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CAPÍTULO 3 – CONTRAPONTOS

3.1 Argentina: hiperinflação, reformas e crise

O caso argentino é bastante interessante, pois fornece um exemplo de uma política de estabilização da moeda e de reformas liberalizantes avant la lettre138. Uma política desinflacionária fundada na liberalização comercial e financeira e no compromisso com a privatização foi colocada em prática logo após o Golpe Militar, em 1976, sob a condução do ministro da Economia, José Martínez de Hoz, com o objetivo de “disciplinar empresários e trabalhadores” (Canitrot, 1980)139. Os militares responsabilizavam tanto os desenvolvimentistas quanto os populistas pelo estado caótico no qual se encontrava a sociedade argentina. Assim, os liberais puderam se apresentar como a antítese ao que reinava na Argentina, pois, desde a década de 1940, nenhuma política liberal havia predominado, apesar da presença de economistas liberais em altos postos governamentais:

Pela primeira vez na história argentina contemporânea, a velha ideologia liberal assegurava uma audiência simpática no âmbito das Forças Armadas [...]. [Os] liberais se concentraram em três ameaças à sociedade argentina, cuja erradicação era necessária: 1) todas as formas de subversão [...]; 2) a sociedade política populista – o peronismo, os sindicatos, a oposição “tolerada” composta por Radicais e pela esquerda parlamentar e o Estado tutor e 3) o setor industrial “ineficiente”, que formava a base da economia urbana, junto com sua classe trabalhadora “indisciplinada”. [...] O objetivo mais geral dos liberais era modificar todo o sistema de relações sociais, o que requeria igualmente a reforma dos patrões. Com esse fim, o governo implantou um sistema econômico de livre-mercado, principalmente

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O ajuste argentino contrasta com a estratégia adotada pela ditadura militar brasileira no mesmo período, sobretudo no governo Geisel (1974-1979).

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Apesar do compromisso assumido, o fracasso do programa de privatizações de Martínez de Hoz está diretamente relacionado a mudanças no interior da coalizão que havia se formado em seu favor, notadamente com a perda de apoio dos militares (Corrales, 1998).

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através da abertura do mercado doméstico à competição externa. Outra “novidade” decisiva foi a reforma financeira de junho de 1977, que implicou dar atenção exclusiva à inflação, tomando decisões expressamente destinadas a desacelerar o processo de expansão econômica sem hesitar em danificar o interesse imediato das classes sociais que formavam a base política do governo militar (Cavarozzi, 1988, p. 44-45).

Duas variáveis políticas ajudam a entender os rumos que a Argentina tomou: a) a presença de um pensamento liberal – mesmo entre os peronistas – com uma significativa base social (Cavarozzi, 1988, p. 44-5); e b) o alto grau de organização e mobilização dos setores urbanos argentinos e sua relação com o peronismo, cuja interdição à participação na arena eleitoral explicaria uma cena política altamente instável (Cruz, 1976).

Com efeito, Martínez de Hoz anunciou seu o seu plano em 2 de abril de 1976, em uma conjuntura marcada por uma taxa anual de inflação de 1.000%, déficit fiscal de 16% do PIB e reservas internacionais extremamente baixas140. O ajuste ortodoxo estava baseado em uma forte redução no gasto público e na contração da liquidez, em um enorme aumento da taxa de juros e no arrocho salarial.

A liberalização comercial caracterizou-se pela redução das tarifas de importação e levantamento de restrições não-tarifárias. Já a liberalização financeira iniciou-se com a liberalização das taxas de juros dos bancos comerciais e do mercado cambial e com a eliminação de boa parte dos créditos subsidiados. No ano seguinte, eliminou-se a centralização dos depósitos no Banco Central e todas as taxas de juros foram liberalizadas. Em dezembro de 1978, anunciou-se a livre mobilidade de capital para o terceiro trimestre de 1980.

No plano externo, o ajuste logrou obter saldos positivos na balança comercial, mas, no plano interno, “o aprofundamento do processo recessivo e o aumento do desemprego não redundaram, ao contrário do previsto, no controle do processo inflacionário” (Gontijo, 1995, p. 48). Além do mais, houve concentração da renda no período e queda na participação dos salários na renda nacional.

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O fracasso em deter o processo inflacionário levou a equipe econômica argentina a utilizar a taxa de câmbio como âncora para o nível de preços141. Em 1978, a taxa de câmbio foi reajustada abaixo da inflação doméstica para, depois, adotar uma “tablita”, com desvalorizações prefixadas. A inflação diminuiu, mas a recuperação econômica teve fôlego curto (até 1981).

A utilização da âncora cambial e o crescimento das importações afetaram a balança comercial, tornando-a deficitária. O resultado dessa estratégia foi o aumento da inflação e a explosão de uma grave crise econômica e política, que seria agravada com a derrota da Argentina na Guerra das Malvinas e pela crise da dívida externa.

O governo que emerge na transição democrática, comandado por Raul Alfonsín (Unión Cívica Radical – UCR), havia se comprometido a adotar uma política econômica diferente daquela posta em prática pela ditadura militar, isto é, o combate à inflação não se daria através da adoção de medidas recessivas, mas por meio de políticas que estimulassem a demanda. No entanto, as pressões externas – dos credores pelo pagamento dos juros da dívida externa – e as pressões internas – dos sindicatos peronistas, que se opuseram à reforma da legislação trabalhista – impediram que as medidas tomadas pelo primeiro ministro da Economia, Bernardo Grispun, surtissem resultado.

Grispun foi substituído por Juan Vital Sourrouille e o resultado dos esforços do novo ministro e da sua equipe foi tornado público em 14 de junho de 1985. O Plano Austral partia do diagnóstico da inflação inercial e propunha um tratamento heterodoxo para a estabilização de preços: controle de preços, salários e tarifas públicas (que foram reajustadas); reforma monetária; e compromisso para não financiar o déficit público com emissão monetária, mas sim com aumento da arrecadação. Houve aumento dos salários, das tarifas públicas e a moeda foi desvalorizada em 18%. O governo argentino assumiu o

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Esse tipo de ajuste, para ser viável, depende da liquidez internacional, cuja origem remonta ao “boom dos empréstimos dos bancos consorciados para o Terceiro Mundo nos anos 70 [que, por sua vez,] foi desencadeado por uma acentuada queda das taxas de juros na primavera de 1970, quando o Federal Reserve inundou o mercado de Nova York com dinheiro para combater o crash da Bolsa em 1970, apenas para ver boa parte ser transferida para o mercado de eurodólares, onde jogou as taxas de juros para baixo. Os bancos, com farta liquidez, saíram à procura de tomadores e encontraram os governos do Terceiro Mundo, principalmente na América Latina. O namoro terminou em agosto de 1982, quando o governo mexicano interrompeu o pagamento dos serviços da dívida” (Kindleberger, 2000, p. 45).

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compromisso de não realizar novas emissões monetárias, mas manteve a indexação para todos os contratos na Argentina (Ortega, 1989, p. 32)142.

O plano conseguiu reduzir os índices de inflação e dotou o governo da UCR do capital político necessário para ganhar as eleições legislativas de novembro de 1985. O conflito entre capital e trabalho se arrefeceu. No entanto, o plano começou a se deteriorar, e o governo Alfonsín iniciou ajustes no Plano Austral. No início de 1986, houve um reajuste de preços e o câmbio foi desvalorizado. A partir de meados do mesmo ano, conseguiu-se estabelecer uma espécie de “pacto social” com a “Confederación General del Trabajo de la República Argentina” (CGT)143 em uma conjuntura marcada pela elevada participação de trabalhadores em greves. Em fevereiro de 1987, houve um novo congelamento de preços e salários (Australito) e, ainda no primeiro semestre, o governo conseguiu renegociar a sua dívida externa. Mesmo assim, o governo perdeu as eleições em setembro de 1987. Em outubro, várias medidas foram tomadas: houve um outro congelamento de preços e salários; ocorreu uma liberalização no câmbio para operações financeiras e uma desregulamentação no mercado financeiro; e um pacote para aumentar a arrecadação de impostos foi apresentado ao Congresso (Bouzas, 1993; Kaufman, 1990).

Uma nova tentativa para remediar o Plano Austral foi lançada em 1° de agosto de 1988. O Plano Primavera estabeleceu um acordo para redução dos preços públicos e privados e estabeleceu três taxas de câmbio: “comercial”, fixada pelo governo, para as exportações agropecuárias; “financeira”, fixada pelo mercado mas sujeita à intervenção do Banco Central através de leilões, para as importações e o serviço da dívida externa; e “mista”, fixada pela média entre a comercial e a financeira, para a exportações industriais. O objetivo do governo era aumentar sua arrecadação com a diferença entre a compra de

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Um primeiro acordo com o FMI foi realizado em setembro de 1984, e um novo acordo foi anunciado em 11 de junho de 1985. A aprovação do acordo pelo governo dos Estados Unidos teria sido uma manifestação concreta de apoio à consolidação do novo regime democrático. “Mas em 1986, devido aos seus próprios problemas orçamentários, o governo dos Estados Unidos liberou parte de seu estoque de grãos, o que provocou uma queda dos preços internacionais que prejudicou severamente as exportações argentinas e suas contas fiscais” (Canitrot, 1994, p. 83).

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Uma experiência anterior de pacto social foi promovida no curto governo Cámpora (maio a julho de 1973), mas que não teve êxito face à fragilidade do Estado frente ao trabalho organizado e ao empresariado (Ayres, 1976).

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dólares dos exportadores e a venda de dólares aos importadores, que seria de aproximadamente 25% (Nakano & Tokechi, 1990, p. 41).

Entretanto, para funcionar, esse esquema de múltiplas taxas de câmbio dependia tanto da continuidade das exportações agropecuárias (preços e volumes) quanto da existência de reservas no Banco Central para intervir no mercado cambial (Nakano & Tokechi, 1990, p. 41). Dependia, também, de que exportadores e industriais aceitassem as suas taxas de câmbio. A partir de agosto, o austral se valoriza (pois taxas de juros elevadas aumentam as aplicações em austrais), o câmbio financeiro se desvaloriza e o câmbio comercial se valoriza. Em novembro começa a se especular sobre o “atraso cambial” e os exportadores demandam liquidar seus contratos no câmbio financeiro. Em janeiro de 1989, verifica-se uma corrida ao dólar, visto que os exportadores retêm contratos e os importadores antecipam os seus. Enfraquecido politicamente, o governo se viu no meio de uma hiperinflação e não conseguiu evitar a eleição do candidato de oposição Carlos Menem, que defendia um “salariazo” (ou seja, um aumento salarial significativo). Com o aprofundamento da crise social, Alfonsín resolveu renunciar e a posse de Menem, que deveria se realizar em 10 de dezembro, foi antecipada para 8 de julho. Para Nakano & Tokechi (1990), “crise de confiança e o colapso social” teriam detonado a hiperinflação argentina. De fato, o conflito entre capital e trabalho foi bastante intenso durante o governo Alfonsín, como pode-se verificar na tabela abaixo:

TABELA 6 – GREVES E TRABALHADORES ENVOLVIDOS: ARGENTINA (1984-1989)

ANO GREVE TRABALHADORES

ENVOLVIDOS 1984 495 8.459.192 1985 333 4.248.248 1986 582 11.236.940 1987 470 5.980.507 1988 443 7.443.344 1989 418 7.720.985

Fonte: Consejo Técnico de Inversiones, La Economía Argentina, diversos números apud McGuire (1996, p. 144).

Carlos Menem, eleito pelo partido peronista, nomeou para o Ministério da Economia Miguel Roig, vice-presidente do grupo econômico multinacional agroindustrial

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Bunge y Born (BB), símbolo do capitalismo “vendepátria” tão combatido pelos peronistas. Com a morte de Roig menos de uma semana após a posse, Menem nomeou para o cargo Nestor Rapanelli, também ligado à BB, mostrando claramente o compromisso do seu governo com o grande capital.

As principais medidas do Plano BB, anunciado por Roig, e implementado por Rapanelli, em julho de 1989, eram: aumento dos preços controlados pelo governo; redução do déficit público; desvalorização da moeda; acordo com as 350 maiores empresas para moderar o aumento de preços; baixa da taxa de juros; manutenção da taxa de câmbio (o câmbio passou a ser controlado e a taxa de câmbio fixada); e manutenção das tarifas públicas até março de 1990. Paralelamente, um amplo plano de reformas estruturais foi anunciado, que incluía privatização, abertura comercial e fim dos subsídios e dos programas de fomento para o setor privado.

O plano começou a entrar em colapso em razão das críticas de parte dos trabalhadores e mesmo em razão de conflitos no interior da equipe econômica. Em dezembro de 1989, foi lançado o Plano BB II, que desvalorizou a moeda, aumentou as tarifas públicas e declarou a moratória da dívida pública interna durante dois anos. A reação ao plano foi dura e Rapanelli foi demitido. Em seu lugar, foi nomeado Antonio Erman González, que havia ocupado a Secretaria da Economia da Província que Menem governara.

O Plano Erman I, anunciado em 18 de dezembro de 1989, aprofundou a liberalização econômica ao tornar o mercado de câmbio totalmente livre. O declínio das reservas e os boatos de dolarização levaram a uma desvalorização do austral e ao aumento da inflação. “Diante da ameaça de uma corrida aos bancos, Erman González, apoiado por agências de empréstimos multilaterais e pelo Tesouro dos Estados Unidos, revelou o chamado Plano Bonex (também conhecido com Erman II) em 1° de janeiro de 1990” (Smith, 1993, p. 206). Os depósitos a prazo nos bancos comerciais em austrais foram convertidos em bônus em dólares com prazo de dez anos. Sem liquidez, agravou-se a recessão econômica. O plano foi atacado pelos radicais e provocou uma cisão no movimento peronista. A sustentação política vinda de uma aliança de centro-direita não impediu uma fuga de capitais e a volta da hiperinflação.

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A maneira escolhida para enfrentar a hiperinflação sem voltar atrás no processo de liberalização econômica foi por meio do aumento de impostos e da redução dos gastos. Esse foi o objetivo do Plano Erman III, adotado em março de 1990, que contou com o apoio da “comunidade empresarial” e com uma trégua da CGT. O Erman IV, de 1° de julho de 1990, era composto de medidas que aprofundaram a liberalização econômica, a desregulamentação das importações e a eliminação da proteção da indústria local, sendo seguido pelo Erman V, de 31 de agosto, que tinha por objetivo dotar o Ministério da Economia de poderes para acelerar o processo de privatização e/ou liquidação das empresas estatais.

Mas a hiperinflação não cedia e o governo Menem decidiu aprofundar ainda mais o processo de liberalização do comércio exterior, além de aprovar uma anistia fiscal para o repatriamento de capital (Erman VI, de 28 de dezembro de 1990) e adotar novas medidas corretivas em meados de janeiro de 1991 (Erman VII). Menem resolveu, então, fazer uma reforma ministerial entregando o Ministério da Economia a Domingo Cavallo, que ocupava o Ministério de Relações Exteriores (Erman González foi transferido para o Ministério da Defesa).

Em 1° de abril de 1991, o Plano de Conversibilidade foi anunciado: o peso poderia ser livremente convertido em dólar e a emissão de moeda pelo Banco Central ficaria condicionada ao aumento das reservas internacionais em dólar. Em outras palavras: decidiu-se por estabelecer em lei uma taxa de câmbio 1,00 dólar = 1,00 peso e que a base monetária acompanharia as variações das reservas internacionais. A taxa de inflação despencou. Houve um aprofundamento das reformas liberalizantes, um alinhamento automático com os Estados Unidos (simbolizado pela expressão “relações carnais”, conforme declarado pelo chanceler Guido Di Tella) e uma mudança tão acentuada no marco institucional, que um autor chegou a temer pela sua “irreversibilidade” (Smith, 1993, p. 215).

Com efeito, “progressos significativos no restabelecimento do equilíbrio fiscal [... e...] um choque positivo derivado da queda das taxas de juros internacionais e o

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restabelecimento do fluxo de capitais externos” (Bouzas, 1993, p. 13) explicam o sucesso do Plano de Conversibilidade144. Além disso,

O processo de reforma estrutural incluiu três grandes áreas de política, a saber: i) a reforma do regime comercial e cambial; ii) a reforma do setor público; e iii) a reforma do marco regulatório. Desde meados dos anos 1980, a promoção da reforma estrutural tem sido uma prioridade dos dois governos democráticos. Estas políticas se tornaram dominantes na administração radical a partir de 1987 e influíram decisivamente sobre o governo peronista que assumiu em meados de 1989. Como resultado das medidas implementadas, o ambiente institucional da economia argentina no começo dos anos 1990 é radicalmente diferente do que prevalecia no começo da década passada (Bouzas, 1993, p. 13)145.

De fato, a situação no início da década de 1990 era marcada: a) pela liberalização total do mercado cambial; b) por baixas tarifas de importação (média de 10%, máximo de 20%); c) pela eliminação de todas as restrições quantitativas, com exceção do regime automotriz; d) por um superávit primário de 2,8% do PIB; e) por uma arrecadação fiscal de 24,1% do PIB; f) pela privatização de empresas estatais; g) pela liberdade de preços; h) pela proibição da indexação (os aumentos salariais ficaram condicionados ao aumento de produtividade; i) por novas modalidades de contratação temporária; k) pela liberação das taxas de juros e destinação do crédito; j) pela livre mobilidade de capitais; e l) pela desregulamentação de diversos mercados de bens e serviços (Bouzas, 1993, p. 14).

O paradoxo do caso argentino foi ter aberto mão da soberania de sua moeda para poder estabilizá-la. Isso foi possível porque “na economia argentina não há indexação formal”, o câmbio não acompanha a inflação, não existem aplicações diárias (overnight) e são raras as que são ao portador. “Isto implica que [...] as pessoas não têm muitas opções para manter suas poupanças financeiras em austrais e explica porque os argentinos mantêm sua poupança financeira em outras moedas, fundamentalmente em dólares” (Almonacid,

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“É verdade que algumas medidas tomadas previamente foram funcionais para o Plano de Conversibilidade, em especial, a política de acumulação de reservas internacionais levada a cabo durante 1990. [...] A administração de Menem pôde usar seu brilhante êxito em matéria de estabilização para aproveitar um favorável giro dos mercados financeiros internacionais. A recessão nas economias desenvolvidas havia provocado uma forte redução das taxas de juros, o que induziu os capitais a sair em busca de retornos mais atrativos nos chamados ‘mercados emergentes’” (Gerchunoff & Torre, 1996, p. 746-747).

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A implantação dessas medidas foi possível também graças à concentração de “recursos de poder” – como os decretos de necessidade e urgência – na Presidência da República (Palermo, 2004, p. 98; Llanos, 2001).

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1989?, p. 38). Eis o motivo que explica a escolha pela dolarização da economia argentina e a razão pela qual o valor externo da moeda argentina foi ancorado diretamente ao dólar146.

A opção argentina pela ancoragem direta ao dólar e a privatização de todo o seu aparato produtor de bens e serviços deixou o país muito mais vulnerável e reduziu ainda mais a sua margem de manobra. A explicação para a radicalização na implantação das reformas orientadas para o mercado na Argentina, ao que parece, pode ser encontrada na forte presença, naquele país, de um pensamento liberal dotado de uma importante base social (Cavarozzi, 1988).

O sucesso do Plano de Conversibilidade em baixar a inflação e mantê-la em patamares reduzidos foi estrondoso. A desinflação na Argentina foi tão “espetacular” que levou a economia à deflação. Entretanto, o Plano malogrou. Para alguns, os mecanismos que levariam à ruína do plano já estavam presentes desde o início: i) a dependência do mercado de capitais internacional; ii) o endividamento como forma de escapar da rigidez base monetária/reservas internacionais; e iii) a ausência de um emprestador em última instância em dólar (Cintra & Farhi, 2002). Assim, o fracasso se deve às “condições adversas de liquidez internacional” e ao “extraordinário endividamento público147 [que levaram] à moratória da dívida e a um processo desordenado de desvalorização da moeda” (Cintra & Farhi, 2002, p. 4-5)148.

Não há dúvida que a questão externa é o ponto de partida para a disparada da inflação (Nogueira Batista Jr., 1992). Ou seja, a crise da dívida externa detonada em 1982 e o conseqüente fechamento do mercado de capitais estão diretamente relacionados ao

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O apoio do governo norte-americano à dolarização estaria ligado à redução do custo das transações cambiais, mas também como uma forma de ampliar o poder e a influência dos Estados Unidos na região. A iniciativa partiu daqueles que defendem a estabilidade de preços como o objetivo da política monetária e, historicamente, já teve um precedente entre 1900-1915 (Helleiner, 2003).

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O elevado endividamento público é uma variável fundamental para entender a estabilização monetária na Argentina, já “que desde 1995, o regime de conversibilidade [...] foi mantido pelo crescente endividamento externo do setor público” (Cintra & Farhi, 2002, p. 10). A dívida interna e externa do setor público financeiro e não financeiro na Argentina era de US$ 97,1 bilhões em 1996 e de US$ 128 bilhões em 2000.

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No entanto, esse resultado – a crise de 2001/2002 – não seria inexorável se o governo tivesse diminuído o grau de vulnerabilidade da economia. A situação era propícia em 1992 para as correções necessárias, mas o ministro Cavallo não superou o “poder de veto dos formadores de opinião empresarial [“os analistas de risco” ...] responsáveis, em última instância, pelo direcionamento dos capitais globalizados”, que impediram as mudanças e impuseram o aprofundamento da estratégia através de uma agenda de reformas microeconômicas (Palermo, 2004, p. 137-138).

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surgimento do regime de inflação alta149. Da mesma forma, a desinflação na década de 1990 seria o resultado da melhora das contas externas e da volta dos fluxos de capital. Um ingresso mínimo de recursos externos possibilitou a defesa da moeda nacional e, após a estabilização, um aumento substancial no ingresso de capital externo.

O apoio ao Plano de Conversibilidade é explicado, por alguns autores, pelo federalismo, visto que o partido peronista foi o responsável por articular uma coalizão