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O debate entre economistas, jornalistas, cientistas políticos e sociólogos sobre os

CAPÍTULO 1 – O DEBATE SOBRE INFLAÇÃO E DESINFLAÇÃO NO BRASIL

1.2 O debate entre economistas, jornalistas, cientistas políticos e sociólogos sobre os

Geralmente se reconhece que a aceleração da inflação brasileira a partir de 1974 está relacionada ao primeiro choque do petróleo, às distorções produzidas pelo “milagre econômico”, à estratégia de aprofundamento do processo de industrialização substitutiva e ao tipo (ou a falta) de ajuste promovido na economia brasileira. Contudo, a dinâmica do processo inflacionário brasileiro das décadas de 1980 e início da de 1990 estava diretamente ligada a dois eventos da maior importância que se iniciaram em 1979: o segundo choque do petróleo e o aumento da taxa básica de juros norte-americana. Esses eventos são importantes, pois implicaram uma reorientação ortodoxa da política econômica praticada pelo governo Figueiredo a partir do segundo semestre de 1980.

Com a declaração da moratória pelo México em agosto de 1982, o Brasil perdeu o acesso ao sistema financeiro internacional e recorreu ao FMI para equilibrar o seu balanço de pagamentos. Era a crise do padrão de financiamento externo da economia brasileira.

A partir de então, verificou-se uma aceleração das taxas de inflação, que sepultou qualquer papel funcional exercido pela inflação no crescimento da economia brasileira, inviabilizando uma nova “fuga para frente” (Fiori, 1995). Esse “traço aceleracionista” empurrava as taxas de inflação para cima e o seu combate por meio de medidas recessivas como controle da oferta do crédito, aumento da taxa de juros e redução dos gastos, que caracterizou a política econômica do segundo semestre de 1980 até o final de 1983, conteve a inflação em patamares elevados, mas não foi o suficiente para estancar uma expressiva elevação a partir de 1983, quando a economia novamente voltou a crescer.

Dito de outra forma, a nova política foi ineficiente para combater a inflação, cujas taxas anuais atingiram 110,66% (1980), 91,19% (1981), 97,87% (1982), e foi responsável por uma recessão que durou três anos (1981-1983)27. Além disso, o ajuste adotado criou desequilíbrios internos, que se expressam, por exemplo, pelo aumento das taxas anuais de inflação: 172,90% (1983); 203,27% (1984); 228,65% (1985)28.

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A variação percentual do PIB foi a seguinte: 1981, -3,1%; 1982, 1,1%; 1983: -2,8%.

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Salvo informação contrária, o índice de preços utilizado no texto é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Para a “Nova República”, o combate à inflação não era apenas uma questão econômica, mas também política. Não era politicamente aceitável para o novo governo combater a inflação através de políticas recessivas – como as adotadas pelo governo Figueiredo sob o patrocínio do FMI – e que foram duramente criticadas pela oposição (VVAA, 1983).

O grupo envolvido com a elaboração do Plano Cruzado era bastante heterogêneo. A maioria dos economistas era constituída por professores da PUC-Rio (núcleo da proposta), Universidade de São Paulo (USP), UNICAMP e Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP/FGV), que estavam vinculados à oposição legal ao regime ditatorial- militar e se uniam em torno de três princípios: crescimento econômico, criação de emprego e distribuição de renda. O plano de estabilização dos economistas de oposição deveria respeitar esses três princípios.

A oportunidade para a implantação de um plano baseado no diagnóstico da inflação inercial – que levasse em conta esses princípios – surgiu com a mudança do comando da política econômica com a posse de Dílson Funaro no Ministério da Fazenda, no final de setembro de 198529. As taxas mensais de inflação estavam em franca ascensão: 10,25% em outubro; 14,18% em novembro; 15,75% em dezembro; 15,01% em janeiro de 1986. O Plano Cruzado, implantado no final de fevereiro, foi um grande sucesso no combate à inflação, pois conseguiu reduzir a taxa mensal de 12,46% para 3,18% em março e para 0,43% em abril. O seu principal mecanismo – a sua principal medida heterodoxa – foi o congelamento30 de preços e salários (após a concessão de um abono). Porém, o sucesso durou pouco. Em dezembro de 1986 a inflação mensal atingiu 7,27%, saltou para 16,82% em janeiro de 1987 e chegou a 20,96% em abril, culminando com a substituição de Dílson Funaro por Luiz Carlos Bresser Pereira no Ministério da Fazenda.

O que deu errado? Há duas grandes explicações, não necessariamente excludentes: a) correções, como a “flexibilização” do congelamento e o aumento da taxa juros para segurar o aquecimento da economia, não foram feitas porque o presidente José Sarney

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A implantação das medidas que compunham o Plano Cruzado teria sido possível em razão da manutenção do “centralismo burocrático” existente no plano da “gestão econômica” herdado do regime ditatorial militar (Sola, 1988, p. 20).

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buscava aproveitar a grande popularidade proporcionada pelo plano para se legitimar perante a população, e também porque o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB, partido que controlava os ministérios econômicos e as principais instituições financeiras estatais) atrasou a adoção de medidas “impopulares” para não influir negativamente no calendário eleitoral (vale lembrar que o PMDB elegeu 22 dos 23 governadores em novembro de 1986) (Sardenberg, 1987; Solnik, 1987); e b) o plano alterou a distribuição da renda entre os grupos sociais e o fracasso da estabilização estaria ligado ao conflito distributivo, ou seja, os grupos perdedores passaram a reajustar os preços para que a sua renda retornasse ao nível pré-plano (Camargo & Ramos, 1988; Bacha, 1988)31.

No entanto, as taxas anuais de inflação continuaram se elevando nos anos seguintes32 e as várias tentativas ortodoxas e/ou heterodoxas33 de combate à inflação não obtiveram êxito. Ainda que a recessão de 1991 tenha contribuído para a redução da inflação para 475,11% a.a., a taxa anual volta a subir em 1992 para 1.149,06% e para 2.489,11% em 1993. A ameaça de uma hiperinflação aberta estava de volta.

Mas as novas condições políticas ocasionadas pelo impeachment do presidente Collor de Melo trouxeram, passados sete anos, o núcleo central dos “pais” do Plano Cruzado de volta ao governo federal. Esse grupo de economistas ligados à PUC-Rio foi reconduzido ao governo pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso, o quarto ministro da Fazenda após sete meses do governo Itamar Franco.

Menos de um mês após assumir o Ministério da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso divulgou, em junho de 1993, o Programa de Ação Imediata (PAI), cujo principal objetivo era um corte de aproximadamente US$ 6 bilhões no orçamento de 1993. Em dezembro, as novas etapas do programa de estabilização foram apresentadas na Exposição de motivos n° 395, de 7 de dezembro de 1993. Propunha-se a criação do Fundo Social de

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Consultar Serrano (1986) para uma crítica da teoria da inflação inercial a partir da abordagem do conflito distributivo. Ainda sobre o debate acerca da teoria da inflação inercial, consultar Rego (1987). Para uma análise política do fracasso do Plano Cruzado, consultar Sola (1988).

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Taxas anuais de inflação: 1986, 57,85%; 1987, 394,90%; 1988, 993,29%; 1989, 1.863,56%; 1990, 1.585,18%.

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Plano Cruzado II (novembro de 1986), Plano Bresser (segundo semestre de 1987), Plano Verão (janeiro de 1989), Plano Collor I (março de 1990) e Plano Collor II (janeiro de 1991).

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Emergência (FSE), um mecanismo de ajuste fiscal, cujo objetivo era desvincular as receitas dos gastos da União estabelecidas pela Constituição de 1988 e, posteriormente, a realização de uma reforma monetária, que teria dois momentos: a criação de um novo indexador a ser corrigido diariamente – a Unidade Real de Valor (URV) – e a sua transformação em uma nova moeda. Essas medidas ficaram conhecidas como Plano FHC.

A mudança de Plano FHC para Plano Real está relacionada à introdução da URV, em março de 1994 e a emissão do real, em julho. A taxa mensal de inflação que era de 48,24% em junho, recuou para 7,75% em julho, despencou para 1,85% em agosto, 1,40% em setembro e, em outubro de 1994, Fernando Henrique Cardoso era eleito presidente da República, no primeiro turno, com 34 milhões de votos.

É importante precisar que Plano Real reúne três dimensões que, apesar de serem metodologicamente separáveis, estão indissociáveis do ponto de vista da forma de exposição aqui adotada: políticas desinflacionárias, política macroeconômica e reformas pró-mercado. Desta perspectiva, é possível identificar, entre os economistas, quatro abordagens acerca dos processos inflacionários e desinflacionários.

A primeira abordagem reúne os economistas da PUC-Rio34 que assessoravam o ministro Fernando Henrique Cardoso. A visão desse grupo sobre inflação e desinflação pode ser mapeada através dos documentos oficiais produzidos pelo Ministério da Fazenda. O Programa de Ação Imediata (PAI), divulgado em 14 de junho de 1993, apresentava através de uma curiosa metáfora medical as causa da inflação e a maneira de combatê-la: “O diagnóstico sobre a causa da doença inflacionária já foi feito. É a desordem financeira e

administrativa do setor público. [...] A prescrição essencial do tratamento também é

conhecida. O governo precisa arrumar sua própria casa e pôr as contas em ordem”. Era preciso, portanto, pelo lado da despesa, cortar gastos (US$ 6 bilhões) do orçamento de 1993; pelo lado da receita, aumentar a arrecadação através da regulamentação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF); alterar o padrão de relacionamento entre os entres federativos de forma a acabar com a inadimplência dos

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O grupo inicial era composto por Edmar Bacha, Pedro Malan, Winston Fritsch e Gustavo Franco. Posteriormente, Pérsio Arida e André Lara-Resende juntaram-se a ele. O único economista que não era oriundo da PUC-Rio a ter um papel relevante na “equipe econômica” foi José Roberto Mendonça de Barros. Para uma versão acadêmica das idéias que preponderaram nesta corrente, consultar Franco (1995, p. 27-78).

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estados e municípios com a União; fiscalizar os bancos estaduais e impedi-los de financiar os governos estaduais; redefinir a atuação dos bancos federais; e privatizar.

O segundo documento – a Exposição de motivos n° 395, de 7 de dezembro de 1993 – apresentava as linhas gerais do programa de estabilização, oferecia um diagnóstico da “crise fiscal brasileira” e propunha “três frentes de atuação: a) equilíbrio orçamentário no biênio 1994-1995; b) sugestões à revisão constitucional; c) reforma monetária”. A origem da “crise fiscal” era atribuída à ruptura do padrão de financiamento externo da economia brasileira no início da década de 1980 e ao ajuste praticado. Contudo, considerava-se que a manutenção da inflação

está ligada à descompressão das demandas sociais e corporativas, à deterioração da capacidade de arrecadação do Estado e à redefinição das relações entre diferentes esferas de governo desde os primeiros anos do novo regime democrático. É na elaboração do orçamento que se expressam normalmente os conflitos entre os diversos setores da sociedade e do próprio Estado pelos recursos fiscais35. (BRASIL. Exposição de motivos n° 395, de 07 dez. 1993).

Nessa perspectiva, a reforma constitucional – descentralização, redução das vinculações constitucionais, reforma tributária, reforma da administração pública, privatização, quebra de monopólios estatais, redefinição do conceito de empresa nacional e reforma previdenciária – seria a forma de redefinir as funções do Estado e “desatar as amarras” presentes na Constituição, que impediam o “governo federal de assumir plenamente seu papel de coordenador das ações do Estado e da sociedade”.

O primeiro passo para a realização da reforma monetária seria a introdução da URV, que teria por objetivo “reduzir a memória que a indexação introduz nos processos inflacionários” a partir da sua correção em um espaço menor no tempo – e, posteriormente, transformar a URV em moeda. No entanto, sustentava-se que “sem o ajuste fiscal e a reorganização definitiva das contas públicas, qualquer esforço de combate à inflação ter[ia] curta duração e estará fadado ao fracasso”36.

A Exposição de motivos interministerial n° 205, de 30 de junho de 1994, decretava a vitória sobre a inflação. O ajuste fiscal que foi sendo realizado desde a divulgação do PAI

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Este diagnóstico se inspirou nitidamente em Bacha (1994).

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Consultar Arida (1996, p. 335), para verificar a diferença entre a proposta Larida, baseada na utilização da ORTN, e a URV.

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“neutraliz[ou] a principal causa da inflação, que era a desordem das contas públicas”. A “criação de um padrão estável de valor” – a URV – possibilitou “aos agentes econômicos uma fase de transição para a estabilidade de preços,” que foi neutra em termos distributivos, “para evitar as distorções que comprometeram o êxito de outras políticas anti-inflacionárias (sic), notadamente o Plano Cruzado [...]”.

A emissão da nova moeda – o real – levaria em conta dois aspectos: i) haveria limites quantitativos para a sua emissão; e ii) a nova moeda seria também lastreada nas reservas internacionais na paridade de um dólar americano para cada real emitido.

Entendia-se que o inimigo fora momentaneamente vencido – o déficit público –, mas não totalmente derrotado:

Embora suficiente para imprimir confiabilidade ao REAL, o equilíbrio fiscal obtido, para ser duradouro, requer mudanças adicionais no arcabouço administrativo e financeiro do Estado brasileiro, envolvendo alterações da Constituição no que respeita a organização federativa, sistema tributário, elaboração do orçamento, funcionalismo, previdência social e intervenção no domínio econômico. [...] O fim da revisão, sem a apreciação dos pontos mencionados, deixa para o Presidente e o Congresso a serem eleitos o desafio de viabilizar as reformas necessárias. (BRASIL. Exposição de motivos n° 205, de 30 jun. 1994)

Uma série de documentos oficiais avaliou a trajetória do Plano Real durante os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O “Balanço” do primeiro ano (julho de 1994 a junho de 1995) foi considerado bastante positivo: a taxa mensal de inflação se manteve em torno de 2%; o PIB estava em expansão; registrou-se superávit nas contas do Tesouro Nacional e na balança comercial, apesar do aumento crescente das importações nos últimos meses em razão da abertura comercial (mas se acreditava em uma reversão desta tendência); promoveu-se a emissão de títulos da República no mercado internacional; assegurou-se a manutenção do “regime de banda cambial” e a recuperação dos níveis das reservas internacionais, que havia diminuído em razão da crise mexicana. Finalmente, o balanço alertava que “o Plano Real abriu caminho para a estabilização, mas esta só estará garantida com as mudanças propostas no processo de Reforma da Constituição, já iniciado pelo Congresso Nacional” (BRASIL. Ministério da Fazenda, 1995a).

De modo geral, o “Balanço” dos vinte e quatro meses de lançamento do Plano Real destacava os seguintes aspectos: o controle da inflação (a média mensal foi de 1,5% para

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1995 e 0,9% no primeiro quadrimestre de 1996); a reversão das medidas (aumento dos recolhimentos compulsórios e da taxa de juros) que haviam sido tomadas para conter a expansão do consumo e o superaquecimento da economia no início de 1995; o crescimento das reservas internacionais; a manutenção da política cambial; o descarte da indexação diária do câmbio à taxa de inflação. Outros aspectos eram avaliados com mais cautela: a taxa de desemprego (IBGE), que estava em queda em 1995, subiu nos primeiros meses de 1996; apesar do aumento da arrecadação (17,4%), o resultado primário em dezembro de 1995 foi 58,3% inferior ao de dezembro de 1994 e o resultado operacional que havia sido superavitário em 1994 tornou-se deficitário em 1995 (5,05% do PIB), mas melhorou no primeiro trimestre de 1996 (2,59% do PIB); com relação à balança comercial, havia apenas uma aposta de que o déficit de 1996 seria menor do que o de 1995. O documento reafirmava que

O Plano Real abriu o caminho para a estabilidade. Esta, entretanto, no entanto, só se consolidará se formos capazes de reduzir significativa e continuada o expressivo desequilíbrio fiscal do setor público como um todo. [...] As reformas constitucionais e a implementação do programa de privatizações criarão condições para o lançamento da verdadeira âncora de qualquer programa de estabilização bem sucedido a longo prazo – a diminuição progressiva do déficit nas finanças públicas – , sendo, assim, essenciais à consolidação do Plano Real (BRASIL. Ministério da Fazenda, 1996).

A partir do terceiro ano, a divulgação dos balanços anuais passou a ser realizada pela Presidência da República. Os documentos referentes aos terceiro e quatro anos do Plano Real seguiram o mesmo padrão, enfatizando: a inflação em queda; o PIB em crescimento (pois o cálculo inclui todo o ano de 1994); o crescimento da renda dos mais pobres e a redução da pobreza com o fim do imposto inflacionário; a restauração do crédito bancário; a ampliação do consumo; o aumento significativo do investimento estrangeiro; a estabilização da taxa de desemprego medida pelo IBGE (apesar de seu aumento em 1997, em decorrência da expansão da População Economicamente Ativa (PEA), considerava-se que ela ainda continuava baixa, se comparada aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a outros países latino-americanos, com exceção do México); a recuperação real do salário mínimo; a redução do déficit operacional do setor público de 4,8% do PIB (1995) para 3,9% do PIB em 1996; o avanço das privatizações; e o aumento do gasto social. Destoando desses pontos positivos, o déficit na balança comercial

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era explicado pelo aumento das importações de bens de capital (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1997; 1998).

Nenhuma referência à situação das reservas internacionais foi feita no documento de 1997, enquanto o documento de 1998 informava sobre sua recuperação. Foi feita uma breve referência à crise de Ásia de 1997 para explicar a elevação da taxa de juros em 1997. Em ambos os casos, as referências à política cambial desapareceram.

O documento referente ao quinto ano do lançamento do Plano Real trouxe uma novidade. Tratava-se de uma apresentação assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, na qual a desvalorização do real é justificada:

Nestes cinco anos tivemos que enfrentar um quadro internacional adverso, com o surgimento de três crises econômicas externas de graves proporções (a mexicana, a asiática e a russa). Essas crises tiveram como seqüelas mais visíveis o aumento das taxas de desemprego e a elevação do déficit fiscal. Em janeiro de 1999 o Brasil viveu um período de sérias dificuldades econômicas, com expressiva saída de divisas, elevação súbita e acentuada das cotações do dólar e fortes aumentos de preços no atacado. Este contexto de graves adversidades foi superado de forma mais rápida e mais sólida do que o esperado, tanto por nós quanto pelos investidores internacionais. Retomamos a confiança e o crédito de nossos principais parceiros econômicos. Nossa economia demonstrou maior capacidade de recuperação diante de choques externos em comparação com outros países. Isso se deve a um conjunto de fatores. Nosso sistema financeiro havia passado por um importante programa de reestruturação. Tivemos um bom desempenho recente na área fiscal, com expressivos superávits primários. A inflação manteve-se baixa, vencida a fase de excessiva desvalorização ocorrida durante a mudança na política cambial. Pudemos então promover uma queda gradual e consistente nas taxas de juros. Nossas decisões firmes e transparentes, além do respeito aos contratos e às instituições, levaram o setor privado a dar seguimento à reestruturação produtiva já em curso. Esse processo de mudanças, estimulado pela estabilização, abertura comercial e recuperação do planejamento de mais longo prazo, vem gerando expressivos ganhos de produtividade (Cardoso, 1999).

No mais, o documento repete os mesmos argumentos apresentados nos anos anteriores em relação à inflação, ao PIB, ao desemprego, ao déficit na balança comercial, às privatizações e apresenta as mesmas lacunas como, por exemplo, em relação às contas públicas. Já o documento relativo ao sexto aniversário do Plano Real destacava que “a mudança do regime de câmbio” permitiu uma “profunda alteração nas transações externas e aliviou as restrições sobre o balanço de pagamentos do País”. Informava ainda que as “demonstrações inequívocas de firme compromisso com a austeridade fiscal” começaram a

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apresentar resultados. “Com o fim do efeito da desvalorização cambial e a redução da taxa de juros ocorrida em 1999, o déficit nominal do setor público consolidado deverá reduzir- se, do patamar de 9,5% do PIB em 1999 para nível situado entre 3,5% e 4 % do PIB em 2000” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2000).

O documento de 2001, novamente, retomou os logros do Plano Real e destacou os feitos no ano 2000: taxa de crescimento econômico de 4,6%; superávit primário do setor público de 3,5% do PIB (superior ao de 1999, que foi de 3,2% do PIB); e diminuição do déficit da balança comercial, concluindo que “Os sete anos do Plano Real mudaram o Brasil” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2001). Finalmente, o último documento não apresentou uma avaliação do Plano Real, mas fez o balanço dos oito anos de governo37.

Em suma, os economistas do governo tinham um diagnóstico bastante preciso da causa da inflação, qual seja, “a desordem das contas públicas”, e consideravam necessário atacar a indexação e a “memória inflacionária” para combatê-la.

Diferentemente do Plano Cruzado, o Plano Real foi considerado um sucesso, pois “toda estabilização bem-sucedida tem que ter uma coalizão política que apóie o núcleo- chave de políticas. Se não houver na partida um time econômico com idéias homogêneas, uma liderança política clara e uma certa maturidade no mundo político e na sociedade sobre o que é necessário fazer, não adianta tentar” (Arida, 1996, p. 324).

Com relação ao câmbio, os documentos do primeiro governo apontavam para a “manutenção do regime de banda cambial”. No entanto, é em relação a este ponto que ocorrerá a fratura no interior da equipe econômica em janeiro de 1999. A versão disseminada pelos economistas que permaneceram no governo ao longo do segundo mandato responsabilizou a situação externa, que teria ficado insustentável depois da crise da Rússia, não havendo outra opção ao presidente Fernando Henrique Cardoso a não ser a

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“Da inadimplência generalizada à responsabilidade fiscal, da hiperinflação à estabilidade de preços, da estagnação a um crescimento moderado mas contínuo do PIB, do atraso à atualização tecnológica, sacudimos