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Turquia: inflação relativamente alta e desinflação tardia

CAPÍTULO 3 – CONTRAPONTOS

3.5 Turquia: inflação relativamente alta e desinflação tardia

Assim como nos casos precedentes, é preciso recuar no tempo, mais precisamente, à fundação da República, para se compreender o processo de estabilização verificado na Turquia. Com o desmoronamento do Império Otomano após o final da Primeira Guerra Mundial, a pequena parte européia do Império (Trácia), onde se localiza Istambul e uma parte asiática do Império (Anatólia) deram origem ao território da República da Turquia232. O principal protagonista do processo de unificação dessas duas regiões e da fundação da república foi um oficial do Exército chamado Mustafá Kemal (conhecido posteriormente como Ataturk, ou “pai dos turcos”).

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As referências históricas, gerais e descritivas, foram extraídas de Metz (1995).

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Trata-se de uma república parlamentarista, na qual o presidente é eleito indiretamente, ou seja, pelo voto dos parlamentares. O primeiro ministro é indicado pelo presidente e é, geralmente, o principal líder do partido vencedor das eleições parlamentares.

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A influência de Ataturk não decorre unicamente de ter sido o primeiro presidente da República e fundador do Partido Popular Republicano (CHP), que governou a Turquia até 1950, mas por ter instituído os seis princípios (kemalismo) que norteiam a cena política turca desde a criação da república: republicanismo, nacionalismo, populismo, reformismo, estatismo e secularismo. O kemalismo é uma das chaves para entender o papel do Estado na economia, as intervenções militares, a relação com a minoria curda, a ocidentalização da Turquia, a ação dos (e a reação aos) partidos islamitas etc.

No final da década de 1920, constituiu-se uma coalizão formada pelas “elites burocráticas, capitalistas industriais, trabalhadores industriais e agricultores” que iria formar a base social que sustentou a estratégia de industrialização substitutiva de importações. Esta era baseada em um regime comercial protecionista; em empresas estatais produzindo bens intermediários e atuando na área de infra-estrutura; e em um sistema financeiro – estatal ou privado (neste caso organicamente ligado ao capital industrial) – que garantia financiamento barato. A rentabilidade do capital era assegurada pelo: i) protecionismo; ii) bens intermediários baratos; e iii) crédito barato, fatores que criavam as condições para que o capital industrial pagasse salários mais elevados e aceitasse, internamente, termos de troca mais favoráveis para a agricultura (Boratav & Yeldan, 2001, p. 5).

Embora a industrialização da economia turca liderada pelo Estado tenha se iniciado na década de 1930 e se acelerado após o final da Segunda Guerra Mundial, a industrialização substitutiva de importações voltada para o mercado interno e baseada em medidas protecionistas caracterizou apenas o período 1961-1977. Entre 1946-1960, o desenvolvimento foi puxado pela agricultura e foi voltado para o mercado externo (Onis, 2002a, p. 3).

A implantação de um padrão de industrialização lastreado na substituição de importações em 1961 ocorreu após o golpe militar promovido no ano anterior. O golpe, por sua vez, foi resultado de um processo, cujas origens remontam à criação do Partido Democrata (PD) em 1946. Este partido surgiu como uma dissidência do CHP, criticado como “autoritário”. Com o apoio da burguesia privada e com forte penetração nas áreas rurais, o PD ganhou as eleições de 1950 e começou a implantar uma política de apoio à

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empresas privadas e ao investimento estrangeiro233. Contudo, o PD passou a agir da maneira outrora criticada como “autoritária” e tentou suprimir a oposição. O aumento da violência política e a interpretação dos militares de que a vigência dos princípios kemalistas estava em risco selaram a sorte do governo do PD.

A intervenção militar foi relativamente breve em relação ao funcionamento do Parlamento. O CHP ganhou as eleições de 1961 e fez o primeiro ministro, mesmo sem ter conquistado a maioria. O Partido Justiça (AP) foi formado a partir de grande parte dos quadros do PD e também se considerava herdeiro dos princípios kemalistas, mas concedia um papel mais relevante ao capital privado e estrangeiro. Essa nova legislatura iria eleger à Presidência da República o general que liderou o golpe. Assim, embora a intervenção militar tenha sido breve, é pertinente apontar os efeitos duradouros do golpe.

O AP continuou expandido a base social e eleitoral herdada do PD à medida que a sociedade turca foi se industrializando e urbanizando. Além da burguesia privada e dos agricultores, o AP passou a contar com o apoio da pequena burguesia e dos trabalhadores urbanos oriundos da zona rural e começou a apresentar uma postura mais complacente em relação ao islamismo. Nas eleições de 1965, o AP conseguiu a maioria e fez o novo primeiro ministro.

O CHP, derrotado nas eleições de 1965, deu uma guinada à esquerda. Apresentou-se como o verdadeiro representante dos princípios kemalistas e como um partido de tipo social-democrata europeu, ou seja, defensor da cidadania, dos trabalhadores, da intervenção e da regulação estatal, e de limites à participação do capital estrangeiro.

Apesar da maioria conquistada pelo AP nas eleições de 1965, a cena política turca começou a se polarizar no final da década. O CHP defendia posições cada vez mais à esquerda e, em razão disso, perdeu uma parte dos seus parlamentares, que formaram um novo partido (centro). Nas eleições de 1969, o AP perdeu votos, mas mantém a chefia do governo ao se aliar com partidos de direita. Em 1971, o AP perdeu parlamentares contrários

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Não obstante, a presença do capital estrangeiro na Turquia foi reduzida, salvo na forma de ajuda oficial (final dos anos 1940 e início dos anos 1950), de empréstimos de bancos comerciais (década de 1970), empréstimos das organizações financeiras multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial (década de 1980) e capital de curto prazo (anos 1990) (Onis, 2002a, p. 7).

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à aliança com a direita (e às concessões feitas a ela) e outros que formaram um partido ainda mais à direita (Partido da Salvação Nacional – MSP).

A incapacidade de se constituir uma coalizão governista estável entre os dois principais partidos turcos (CHP e AP) refletia uma diferença significativa na visão desses partidos em relação ao papel do Estado e da burguesia privada na sociedade turca. A instabilidade política aprofundou-se quando os militares enviaram um memorando ao presidente da República pressionando pela formação de um governo “forte e com credibilidade”, o que levaria à renúncia imediata do primeiro ministro234. A partir daí nenhum partido consegue formar uma coalizão majoritária, os primeiros ministros se sucederam e a violência política fez aproximadamente 2.000 mortos entre 1978-1979235.

Mas a crise não era unicamente política. A intervenção do Estado turco na economia ocorria de diferentes maneiras, como a constituição de uma série de empresas que atuavam nos mais diversos setores, como transporte nacional, comunicações, energia, química básica e bens de capital. Estava presente também através de indústrias (refinarias e têxtil) controladas por bancos estatais. Havia ainda um sistema financeiro estatal composto de bancos: de investimento para prover crédito de longo prazo; de desenvolvimento para financiar o investimento do setor privado; de financiamento das exportações; de apoio às instituições municipais; de financiamento imobiliário; e de financiamento da agricultura. O Banco Central, desde a sua criação na década de 1930, financiava o déficit público.

No começo da década de 1970, o Estado turco iniciou uma estratégia para aprofundar o padrão de industrialização promovendo vultosos investimentos na indústria pesada e de bens de capital, petroquímica e bens intermediários. A resposta turca para enfrentar os problemas no balanço de pagamento decorrente do aumento do preço do petróleo em 1973 foi aumentar o endividamento externo, de modo a preservar o crescimento. Contudo, a partir de 1976, os investimentos foram revistos em razão das dificuldades encontradas para manter o nível de investimento e financiar o balanço de pagamentos. A estratégia de industrialização por substituição de importações encontrava o

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Esse evento ficou conhecido como o “golpe por memorando”.

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O Partido da Salvação Nacional (MSP), chefiado por Necmettin Erbakan, liderava os protestos pró- islâmicos no período anterior ao golpe de 1980.

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seu limite e, a partir de 1977, a Turquia entrou em uma rota que a levaria a uma séria crise cambial (Boratav & Yeldan, 2001, p. 4-5; Yeldan, 1995, p. 47-48).

Ao longo da década de 1970, período no qual a coalizão inflacionária se articulou, o acirramento do conflito entre capital-trabalho devido ao fortalecimento dos trabalhadores, refletiu-se na coalizão formada nos final dos anos 1920. Grosso modo, a burguesia – que havia se expandido com o apoio do PD na década de 1950 –, entrou em conflito com a alta burocracia e os militares – que controlavam os centros decisórios do aparelho do Estado – pela definição das políticas estatais. Nesse contexto, um novo golpe adveio.

O golpe de 1980

simbolizava as divisões profundas que tinham emergido no interior da elite do governo a respeito das estratégias de como tratar as demandas políticas de grupos de interesse diversos e competitivos. Os oficiais e o grupo de civis que os apoiavam, inclusive alguns segmentos da elite empresarial, queriam que o Estado impusesse a [manutenção] da ordem social através do tipo de métodos autoritários que acreditavam terem sido exitosos sob Ataturk. [...] Com efeito, o golpe dividiu a elite do governo em duas facções ideológicas, cuja convivência mesmo na década de 1990 é difícil. Um grupo da elite acredita na eficácia de um governo forte para manter a estabilidade social e política; a outra facção da elite acredita que pode acomodar as demandas dos grupos de interesse desde que não ameacem a coesão nacional do país e geralmente apóia um pluralismo político ampliado (Metz, 1995). Com efeito, o advento da ditadura militar representou a “consolidação do poder político da burguesia”, que ocorria por meio de uma violenta repressão à classe trabalhadora e através de uma reorientação nas relações entre as economias turca e internacional, ou seja, uma mudança da estrutura da economia turca – que se voltou para o mercado externo – e a implementação de um programa de reformas liberalizantes (Yeldan, 1995, p. 48).

Antes mesmo do golpe de setembro de 1980, o governo já tinha a percepção de que a industrialização por substituição de importações estava em crise. Em janeiro daquele ano, colocou-se em prática uma estratégia reformista e se adotou um plano de estabilização apoiado financeiramente pelo FMI e pelo Banco Mundial236. O objetivo dessa nova

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Torgut Ozal foi o responsável pela implementação da nova estratégia. Ozal era um alto quadro da burocracia que havia circulado pelo Banco Mundial e pelo setor privado turco, ou seja, tinha fortes vínculos externos e internos; e foi mantido pelos militares no comando da implantação da estratégia. Posteriormente,

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estratégia era ampliar as exportações, obtendo, assim, recursos para financiar as importações, equilibrar o balanço de pagamentos, conquistar estabilidade macroeconômica e crescimento sustentado. Para tanto, era preciso criar incentivos diretos (subsídio) para a exportação ou indiretos – como uma taxa de câmbio flexível que permitisse a desvalorização paulatina da libra –; reformar o sistema tributário; e liberalizar as importações. Os subsídios agrícolas foram reduzidos e os preços das mercadorias e dos serviços produzidos pelas empresas estatais foram liberados. A taxa de juros foi liberada e elevada com o objetivo de combater à inflação e de reduzir o consumo (Boratav et al, 1996, Boratav et al, 2000; Boratav & Yeldan, 2001; Onis, 2002a; CBRT, 2002). Mas a característica principal da nova estratégia, após o golpe de setembro de 1980, foi a repressão aos trabalhadores e o arrocho salarial237 (Onis, 2002a, p. 11).

As medidas adotadas apresentaram alguns resultados favoráveis: i) a crise do balanço de pagamentos foi superada; ii) o acesso da Turquia ao mercado financeiro internacional foi restabelecido; iii) as exportações industriais cresceram; e iv) a infra- estrutura do país foi melhorada238. A inflação foi reduzida em um primeiro momento, embora não controlada; o déficit público manteve-se elevado; e o poder de compra declinou.

A estratégia de estruturar a economia para o mercado externo (exportação de produtos manufaturados) e de implementar reformas pró-mercado (liberalização comercial e financeira) foi mantida pelos militares e aprofundada pelo governo eleito em 1987. O retorno ao regime democrático “intensificou a luta política e pressionou o partido no poder a adotar políticas populistas e expansionistas”. Pode ter significado também uma espécie de “fuga para frente”, ou seja, uma forma de atenuar “as pressões ou o conflito distributivo associados ao processo de reestruturação neoliberal, [que] emergiram como a força motriz da estratégia governamental de atingir crescimento acelerado baseada em vultosos ingressos de capital de curto prazo” (Onis & Aysan, 1999?, p. 16).

ele seria primeiro ministro e presidente da República, uma figura chave para entender a política turca nos anos 1980 (Onis, 2003?).

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Em 1975, 79% dos trabalhadores industriais eram sindicalizados.

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A dívida externa turca era detida majoritariamente pelo FMI e pelo Banco Mundial e a renegociação do serviço da dívida foi facilitada em razão da situação geopolítica da Turquia: a União Soviética ocupava o Afeganistão e a Revolução Islâmica se consolidava no Irã (Candemir, 1994, p. 107-108).

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A repressiva legislação trabalhista foi utilizada ao longo da década para diminuir o salário real dos trabalhadores e, assim, diminuir os custos de produção e esfriar a demanda interna. O excedente gerado com o arrocho salarial foi utilizado para financiar o programa estatal de subsídios às exportações (Boratav & Yeldan, 2001). Vale lembrar que os salários sempre estiveram a reboque da inflação.

No entanto, a estratégia voltada para o mercado externo não deixava de produzir conflitos. Os dois principais mecanismos para o financiamento da liberalização comercial e das importações eram o superávit na balança comercial e o endividamento externo. Isso significa que as divisas eram obtidas pelo setor privado e o serviço da dívida era de responsabilidade do Estado. O conflito entre o Estado e os exportadores se dava em torno da transferência dessas divisas dos exportadores para o Estado e uma forma de atenuá-lo foi a política de subsídios à exportação (Boratav et al, 2000, p. 5).

A primeira fase do processo de liberalização manteve o controle da taxa de câmbio e da entrada de capitais. No entanto, em agosto de 1989, a Turquia entrou em uma nova fase desse processo ao promover a liberalização completa da conta capital239, cujas origens e implicações são a seguir analisadas.

Turgut Ozal240, no breve período em que esteve afastado da condução da política econômica (1982-1983) engajou-se na construção do Partido Pátria Mãe (ANAP), o vencedor das eleições de 1983. Como já mencionado, Ozal era um alto quadro da burocracia econômica, que havia circulado pelo Banco Mundial e pelo setor privado turco. Era também um islamita moderado e ex-militante do AP, o que lhe permitiu conquistar a base eleitoral desse partido, que fôra excluído, assim como seu principal líder241, da cena política pós-golpe. O sucesso do ANAP em conquistar a maioria absoluta do Parlamento

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Para alguns, as causas das crises de 1994 e de 2001-2002 decorreram dessa decisão (Onis, 2002a; Onis, 2003?; Boratav et al, 2000; Boratav & Yeldan, 2001; Cizre & Yeldan, 2005).

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A análise e as informações subseqüentes foram extraídas de Onis (2003?).

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Suleyman Demirel foi primeiro ministro em várias oportunidades (10/1965 a 11/1971; 03/1975 a 06/1977; 07/1977 a 01/1978; 11/1979 a 09/1980; 11/1991 a 05/1993) e tornou-se presidente da República de maio de 1993 a maio de 2000, após o falecimento inesperado de Torgut Ozal em abril de 1993. Demirel e Ozal foram muito próximos nos anos 1960, quando o segundo foi conselheiro econômico do primeiro e, posteriormente no governo, sub-secretário de planejamento. Apesar da forte semelhança programática entre o ANAP e o novo partido fundado por Demirel, o Partido do Caminho Verdadeiro (DYP), a acirrada disputa eleitoral pela mesma base e a rivalidade desenvolvida entre ambos impediram a formação de uma coalizão entre os partidos por eles liderados.

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deve ser creditado ao fato de Ozal ter sido capaz de construir uma base eleitoral bastante ampla, com penetração em todas as classes sociais.

O ANAP também obteve a maioria no Parlamento nas eleições de 1987, mas teve de enfrentar – com a volta do regime democrático – o protesto daqueles que perderam com as reformas e com a política econômica: os assalariados242 e produtores agrícolas. Viu-se também diante de duras críticas e da disputa de sua base social com retorno de Demirel à cena política. O resultado foi a derrota do ANAP nas eleições municipais de março de 1989, mesmo após o aumento dos salários dos servidores públicos e do gasto público na área social (Boratav et al, 2000, p. 3).

No longo período (janeiro de 1980 a novembro de 1989) em que foi o principal artífice das reformas pró-mercado e condutor da política econômica, Ozal mantinha o apoio da classe média através de projetos de habitação, de venda de ações das empresas estatais e do pagamento de altas taxas de juros para pequenos poupadores. Ozal aprofundou os laços com a União Européia e acreditava que a liberalização comercial disciplinaria a indústria turca ao expô-la à competição internacional.

Contudo, Ozal fracassou no combate à inflação, pois a taxa anual no início da década de 1980, que era de 30-35%, passou para 60-65% no final da década (Ertugrul & Selçuk, 2001, p. 1). Além disso, as denúncias de corrupção envolvendo membros do governo fizeram com que o ANAP perdesse as eleições de municipais de março de 1989.

A liberalização da conta capital, em agosto de 1989, pode ter sido a estratégia adotada por Ozal para reconquistar o apoio eleitoral perdido, pois – em tese – ela atrairia capitais externos, criaria um ambiente para aprofundar a liberalização comercial e, conseqüentemente, permitiria baixar o preço dos produtos importados e combater a inflação243.

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O número de greves e lockouts passou de 28 em 1986 para 307 em 1987 (OIT, Yearbook of Labour Statistics, diversos números. Classificação ISIC Rev. 2).

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Além disso, a liberalização da conta capital tinha também por objetivo limitar os efeitos dos aumentos salariais e possibilitar o financiamento do déficit público (Boratav et al, 2000, p. 3). De fato, os salários reais – sobretudo dos trabalhadores industriais, registrados e sindicalizados – subiram 90% entre 1988-91, aquecendo o consumo privado. Era preciso, portanto, encontrar mecanismos para manter e mesmo aumentar a rentabilidade do capital industrial privado: i) o crescimento da liquidez – decorrente da liberalização da conta

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Ozal deixou a chefia do governo, em novembro de 1989, para se tornar presidente da República. Ele contava, ao que parece, que os esperados efeitos positivos da liberalização da conta capital lhe assegurassem um capital político suficientemente forte para pleitear um papel mais proeminente para a Presidência da República, nos moldes dos regimes políticos presidencialistas latino-americanos.

As duas apostas de Ozal mostraram-se erradas. A liberalização da conta capital em uma ordem financeira internacional de livre circulação de capitais, em vez de detonar um ciclo de crescimento econômico, deixou a economia turca instável, vulnerável, à mercê das flutuações do mercado de capitais e dependente dos capitais especulativos. Ozal também não conseguiu deslocar o centro decisório para a Presidência da República, pois o Parlamento, desde a fundação da República, tem desempenhado um papel importante no processo decisório e não deixaria de exercê-lo, sobretudo em uma conjuntura de enfraquecimento do capital político do presidente eleito. A situação de Ozal tornou-se ainda mais desfavorável no início dos anos 1990, por conta dos seus indicados para substituí-lo na chefia de governo. Além de não possuírem o mesmo carisma de Ozal, atuaram em uma conjuntura política e econômica adversa. O resultado foi a derrota do ANAP e a vitória do DYP nas eleições de 1991244.

Após ter sido excluído da cena política pelo golpe de 1980, Demirel voltou à chefia do governo – em uma aliança com um partido constituído por quadros do CHP, o Partido Social-Democrático Populista (SHP) – na qual permaneceria até a morte de Ozal e sua eleição para a Presidência da República. Em seu lugar assume uma mulher – Tansu Çiller – até 1995, quando o SHP deixou a coalizão245. Nas eleições de 1995, nenhum partido

capital – diminuiu o custo das importações e aliviou as pressões inflacionárias; ii) os mark-ups dos oligopólios privados foram reajustados acima da variação dos salários reais; iii) o preço dos bens e serviços públicos estava a reboque dos índices inflacionários, o que significou um ganho extra para o capital industrial; e iv) ao longo da década de 1990, houve um aumento nas demissões e mais da metade da força de trabalho foi deslocada para a informalidade, diminuindo ainda mais os custos do capital privado (Boratav et al, 2000, p. 5- 6). A liberalização da conta capital e a crescente ampliação do número de transações financeiras também possibilitaram ao capital bancário um significativo aumento dos ganhos de arbitragem (Boratav et al, 2000, p. 28).

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O número de greves chegou a 458 em 1990 e a 398 em 1991. O número de trabalhadores envolvidos foi de 166.306 e 164.968, respectivamente (OIT, Yearbook of Labour Statistics, diversos números. Classificação ISIC Rev. 2).

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O SHP foi dissolvido em 1995 e parte dos seus deputados ingressaram no CHP, que foi refundado em 1992. Apesar da coalizão ter sido relativamente estável, ela nunca foi bem vista por parte dos quadros do SHP

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conseguiu a maioria das cadeiras; o DYP ficou em segundo lugar, atrás do islamita RP (Partido do Bem-Estar). Para manter-se no poder, o DYP constituiu uma coalizão com o

ANAP, que assumiu a chefia de governo246 em março de 1996. A coalizão durou pouco –