se vê obrigado ao trato diário forense.

O escrivão e demais servidores da Justiça em geral também contribuem para a ineficiência do todo quando, por displicência ao mandamento legal, não cumprem os prazos a eles destinados.

Sobre este assunto, interessante relatório feito em junho de 2007 pela Secretaria de Reforma Judiciária em parceria com o PNUD (Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento), intitulado “Análise da gestão e funcionamento dos cartórios judiciais”, aponta três pontos essenciais a este respeito: os cartórios judiciais produzem grande impacto na morosidade do processo e no acesso à justiça, mas, paradoxalmente, não figuram como operadores do sistema de justiça e sua organização e funcionamento são precários.2

O relatório aponta, ainda, conclusões específicas que merecem destaque. Não é possível indicar um único fator que isoladamente contribua ou prejudique no desempenho dos cartórios estudados.

Primeiramente, são basicamente três os fatores que determinam seu funcionamento: relacionamento pessoal, ambiente de trabalho, organização com distribuição de tarefas.

Em segundo lugar, a estrutura organizacional das varas e cartórios, centrada em um só agente decisor e com um corpo de funcionários processantes que não funciona adequadamente. Na prática, essa estrutura não existe, pois o processamento é entremeado por longo tempo de espera e as tarefas decisórias são delegadas aos agentes processantes, em uma gestão casuística e realizada por agentes sem perfil, treinamento, aptidão e interesse na matéria.

Por último, a análise comparativa entre os cartórios de melhor e pior desempenho revela que iniciativas para inovar a gestão e o funcionamento do cartório geram motivação e conscientização dos funcionários quanto à importância de suas tarefas, incrementando o seu desempenho. Essas iniciativas independem da maior permanência do juiz na vara e, por outro lado, essa maior permanência, sozinha, não melhora o desempenho do cartório, visto que é a relação entre os funcionários e o

2 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DESENVOLVIMENTO; SECRETARIA DE REFORMA

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diretor e entre este e o juiz que determina a produtividade do ambiente de trabalho. Além disso, a antiguidade na função sedimenta as práticas tradicionais e reduz a propensão às inovações no funcionamento do cartório, como também diminui a motivação dos funcionários.

No campo concreto, cumpre ressaltar a falta de condições físicas e materiais para o funcionamento, principalmente, da primeira instância.

Sobretudo no tocante à Justiça Estadual, é gritante a precariedade das condições de trabalho, das dependências onde está instalado o Poder Judiciário.

Conforme Dalmo Dallari:

Na realidade, não poucos magistrados são constrangidos a exercer a judicatura em dependências improvisadas ou com instalações muito precárias, com deficiência de espaço e sem o mínimo conforto necessário para o eficiente desempenho de suas tarefas. Desse descaso dos tribunais acabam sendo vítimas também os demais participantes indispensáveis das atividades judiciárias, como os advogados, os membros do Ministério Público e os funcionários forenses. O grande sacrificado por essa discriminação contra a primeira instância, motivada sobretudo pela acomodação ou indiferença das cúpulas judiciárias, é o povo, em nome de quem o Poder Judiciário decide e que é quem paga as despesas para a instalação e manutenção dos serviços judiciais.3

Aliás, importante observação acerca do destinatário do serviço judiciário, o povo, faz o mesmo professor:

em muitos lugares o povo que vai às repartições judiciárias é tratado com pouco respeito, como se fosse um bando de impertinentes reclamando um favor do Estado. Impõe-se, portanto, cuidado maior com as condições dos imóveis destinados a receber os serviços judiciários, o que, entretanto, é apenas um ponto de partida, devendo-se cuidar também dos aspectos materiais de tais serviços, sem o que, por mais esforçados que sejam os magistrados e os demais atores do processo judicial, os resultados serão sempre deficientes.4

3 DALLARI, Dalmo. Elementos de teoria geral do Estado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.

156-157.

(24)

O último entrave material a ser incluído, entre os tantos existentes, diz respeito aos métodos tecnológicos e organizacionais utilizados, em detrimento da modernização ultrarrápida na metodologia de circulação de informações alcançada pela informática nos outros setores de toda a sociedade. A informatização é necessária, urgente, e precisa ser pensada racionalmente. Não basta sua simples implementação e consequente funcionamento; precisa ser implementada de forma a não apenas agilizar o andamento dos feitos, mas unir as diferentes instâncias, por exemplo. Em conjunto com o sistema, deve existir um reposicionamento das mentalidades, principalmente entre os juízes, para que realmente abandonem rituais desnecessários e inúteis, que se mantêm apenas em nome de rituais antigos pensados para a manutenção de suposta autoridade.

Classificação utilizada por Sadek disseca o problema do Judiciário essencialmente em três frentes: a) sob o ângulo institucional, isto é, a demonstração de sua força política diante dos outros poderes constituídos; b) sob ponto de vista estrutural e administrativo, aferível através da forma de operacionalização de sua máquina e do grau de sua funcionalidade; c) sob o enfoque do andamento dos processos que lhe são encaminhados, envolvendo a questão do manejo do instrumento de realização dos escopos da jurisdição e da legislação que trata da matéria procedimental.5

O primeiro aspecto mostra que o Judiciário deveria ser fortalecido em conjunto com os demais poderes da República, na consecução do que pretende o artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Aqui é importante mencionar a questão da destinação de verbas condizentes para o funcionamento de toda a máquina e o aprimoramento de seu serviço público. Apesar de independente e podendo dispor de autonomia administrativa e financeira, o montante de seus recursos é definido anualmente pelo Legislativo através de lei orçamentária específica, inclusive com ingerência resultante de influência do Poder Executivo.

O segundo aspecto, referente ao âmbito administrativo da máquina judiciária, implica uma gestão profícua e eficiente, com o envolvimento do gerenciamento de pessoas e materiais em busca da realização de um fim específico. Para tanto, há a necessidade da adoção de conhecimentos da administração, que traga ferramentas

(25)

adequadas para o planejamento e execução de metas atentando-se para a especificidade dos diferentes e diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário.

O último aspecto nesta classificação da crise, que se torna tantas vezes o mais perceptível, é a perspectiva da condução dos processos judiciais e a eficácia do resultado apresentado ao final. Nas palavras de Dinamarco:

a própria dinâmica do processo impõe que da realização deste participem os sujeitos interessados, que são as partes, atuando estas mediante os atos de seus patronos, os advogados. O processo é o centro de convivência e o método estabelecido para o exercício da jurisdição pelo juiz, da ação pelo autor e da defesa pelo réu.6

Resta ao juiz não se furtar de atuar também como gestor do processo. Afirma Beneti que:

falsa é a separação estanque entre as funções de julgar e dirigir o processo — que implica orientação ao cartório. O maior absurdo derivado desse nocivo ponto de vista dicotômico é a alegação que às vezes alguns juízes manifestam, atribuindo culpa pelo atraso dos serviços judiciários ao cartório que também está sob sua superior orientação e fiscalização.7

1.2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM JUÍZO

O quadro atual de grande congestionamento do Poder Judiciário tem como uma de suas principais causas a enorme quantidade de execuções fiscais em trâmite. Com base nas estatísticas relacionadas a tais processos é imperioso pensar alternativas ao atual sistema de cobrança inteiramente judicializada das dívidas públicas, posto que se tornou a Administração a principal cliente do Judiciário.

O alto número de processos de execução fiscal atualmente em curso ocupam lugar de destaque nas estatísticas das demandas onde figura a Administração e contaminam o andamento célere dos processos de outras naturezas, na contramão do princípio constitucional da duração razoável do processo.

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros,

2001, v. 1, p. 661.

(26)

Cabe neste ponto trazer dados contidos na dissertação de Caio Amuri Varga,8

que tratou, entre outros temas, da administração pública como a maior litigante brasileira.

Demonstra o primeiro relatório “Supremo em números”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que levantamento realizado em 2011 acerca das ações em curso perante o Supremo Tribunal Federal permite concluir que “não são simplesmente os recursos que afogam o Supremo — são os recursos de algumas poucas partes, quase

todas do Poder Executivo”.9 De forma precisa e inequívoca, o relatório conclui que a

Administração Pública direta e indireta contribui de forma determinante para o congestionamento do sistema judiciário brasileiro.

A pesquisa elaborada pela FGV apontou que cerca de 90% dos processos que tramitavam perante o Supremo Tribunal Federal (STF) no ano de 2011 envolviam o setor público. Somente as ações que tinham como autor ou réu o Poder Executivo federal representavam aproximadamente 67% das demandas pendentes de julgamento perante a Corte Superior. Naquela oportunidade, 10 dos 12 maiores litigantes do país eram órgãos públicos, empresas estatais e sociedades de economia mista.10

E justamente a explosão de litígios envolvendo o Poder Público tem como fator gerador a inobservância de direitos e garantias que, embora formalmente estabelecidos no texto constitucional, são oferecidos de forma insuficiente e precária aos jurisdicionados.

Ainda segundo Caio Vargas, a oitava edição do relatório “Justiça em Números”, produzido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça, apontava que tais processos representavam, no ano de 2011, quase 42% do total do estoque de ações da Justiça Estadual, sendo que, de um universo de 52 milhões de processos pendentes, isso significa um volume de mais de 22 milhões de execuções fiscais em curso. Cabe aqui salientar que as execuções fiscais não tributárias, isto é, movidas por uma das autarquias corporativas que legalmente

8 VARGA, Caio Amuri. Desjudicialização das execuções fiscais tributárias como medida de auxílio ao descongestionamento do poder judiciário. 2015. 145 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Faculdade de Direito, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015, p. 131-145.

9 VARGA, Caio Amuri. Op. cit.

10 VARGA, Caio Amuri. Op. cit. O relatório mencionado por Caio Varga pode ser consultado, na íntegra,

(27)

desfrutam das prerrogativas da Fazenda Pública, como regra geral compõem as estatísticas juntamente com as execuções fiscais tributárias.

A atualização do relatório “Justiça em números” dois anos depois, relativo a 2013, mostra que o porcentual das execuções fiscais sobre o total das demandas em curso manteve-se estável. Logo, pouco ou nada adiantaram as mudanças implementadas.

Diante da escassez de recursos materiais e humanos disponíveis para viabilizar seu trâmite, é urgente a necessidade de contemplar soluções para a desjudicialização de parte dos procedimentos relativos aos processos de execução fiscal de natureza tributária.

Sobre o fato de a Administração Pública ser a maior litigante brasileira, tem-se que o modelo legislativo vigente para o processamento das execuções está preso à judicialização dos procedimentos inerentes ao processamento das questões.

Assim, as Fazendas Públicas acabam por judicializar todas as demandas relacionadas ao inadimplemento de seus créditos, o que transborda em milhões de execuções fiscais que se prestam a congestionar o Poder Judiciário e possivelmente não terão êxito. Os princípios da eficiência da Administração Pública e da indisponibilidade do interesse público acabam se convertendo em sua própria negação.

(28)

2 AMPLIAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

O primeiro dado objetivo — que é o aumento do número de feitos em todas as instâncias em comparação com o crescimento da população e o número de juízes e funcionários — tem estrita ligação com as já citadas mudanças sociais das últimas décadas. Os cidadãos se tornaram mais conscientes de sua garantia constitucional de acesso à justiça, tornando a judicialização dos conflitos uma praxe não antes experimentada pelo sistema. O padrão das disputas levadas ao Judiciário se dá de diferentes modos se comparadas com as oriundas de um passado recente, pois adquirem novas feições e exigem sintonia do Judiciário com o contexto deflagrado pela sociedade contemporânea.

Não raro ocorre a substituição de lides meramente individuais por questões que alcançam múltiplos interesses, marcadas por valores conflitantes que trazem ao juiz um novo e importante papel político das decisões.

A Constituição Federal de 1988 não só acreditou na solução pacífica das controvérsias e as submeteu todas à apreciação do Judiciário, como oferece o instrumental para seu enfrentamento.

Realizou nítida ampliação do conceito de acesso à justiça, criando instrumentos capazes de englobar a possibilidade da diversidade de conflitos em abstrato, e conferiu valor ao cerne das atividades na realização da justiça.

O modelo brasileiro enfatizou a função do Judiciário como garantidor dos direitos quando discorreu sobre os princípios. Ao juiz cabe ser agente e dar funcionamento à vontade do constituinte; extrair da Constituição a força de seu conteúdo materializando a tutela jurisdicional.

A Constituição de 1988 acreditou na solução pacífica dos conflitos e os confiou ao Judiciário; para tanto, amparou o sistema com a criação de institutos ampliadores do acesso à justiça para assistir a todos que a ele acorrerem na busca de uma solução para sua questão.

2.1 CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

(29)

natureza dos direitos fundamentais, mas sim a sua garantia e proteção se constituem em tema da mais elevada importância.

Logo, o problema atual da sociedade democrática é extrair das proclamações constitucionais de direitos sua máxima eficácia, para tornar possível o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais.

Em seu processo de institucionalização e reconhecimento, os direitos fundamentais da pessoa humana podem ser reduzidos aos conceitos básicos de direitos de primeira, segunda e terceira geração.

Como destaca Celso de Melo:

enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) — que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais — realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) — que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas — acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam os poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.11

A enumeração exemplificativa dos direitos básicos da pessoa humana acentua a necessidade de conferir-lhes instrumentalidade, a fim de torná-los exequíveis, efetivos e plenamente acessíveis ao cidadão.

Portanto, a instrumentalização dos direitos fundamentais, ao atribuir operatividade às situações jurídicas ativas deles emergentes, assegura às pessoas em geral a plenitude da cidadania.

Nesse contexto, o acesso à justiça representa, para o eixo das formações sociais democráticas, movimento decisivo de implementação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

11 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Mandado de Segurança n. 22164/SP. Rel. Min. Celso de

(30)

O Poder Judiciário constitui instrumento concretizador das liberdades civis, preceitos constitucionais e dos direitos fundamentais assegurados pelos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil.

O movimento pelo acesso à justiça constitui expressão significativa de transformação social, conferindo expressão concreta aos valores fundamentais, que, quando reconhecidos, tornam-se prerrogativas jurídicas ativas que lhes são essencialmente inerentes e indisponíveis.

Torna-se necessária a possibilidade de qualquer pessoa buscar, em juízo, a efetiva concretização dos direitos e das liberdades que lhe são atribuídos.

O acesso ao Judiciário traz garantia irrecusável destinada a permitir a intervenção para restaurar a ordem jurídica abalada por desrespeito ao sistema normativo. A solução jurisdicional representa desenvolvimento cultural dos povos e um dos traços distintivos da civilização. O direito ao processo constitui prerrogativa jurídica indisponível, reiterada por sucessivos documentos constitucionais republicanos até hoje promulgados. Onde falta a possibilidade do amparo judicial, há sempre a possibilidade do arbítrio, principalmente do Estado.

Por esse motivo, a norma garantidora do direito ao processo é definida por muitos como pilar do Estado Democrático de Direito. É dever dos órgãos do Poder Público promover a efetivação dos direitos garantidos pelas Constituições dos Estados nacionais, assegurados pelas declarações internacionais para permitir um constitucionalismo democrático, afeito ao processo de internacionalização dos direitos básicos da pessoa humana.

Na construção da igualdade e na consolidação das prerrogativas asseguradas a cada indivíduo pelos tratados e convenções internacionais, torna-se essencial organizar um modelo institucional que torne possível o efetivo acesso de todos — notadamente os excluídos da ordem jurídica pelo sistema — ao processo de administração da Justiça, para que a declaração constitucional das liberdades e o reconhecimento internacional de direitos não se transformem em meras expectativas de direito frustradas, contribuindo para graves distorções no quadro social.

(31)

Nesse contexto, cabe ao Judiciário, no exercício de suas funções institucionais, atuar como órgão protetor dos direitos da pessoa humana, trazendo a concretização da importância da Constituição e das declarações internacionais de direitos como instrumentos de limitação do poder e guarda essencial das liberdades públicas.

2.2 DIREITO FUNDAMENTAL E MEIO NO DIREITO PROCESSUAL

A insatisfação com o sistema judiciário manifestou-se com vigor ao término da Segunda Guerra Mundial. O Estado Social transformou reinvindicações populares em novos direitos e deslocou para os tribunais a solução de conflitos sobre relação de trabalho, segurança social, habitação e saúde. Seguiu-se uma explosão de litigiosidade a qual o sistema judiciário não estava preparado para responder, trazendo

o que se chamou de crise da administração da justiça.12

O fenômeno se manifestou nas dificuldades de ingresso em juízo, na morosidade e no custo dos processos, em certa complicação procedimental, na mentalidade conservadora dos juízes, nas deficiências do patrocínio gratuito aos mais fracos, na inadequação do processo ordinário de conhecimento em face da proteção dos novos direitos.

Na transição do conceito de igualdade, o acesso à justiça se transformou no mais estratégico dos direitos humanos de um sistema jurídico que pretendia garantir e não apenas proclamar os direitos de todos. Não bastava proclamar o livre e amplo acesso formal à jurisdição, mas minimizar os obstáculos jurídicos, culturais e econômicos que impediam a efetiva proteção judicial da situação de vantagem prometida pelo direito material.

A investigação das causas que impediam a concretização dos direitos pelo sistema judiciário conduziu um movimento que envolveu ramos interdisciplinares ao qual se deu o nome de “acesso à Justiça”. Como direito fundamental de que depende o acesso à ordem jurídica posta, o acesso à justiça se tornou o eixo do Direito Processual contemporâneo, alargando e aprofundando os objetivos e métodos da disciplina.

Para o que aqui interessa, o estudo do Direito Processual deslocou-se do conceitualismo para o problema da efetividade em suas diversas dimensões.

12 Cf. GRINOVER, Ada Pelegrini. As garantias constitucionais do processo nas ações coletivas.

(32)

se o foco da abordagem para não apenas a investigação da estrutura do sistema processual, mas para a interação com a sociedade.

2.3 PERSPECTIVAS NO DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

O significado dos princípios e as funções que eles exercem no sistema jurídico contemporâneo é um dos temas centrais da ciência jurídica, em razão dos fenômenos do novo Direito Constitucional e da constitucionalização do Direito.13

A ideia de constitucionalização do Direito está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia com força normativa por todo sistema jurídico. Os valores, fins públicos e comportamentos contemplados nos princípios da Constituição passam a condicionar a validade e o

sentido de todas as normas do Direito infraconstitucional.14

Os princípios exercem ao menos três funções no sistema jurídico. A primeira é informadora: inspiram o legislador, servindo de fundamento para o sistema jurídico. A segunda é normativa: atuam como força supletiva, no caso de inexistência de uma norma específica ou contrária à Constituição. E a terceira função é interpretativa: eles operam como critério orientador do intérprete, seja o juiz ou outro operador do

Direito.15

Os princípios do acesso à justiça e do devido processo legal, proclamados nos incisos XXXV e LIV do art. 5º da Constituição, são as bases políticas do sistema processual. Por meio deles, a Constituição equaciona a tensão inerente ao Direito Público, que opõe a autoridade do Estado à liberdade dos indivíduos ou grupos.

O acesso à justiça representa a autoridade. É o direito à jurisdição. É a garantia de que pretensões dirigidas ao sistema judiciário serão aceitas, processadas e julgadas de modo a atribuir adequada, efetiva e tempestiva tutela jurisdicional a quem

tem razão.16 O direito de livre e amplo acesso à jurisdição é o pressuposto de eficácia

de todos os demais direitos da ordem jurídica, o remédio contra a prepotência do mais forte. Conforme célebre lição de Ruy Barbosa, de pouco valeriam as leis se não

13 Cf. BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio

do Direito Constitucional no Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 240, p. 1-67, abr./jun. 2005, p. 18-19.

14 Ibidem, p. 22.

(33)

houvesse instituições judiciárias independentes e com força superior aos litigantes

para impor o cumprimento da lei sempre que faltasse a obediência espontânea.17

O principal objetivo do princípio é a pacificação com justiça. Toda sociedade humana tem crises. A tendência de uma sociedade à desagregação é sempre maior

onde os meios de solução dos conflitos não são eficientes.18 Daí o empenho do Estado

em solucionar conflitos, seja mediante a decisão imposta pelo juiz, seja mediante um mecanismo alternativo, que pode se localizar tanto dentro como fora do sistema judiciário.

O acesso à justiça encerra um feixe de garantias que leva a uma escalada de

situações jurídicas.19 A primeira garantia é a inafastabilidade do controle jurisdicional.

Ela se dirige ao legislador. É a proibição à criação de obstáculos jurídicos que impeçam o livre e amplo acesso à jurisdição. Dela decorre o direito de todos a um provimento. Gera, do outro lado, a obrigação de a Constituição assegurar a remoção de obstáculos econômicos que impeçam a efetivação dessa garantia formal.

A segunda garantia é a ação. É o direito a um provimento de mérito, favorável ou não, sobre a pretensão ao bem da vida que é veiculada na demanda, desde que preenchidos os pressupostos de admissibilidade do julgamento de mérito

(pressupostos processuais e condições da ação).20

O ponto alto da escalada é a tutela jurisdicional. É a efetiva proteção que o Estado dispensa a quem tem razão no processo, seja o autor ou o réu. Quando possível, a tutela reproduz o resultado que seria obtido com o cumprimento espontâneo da obrigação.

Por fim, o devido processo legal representa a liberdade. É o direito não apenas ao processo, mas a um processo justo, qualificado pelas garantias de justiça

conquistadas pela humanidade.21 Pelo devido processo legal, o princípio da legalidade

irradia-se para todas as atividades do Estado, razão para receber também o nome de

princípio de interdição à arbitrariedade.22

17 BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. In: Escritos e discursos seletos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,

1997, p. 673.

18 Cf. SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987, v. 1, p. 48. 19 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 821. 20 Ibidem, p. 821-822.

21 Cf. Idem. Instituições... Op. cit., v. 1, p. 245.

22 Cf. CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Fundamentos de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004,

(34)

Como o acesso à justiça, o princípio do devido processo legal abriga um conjunto de garantias destinadas a assegurar o direito a um processo justo. Além do direito ao procedimento e ao contraditório, que são como corpo e alma do processo judicial, o devido processo legal compreende outras garantias, explícitas e implícitas na Constituição, que se coordenam de forma a impedir que alguém venha a perder a liberdade ou os seus bens sem ter a oportunidade de participar da formação do

convencimento de um juiz independente e imparcial.23

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS E PROCESSO

“Impulsos teóricos” — assim denominados por Canotilho24 — são

desenvolvidos pela doutrina com o objetivo de demonstrar que o processo possui ligação material com os direitos fundamentais.

O autor enumera três perspectivas: 1) instrumentos de proteção e realização dos direitos fundamentais; 2) instrumentos “adequados e justos” para a limitação ou restrição dos direitos fundamentais, e 3) locais ou espaços de exercício dos direitos, liberdades e garantias. Do ponto de vista atual, quando o cidadão utiliza instrumentos jurídico-processuais possibilitadores de influência direta no exercício das decisões dos poderes públicos que afetam ou podem afetar os seus direitos, “garante a si mesmo um espaço de liberdade e de efetiva autodeterminação no desenvolvimento de sua

personalidade”.25

Na objetivação da modernidade, a atuação processual representa a

participação no procedimento de decisão da competência dos poderes públicos. Na década de 1970, a leitura dos direitos fundamentais, conforme Peter Häberle, era “pano de fundo” político-social que explicitava claramente a “tríade”

subjacente à teoria dos direitos fundamentais: a dignidade da pessoa humana, a

democracia igualitária e o Estado de Direito Social.26

23 Ibidem, p. 89.

24 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra:

Coimbra, 2008, p. 72.

25 Ibidem.

26 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução

(35)

A orientação doutrinária, na década de 1980, continua a valorar a dimensão indissociável dos direitos fundamentais, mas a participação tornou-se “dimensão

intrínseca” dos referidos direitos.27

Na pós-modernidade, passaram a ser concebidos, essencialmente, como direitos de defesa. Postula-se o seu espaço de autorrealização e liberdade para uma decisão procedimental/processualmente garantida perante os poderes públicos.

No Estado Democrático de Direito, assinala Bezerra Leite, o processo pode ser definido como o “Direito Constitucional aplicado” e o “acesso à justiça passa a ser, a

um só tempo, em nosso ordenamento jurídico, direito humano e direito fundamental”.28

Entre as finalidades do Estado, assim considerado e definido (ou seja, Democrático de Direito), o autor menciona a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, a correção de desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem-estar e da justiça social para todas as pessoas, o desenvolvimento socioambiental, a paz e a democracia. Assim, a garantia dos direitos sociais, como direitos humanos, recai sobre o processo, na promoção da defesa dos direitos fundamentais e de inclusão social.

Logo, a fim de efetivar tal garantia e conferir eficácia à normatização dos referidos direitos, revela-se essencial examinar o acesso à justiça.

A evolução do Estado Social para o Estado Democrático teria resultado da superação da inegável influência, na fase anterior (ou seja, no Estado Social), do positivismo jurídico, impedindo, assim, a admissão das fontes do Direito de forma ampla, incluindo mesmo os princípios gerais, como fez, posteriormente, a Constituição Federal de 1988.

Para Bezerra Leite,29 o Estado Social foi compelido a adotar políticas públicas

destinadas à melhoria das condições de vida dos mais pobres, especialmente dos trabalhadores, como forma de compensar as desigualdades originadas nos novos modos de produção.

Cuidava o Estado Social de estabelecer igualdade substancial, real, entre as pessoas, através da positivação de direitos sociais mínimos. Era marcado por: constitucionalismo social; função social da propriedade; participação política dos

27 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 74.

28 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O acesso à justiça como direito humano e fundamental. São

Paulo: LTr, 2008.

(36)

trabalhadores na elaboração da ordem jurídica; e intervencionismo, ou dirigismo, estatal na economia mediante prestações positivas por meio de leis que criassem direitos sociais.

Os dois pilares fundamentais do Estado Social eram saúde e previdência.30

Com os dois choques do petróleo da década de 1970, a expansão desordenada do Estado, a explosão demográfica e o envelhecimento populacional decorrentes dos avanços na medicina e no saneamento básico geraram perigosa crise no financiamento desses pilares.

Mais do que nunca, o Estado do Bem-estar é necessário para garantir direitos diante dos novos riscos sociais, ao mesmo tempo em que é chamado a imaginar soluções que garantam sua sustentabilidade financeira e política.

[...] a noção de bem-estar social como uma condição geral que se alcança pela prevenção de patologias sociais, como pobreza e desigualdade, mais do que pela cura; pela oferta de oportunidades gerais, mais do que pela assistência; e por meio de ações que promovam as condições sociais do autorrespeito e da integração social, sem gerar diferenciações e alienação.31

É direito humano porque consta de tratados internacionais de direitos humanos e tem por objeto a dignidade, a liberdade, a igualdade e a solidariedade entre as pessoas humanas, independentemente de origem, raça, cor, sexo, crença, religião, orientação sexual, idade ou estado civil.

A Declaração Universal dos Direito Humanos, em seu art. 8º, aduz que: “Toda pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.

O acesso à justiça é também direito fundamental no Brasil. Consta do Título II da Constituição Federal, que relaciona os direitos e deveres individuais e coletivos: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, inciso XXXV). “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

30 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit.

31 KERSTENETZKY, Célia Lessa. O Estado do Bem-estar Social na Idade da Razão. Rio de Janeiro:

(37)

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, inciso LXXVIII).

Ademais, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º, § 2º).

2.5 DIMENSÕES DO ACESSO À JUSTIÇA

As dimensões do Direito e da Justiça nas sociedades contemporâneas podem ser resumidas em três visões: dimensão constitucional, dimensão transnacional e

dimensão social.32

2.5.1 Dimensão constitucional

A dimensão constitucional verifica-se no reencontro com alguns valores fundamentais que muitos ordenamentos modernos afirmaram como normas com força de lex superior (como a jurisprudência constitucional).

Em virtude do princípio da supremacia da Constituição, o comportamento dos órgãos jurisdicionais, durante o desenvolvimento dos processos e o julgamento das causas, há de ter como ponto de partida, sem dúvida, a observância das garantias constitucionais do moderno “processo justo”.

A visão sintética e universal do moderno processo constitucionalizado (processo justo) é dada por Mauro Bove, para quem o Estado Democrático de Direito não pode apenas garantir a tutela jurisdicional, mas tem de assegurar uma tutela qualificada pela fiel observância dos direitos fundamentais consagrados

constitucionalmente.33

32 CAPPELLETTI, Mauro. O acesso à Justiça como programa de reformas e método de pensamento.

Tradução Hermes Zanetti Júnior. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 395. (Atualização do livro GARTH, Briant; CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça).

33 BOVE, Mauro. Comentários ao art. 111. In: THEODORO JUNIOR, Humberto. Novo CPC:

(38)

2.5.2 Dimensão transacional

A dimensão transnacional trata-se de uma tentativa de superar os rígidos critérios da soberania nacional com a criação de um primeiro núcleo de “governo universal”, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.

A economia; o intercâmbio de pessoas e de culturas; as grandes migrações de trabalhadores; o turismo; a poluição; a ecologia e a proteção do meio ambiente não se limitam aos lindes territoriais dos Estados, artificialmente traçados e reconhecidos. Exigem expansão transnacional do Direito mediante disciplina jurídica abrangente.

Organizações supranacionais surgem — tais como a União Europeia, o Conselho da Europa, a Conferência sobre Segurança e a Cooperação na Europa (CSCE), a Organização dos Estados Americanos (OEA). Novos instrumentos são incluídos no mundo jurídico: a Convenção Europeia para a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos; a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos; a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional sobre Direitos Políticos e Civis e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os numerosos instrumentos regionais tomam forma e exigem atuação dos juízes nacionais.

A pluralidade dos ordenamentos e os problemas que derivam do inter-relacionamento entre distintos ordenamentos é tema de crescente importância dada a transnacionalização e a internacionalização do mundo, as quais vêm, por obra dos processos de globalização, diluindo o papel das fronteiras, no âmbito interno das quais incide a validade e a eficácia dos ordenamentos jurídicos nacionais.

O exame e estudo dos institutos dos ordenamentos diversos é fator de aproximação e aperfeiçoamento do Direito em face da imperiosa necessidade que resulta da intercomunicação — agora em tempo real — e eliminação do tempo que era despendido no percurso de longas distâncias entre continentes e países.

Imagem

Gráfico 1 - Total de casos em tramitação por ramo de justiça (ano-base 2013)
Gráfico 3 - Série histórica do total de magistrados e servidores
Gráfico 5 - Número de servidores por ramo de justiça (ano-base 2013)
Gráfico 6 - Série histórica da movimentação processual
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